sexta-feira, 6 de outubro de 2017

KOSOVO E CATALUNHA

JOÃO MENDES
O processo de desintegração da Jugoslávia, no início da década de 90, foi um processo conturbado, feito de combates políticos, declarações unilaterais de independência, referendos e a habitual violência que caracteriza tais revoluções. 

Não obstante, a Jugoslávia era um Estado reconhecido internacionalmente, desde a desintegração do Império Austro-Húngaro, e membro de pleno direito da ONU. Sofreu mutações, nomeadamente com a abolição da monarquia e a passagem a uma federação de repúblicas, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, mais tais factos não afectaram a sua condição de Estado soberano.

Tal não impediu que a União Europeia reconhecesse os vários estados que resultaram do processo de desintegração, ao longo dos dois anos em que as declarações unilaterais de independência se sucederam nas antigas repúblicas jugoslavas. Como não impediu que a NATO ingerisse nas questões internas da Sérvia, bombardeando e aniquilando milhares de inocentes, à boa maneira dos cowboys americanos, seguidos de perto pelos seus vassalos europeus. 

O que está a acontecer neste momento na Catalunha, com a Madrid a endurecer o discurso e a acção sobre os independentistas, não é muito diferente do domínio territorial que a Belgrado tentou impor sobre a sua província do Kosovo, numa fase inicial, antes do eclodir do conflito armado. No entanto, talvez pela natureza do regime de então, europeus e americanos não hesitaram em subjugar os sérvios, violando a sua soberania através do uso indiscriminado e desproporcional da força. Ou apoiando o referendo independentista da Bósnia. Aparentemente, os catalães são um povo sem direito à autodeterminação.

Dir-me-ão que são casos diferentes, que as diferenças étnicas e religiosas que marcavam as divisões entre as repúblicas jugoslavas são mais profundas que aquelas que separam a Catalunha da nação espanhola, e eu sentir-me-ei tentado a concordar com tal consideração. Não obstante, e em particular no caso do kosovar, importa não esquecer que, opiniões e considerações ideológicas à parte, e bem antes da criação da extinta Jugoslávia, o Kosovo era uma região autónoma da Sérvia. O mesmo estatuto de que goza a Catalunha no seio do estado espanhol. E isto diz-nos muito sobre a política externa da União Europeia – ou da ausência dela – face à situação delicada que se vive por estes dias na Catalunha.

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