NUNO ANDRÉ |
Qualquer palavra escrita corre sempre o risco de ser redutora estando limitada a um ponto de vista diferente de muitos outros. Porque muito se tem escrito acerca dos temas mais variados e porque haverá sempre algo a dizer, fica a promessa de não me esgotar em cada tema abordando-o a partir da minha experiência pessoal e assumindo como uma verdade que não pretende sobrepor-se às outras verdades. Este pensamento livre, aberto e tolerante é característico nas personagens que nos chegam através de livros ou filmes e a quem chamamos de magos ou mágicos. Personagens normalmente com uma idade avançada, solitárias e de poucas palavras. Em contraste podemos imaginar um saltimbanco que na frescura da idade viaja e delicia os olhares dos curiosos com as suas artes da prestidigitação. Os mágicos, como os conhecemos hoje, são fruto de uma longa caminhada entre as luzes da ribalta e das trevas. Dos Magos do faraó até ao ilusionista de palco muito havia para contar. Uns procuraram a pedra filosofal, acreditando que um dia seriam capazes de transformar o chumbo em ouro mas outros aprenderam formas de encantar com a arte das palavras e dos gestos brincando e pondo à prova a ciência. Na verdade, quando estamos num espetáculo de magia ou ilusionismo esperamos algo que nos leve a experimentar o terror e o fascínio. O fascínio pelo encantado, pelo brilho da surpresa que por sua vez está envolta em espectros de impossibilidades que a cada momento se tornam verdades, mesmo que aparente. Depois vem o terror da morte, projetada no fazer desaparecer alguém, o terror de conseguirem ler a nossa mente tendo acesso aos nossos maiores segredos, o terror de alguém conseguir tornar possível o que acreditamos ser impossível.
No palco, brincamos assim com tudo isto e muito mais pedindo ao público não aplausos, mas que se deixe levar pelas nossas palavras a fim de que em cada um daqueles corpos que vive de forma exacerbada os sentidos, possa por um instante voltar a libertar-se das amarras da vida e voltar a sonhar, mesmo que para isso tenha que prender os seus “titãs”. Os titãs eram os primórdios dos deuses na mitologia grega e um deles, apesar de ser um dos maiores, com medo de ser destronado, engolia todos os filhos à nascença. Falo de Cronos. Regia o destino do universo e tudo devorava, mas Reia, sua esposa, conseguiu enganá-lo e trocou um dos filhos por uma pedra envolvida num pano. Foi assim que Zeus sobreviveu e acabou por enganar o seu próprio pai dando-lhe uma poção mágica que o fez vomitar todos os filhos, aprisionou os titãs no mundo subterrâneo e assim se tornou o senhor dos céus.
De Cronos herdámos a palavra “tempo” e é tudo o que vos vou pedir a cada crónica que escrever. Convido-vos ainda a fazer o seguinte exercício: assumam o papel de mágico e entrem em cena no palco da vossa vida, vivam cada momento e olhem o público de frente, encantem-nas! Mudem o mundo daquelas pessoas e deixem este mundo um pouco melhor, depois, antes do último ato, surpreendam e deixem que eles vos aplaudam de pé, desapareçam e voltem a aparecer no meio deles, como se nunca dali tivessem saído.
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