MOREIRA DA SILVA |
As ruas da Catalunha têm-se enchido de milhares e milhares de pessoas empunhando bandeiras amarelas e vermelhas e transportando dentro de si, no seu peito ofegante e cansado de tanto lutar, um sonho antigo de serem catalães por inteiro, de terem a autonomia total, de verem a sua Catalunha completamente independente e livre do domínio espanhol. É um sonho muito antigo que não morreu e que veio até aos dias de hoje, porque é uma nação, se for considerada a sua história, cultura, língua própria e até direito civil.
A Catalunha já conseguiu, através de muita luta autonómica, política e jurídica desenvolvida ao longo dos tempos, uma autonomia quase total, só que os catalães consideram que não alcançarão a sua independência cultural, social e económica, enquanto a Catalunha fizer parte do Estado Espanhol. Para materializar esse sonho de autonomia total, uma aliança muito heterógena de partidos políticos conseguiu aprovar e submeter uma proposta de independência aos eleitores catalães.
As vanguardas políticas catalãs, os partidos e os movimentos políticos movimentaram-se e mobilizaram-se, arrastando os cidadãos para uma luta que poderá levar a um vazio, e a um descontentamento generalizado e perigoso para a autonomia da Catalunha. O governo catalão efetuou um referendo, que designou de consulta realizada no passado dia 1 de outubro e os partidos e movimentos políticos marcaram desde logo a sua posição.
A favor da independência esteve uma coligação de convergência democrática, conjuntamente com a esquerda republicana e outras organizações de esquerda. A favor do referendo esteve uma coligação eleitoral de forças de esquerda, juntamente com um partido nacionalista catalão democrata-cristão. Contra a independência e contra o referendo estiveram os populares e os socialistas catalães, associados a um partido constitucionalista, pós-nacionalista e progressista.
Com uma taxa de participação na ordem dos 43%, o referendo recolheu mais de 2,2 milhões de votos (90,2%), o “sim” à independência obteve mais de 2 milhões de votos, o “não” recolheu perto de 178 mil votos (7,8%), à volta de 45 mil pessoas votaram em branco e perto de 20 mil foram votos considerados nulos.
Os catalães votaram massivamente, mais de 90%, a favor da independência, mas a sua vanguarda política não assumiu as suas responsabilidades, não fez aquilo que se propôs fazer, que era a declaração da independência da Catalunha. Numa habilidade política altamente criticável o presidente da Catalunha fez uma declaração de independência “suspensa”, que expôs as divisões da sociedade catalã e quebrou a unidade das forças políticas heterógenas que defendiam a independência.
É verdade que historicamente as vanguardas sempre praticaram um certo experimentalismo, só que o movimento independentista catalão precisa de ter uma certa regularidade na sua luta. Não pode viver de avanços e recuos graves e inconsistentes, que poderão comprometer e fazer retroceder as conquistas autonómicas ou levar os catalães na direção do precipício.
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