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REGINA SARDOEIRA |
Esporadicamente, leio jornais. Ontem aconteceu - me ter à mão a revista do Expresso e, logo que a abri, dei com o texto intitulado "O hamster", de Clara Ferreira Alves.
Li umas linhas e soube, de imediato, que o hamster é, segundo a metáfora ridícula da jornalista, o primeiro-ministro, António Costa.
Pensei no pobre animal de pseudo-estimação, um ratinho de olhos vivazes que, para gáudio dos humanos, é encerrado numa gaiola e obrigado, pelas circunstâncias do seu cativeiro, a girar o corpo numa roda, qual suplício medieval. E, literalizando a metáfora, substituí o rato pelo primeiro - ministro. Soube então, depois de ler algumas frases do texto referido, que são pessoas como esta mulher/jornalista as responsáveis por termos um primeiro-ministro, encerrado numa gaiola a fazer círculos absurdos numa roda, querendo caminhar livremente, mas com entraves contínuos vindos de muitos quadrantes.
"António Costa está a tornar - se um hamster da rodinha. Está a tomar conta do negócio da família, o partido, está a administrar a relação com a direita que o abomina, está a administrar a relação com a esquerda dividida entre o prazer do poder e o horror do poder. Uma esquerda reaccionária que odeia o povo e não admite a perda. Para realizar o projecto da tomada do Estado, esta esquerda tem de roubar do PS. Por cima de todos eles, um Presidente atento e incansável com uma popularidade brutal. "
Se lermos o texto distraidamente (às vezes, acontece!) escapar-nos-ão detalhes importantes.
Em primeiro lugar, a ideia de um primeiro-ministro sob absoluto controle, dentro de uma gaiola, girando ao sabor de uma roda mecânica. E comandada por quem? Lá estão eles: o partido (ou "negócio de família "), a direita "que o abomina ", a esquerda "dividida entre o prazer do poder e o horror do poder" e, por cima deles todos, "um Presidente incansável e atento, com uma popularidade brutal."
Repito, de propósito, as frases do excerto, para que sobressaiam.
Imaginar um homem - este primeiro -ministro do Portugal de agora - numa tal situação, em que, praticamente, todos os que deveriam contribuir para o sucesso de um projecto governativo estão a dar corda à rodinha do hamster, tendo por cima, como peso propulsor maior, o Presidente da República é devastador. Isto significa que, para a cronista do Expresso, e para outros que pensam como ela, ninguém está no seu lugar, a fazer o que lhe compete, visto que, todos apostaram em estontear o pobre hamster engaiolado e ele, desse modo torcido, em círculos sem fim, não pode ver claro e muito menos agir.
No entanto, dizem certas notícias (ao mesmo tempo que outras as contradizem) que, em termos gerais e graças ao esforço do tal hamster humano e de alguns apoiantes (curiosamente, segundo a cronista, também accionadores da rodinha ), a situação actual dos portugueses é melhor do que em 2015 e tende a evoluir positivamente. Aliás, em recentes eleições, os resultados mostraram uma adesão expressiva ao hamster e um repúdio pela "direita que o abomina ". E todos deram conta disso.
Não foi por acaso que, logo a seguir às eleições, uma calamidade incendiária se abateu sobre as terras e as gentes, tendo o propulsor maior da roda do hamster e a direita que o abomina desatado a pedir, histericamente ou com uma máscara afivelada de piedoso e católico sentimentalismo, o rolar de cabeças, presumivelmente responsáveis por este cataclismo (e pelos outros todos).
Ora, para quem não anda cego - e, ontem mesmo, uma mulher do povo me dizia que "o povo bem vê, o povo não é estúpido!" - tais cataclismos, nunca dantes vistos em Portugal, são fabricados, provêm do ar ou do chão, ordenados e organizados por todos aqueles que chamam "geringonça " a este governo, plenamente legítimo, e não se conformam com as derrotas notórias e o declínio visível de que são alvo.
Ler este texto e dar conta da ira da cronista, que não compreende o que significa ser de esquerda (e a frase que ela usa para mostrar a sua profunda estupidez é expressiva :" dividida entre o prazer do poder e o horror pelo poder" ou ainda: "uma esquerda reaccionária que odeia o povo e não admite a perda") é sentir uma profunda revolta e uma extrema preocupação.
São estes escribas e também arautos (porque ela fala na televisão ) que revelam o que está por detrás das máscaras e que, se estivermos atentos, nos podem ajudar a ver a luz ao fundo do túnel. São úteis, portanto? Sim, devemos lê -los e ouvi-los com atenção, espreitar as entrelinhas e interpretar, cuidadosamente, o sentido das suas metáforas.
Não se esqueçam: um hamster na gaiola é o primeiro-ministro de Portugal, os accionadores da rodinha que o entontece são "a direita que o abomina", "a esquerda. ..etc." e "o presidente. ..etc"., também; a gaiola é o país prefigurado, por esta mente tacanha, numa coisa minúscula, onde o povo, decerto, não cabe.
Há mais na crónica desta cronista do Expresso, uma raiva insultuosa ao primeiro-ministro e à esquerda. Segundo ela, "se, por um milagre, Portugal passasse a ser bem administrado e menos desigual e injusto, os comunistas desapareceriam. E do bloquismo restaria o perfume do caviar. " E depois uma lista monótona, em que cada frase começa com a palavra "que", informando os leitores da maravilha que o país seria se não fosse o hamster e os que dão corda à rodinha, e logo todos os que deveriam unir - se e governar ou colaborar com o governo, portanto, todos os responsáveis com o Presidente da República a fazer o maior esforço, porque está "por cima de todos eles" e é "incansável "!
Quem, senhora cronista, excluindo todos esses que se ocupam a manobrar a rodinha do hamster, fará, então, de Portugal o paraíso verde que a sua crónica prenuncia?
Terá que ser mesmo obra de um milagre, claro.