RAUL TOMÉ |
Vivemos, hoje, a desmesurada doença das vendas que não nos deixa, enquanto cidadãos, ter uma vida que nos proteja daquilo que por nós é indesejado.
Se, numa realidade não muito distante, bastava mudarmos de canal de televisão para ignorarmos a publicidade, assim como virar a página de um jornal ou revista, hoje encontramo-nos permanentemente expostos à implacável agressividade das vendas.
A frase feita "não é vendedor quem quer", está completamente em desuso e qualquer pessoa pode ser uma potencial vendedora. Por essa razão estamos impregnados de "profissionais" das vendas, mais ou menos dotados, onde quer que pisemos.
Façamos a seguinte análise e chegaremos à conclusão simples de que assim é.
O nosso telemóvel toca constantemente com ofertas, na maioria das vezes indesejadas em momentos inoportunos e sem que tivéssemos fornecido o nosso número às entidades que nos contactam, de empresas que nos pretendem vender pacotes de telecomunicações, gás, electricidade, planos de saúde e cartões de crédito, numa ladaínha tão bem estudada que impede o nosso interlocutor de ouvir o que dizemos, nomeadamente, que estamos fidelizados a outra empresa, ou que simplesmente não estamos interessados. Mas não ficamos por aqui!
Se vamos a um qualquer centro comercial somos perseguidos por alguém que tenta, à força, vender-nos um cartão de crédito, perguntando-nos qual é a nossa profissão (como se isso tivesse alguma influencia na atribuição do referido cartão). Nas bombas de abastecimento de combustíveis tentam vender-nos dois chocolates ou dois refrigerantes por "X" euros sem que tivéssemos demonstrado qualquer vontade de consumir os referidos produtos. Nas lojas dos CTT querem empurrar-nos à força uma lotaria, usurpando o lugar ao cauteleiro, dizendo-nos que hoje pode ser o nosso dia de sorte e como tal devíamos adquirir o papelinho premiado!
Nas televisões, nomeadamente nos programas de entretenimento vendem-se, sem pudor, todo o tipo de suplementos alimentares milagrosos (já que curam todas as maleitas) com oferta, por exemplo, da Bíblia Sagrada, não se atendendo, de forma cuidada, ao credo de cada um. Ofertas essas, só disponíveis para os velozes espectadores que as adquiram nos 10 minutos seguintes, como se essa oferta "irrepetível" não se repetisse a cada 30 minutos, durante todo o dia, e durante todos os dias.
No YouTube, já está quase ultrapassado o tempo em que os anúncios apareciam apenas no início dos vídeos, podendo ser dispensados ao fim de alguns segundos. Hoje a publicidade neste canal aparece, não raras vezes, a meio do vídeo, não podendo ser ignorada e sem que dela possamos fugir. Se o fizermos o custo a pagar será o de voltar ao início do vídeo que incluirá, no momento programado, a visualização da dita publicidade.
Depois vêm os amigos, a família, os vizinhos, os colegas e os conhecidos, que sem o pudor de outros tempos nos querem vender tudo aquilo em que se metem na ganância da fortuna apressada e ilusória que compraram aos abutres que debicam os incautos cérebros que por aí vagueiam, desesperados por emprego e/ou em busca de dinheiro fácil. Então, os nossos mais próximos tentam, de forma voraz, vender-nos de tudo. Avon, Oriflame, Herbalife, Bimby e aspiradores que a única coisa que não fazem são pequenos almoços.
E nós, quais refugiados, fugimos como podemos dos bombardeamentos que caem à nossa volta no desespero dos dias.
O desafio de hoje prende-se, essencialmente, com a forma como podemos sobreviver (e sem ferir susceptibilidades) a estes vampiros anárquicos e sedentos do nosso dinheiro, que não raras vezes, se ofendem com a nossa recusa, como se comprar-lhes o que não queremos e não pedimos, fosse uma obrigação nossa!
Eles querem construir pirâmides para chegarem ao topo e conquistarem o tão almejado lugar ao sol, mas querem que sejamos nós a carregar as pedras!
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