ANTONIETA DIAS |
Na perspetiva da vida do médico, a sua forma normal de estar é sempre programada para cuidar o seu paciente.
Porém nem sempre é este o cenário vivenciado e muito menos o esperado.
Certo é, que perante a situação de ficar incapacitado temporária ou definitivamente passa a viver uma experiencia inesperada e por vezes não controlada.
A sua aceitabilidade perante a doença desencadeia muitas fases, obedece com certeza às recomendações que lhe são dadas, mas aceita com dificuldade esta mudança radical que muda a sua vida.
Não está preparado para lidar com a doença, não se conforma com a leitura obrigatória do cardápio dos medicamentos , conhece os limites da ciência, mas não consegue saber estar doente.
Conhece os hospitais, os lares, as unidades de cuidados continuados ou paliativos, sente que tem auto - estima, que está a ser tratado com dignidade, que não perdeu a autonomia, acredita na Sabedoria de quem o cuida, bem como nos limites da medicina, que consegue prolongar e dar qualidade à vida, mas não se conforma com o intervalo entre o exercício da sua profissão e o período de reabilitação.
Como cliente tem sempre razão, mas será que vale a pena ser paciente mesmo que não seja muito grave a sua situação?
Acredito que não, mesmo que seja muito otimista preocupa-se, o seu raciocínio reflete sobre as complicações, potencia e investe para obter bons resultados, não quer ser enganado, pensa como doente, age como médico e ate parece que já estava preparado.
Arranja soluções, evita complicações para combater o declínio psicofisiológico.
Entre o acordar e o adormecer, faz os apontamentos clínicos, reúne o que é importante e separa a fantasia, consolida a certeza de que a cura esperada não evita a medicação, nem muitas vezes a cirurgia mas não há outra solução para a patologia em questão.
Passa o tempo, a recuperação é prolongada, tenta preencher o dia, lendo, vendo filmes, conversando, mas as vinte e quatro horas são longas e a vontade de sair do processo da doença é enorme, que os minutos parecem horas, os dias meses, depois já exausto serena e decide que é melhor aguardar tranquilamente pela consolidação das lesões.
Já impaciente leu todos os Capítulos do Harrison, parecia que estava a preparar-se para o exame de admissão à especialidade, retinha as virgulas, os pontos, as minúsculas anotações como se fosse ainda candidato à especialidade, mas o tempo ainda sobrava para meditar, para escrever e para sonhar com o dia do términus da doença.
São estes fatos que nos fazem modelar os comportamentos, que nos elevam os pensamentos e que nos ajudam a superar o sofrimento.
Em suma, ser médico torna por vezes mais complicada a vivência e a experiência de ser também doente, mas por menos complicada que a situação seja, há fatos que não conseguimos ultrapassar, sobretudo as dores, as ideias de um insucesso terapêutico, as dificuldades em andar, o medo de piorar, o desejo de escolher a melhor opção para não falhar, os tempos de tratamento, o silencio e a serenidade de saber esperar.
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