ARTUR COIMBRA |
Já há muito andava inquieto, desconsolado e pesaroso pelo facto de desadorar atavicamente pessoas como Pinto da Costa, Paulo Portas ou Cavaco Silva. Não que alguma vez me tenham feito mal. Não que me tenham colocado sal no café ou tenham furado o pneu do meu automóvel, ou acordado às três da manhã quando dormia profundamente. Eu conheço aquelas personagens ilustres e veneradas por milhares de portugueses apenas pela comunicação social e elas nem se dignam saber que eu existo. E isso me conforta. Estamos, assim, a falar de um desamor que vem mais da comunicação social do que da racionalidade: vamos construindo uma imagem das pessoas que vemos ou ouvimos, em função do que vão afirmando e da forma como o vão fazendo. E, se há pessoas às quais aderimos sem qualquer alergia, como se de uma segunda pele se tratasse, outras não gostamos de as ver nem pintadas com as cores da fantasia. Nunca nos fizeram qualquer desfeita, nem nos conhecem de parte alguma, mas, em rigor, sem razão aparente, colocamo-las, alegremente, no rol das pessoas indesejáveis, com as quais dificilmente beberíamos um copo numa esplanada, ou jamais aplaudiríamos fosse em que situação fosse.
Afinal, a ciência explica que o facto de não gostar, nem um pouco, desses controversos personagens, não tem a ver com a sua arrogância, característica que abomino, seja em quem for, nem com a mania de pensarem que o que dizem tem piada, nem com o facto de fazerem parte de um partido e de um clube com os quais não me identifico nem à lei da bala. Afinal, a culpa é do genoma!...
Os cerca de três biliões de letras químicas do código genético do ser humano, dos quais 98% ainda é desconhecido, é que ditam o que gostamos ou o que execramos na nossa vida. Os cientistas afirmam que “somos mais resultado do nosso genoma do que pensávamos”.
O genoma determinou que eu gostasse mais do Miguel Torga do que do José Saramago, do Cardoso Pires do que do Lobo Antunes, não porque estejam mortos, mas porque me dizem mais.
Agora, fico a saber a razão de ser impossível deixar de amar a “chama imensa” do glorioso SLB.
Deve ser por causa do genoma que gosto do Cristiano Ronaldo, mas também do Messi. Do humilde Rui Vitória mas não do pretensioso Jesus.
Fico também a saber porque gosto do Sérgio Godinho, e do Rui Veloso, e do André Sardet, e da Mariza, e dos Xutos, e dos Pink Floyd, e dos Dire Straits, e dos Queen, e dos Rolling Stones, e de Brian Adams, e de tantos outros. E porque não aprecio por aí além a música clássica ou o jazz, que não me fazem trepidar a alma, como tanto gosto.
E gosto de pensar que, mais que os futebolistas que têm jeito para dar uns pontapés na bola, arrebatando multidões, é certo, merecem ganhar milhões os inúmeros laureados pelo Nobel em áreas como a medicina, a física, a química, a biologia e outras. São esses homens e mulheres que fazem avançar a Humanidade, que combatem doenças, que descobrem meios para tornar os homens mais felizes, mais saudáveis e com maior qualidade de vida. Mas não ganham, para mal deles, que são simples “apóstolos do bem”. Esses, sim, são os heróis que o mundo deveria cultivar, aplaudir, entrevistar, divinizar, se o mundo tivesse algo parecido com aquilo a que se chama o bom senso.
Mas não, os portugueses e os povos em geral, gostam de incensar ídolos de pés de barro, sobretudo se mexem com esse terreno movediço e incontrolável chamado emoções, sobretudo se aplicadas ao universo do futebol, que, mais que um desporto, é hoje uma indústria pesada e pejada de interesses e de falta de escrúpulos financeiros, entre outros.
Deve ser o genoma a ditar-me este agreste e rude desabafo porque, na verdade e honestamente, eu até sou simpatizante intrínseco do futebol!...
Mas há coisas bem mais importantes que os sucessivos pontapés na bola, num rectângulo verde. Disso não tenho a mínima dúvida!...
independente da opinião do Sr. Artur Coimbra tenho a dizer que tenho inveja de ver como ele escreve bonito....parabéns.
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