PEDRO PAULO CAMARA |
É comum que cada açoriano tenha um primo, um tio, ou um irmão emigrado. Alguns de nós, têm, efetivamente, primos e tios que nunca conheceram, mas que se tratam, e que se tratarão sempre, como família, mesmo que a presença real e um abraço jamais se consumam. Mor parte dos açorianos, ainda, também, conseguirá recordar-se do desejado dia em que se celebrava a chegada de um “barril das Américas”, carregado de “candilhos”, repleto de camisolas de manga à cava e aquele cheirinho particular a um outro mundo, a uma outra realidade. Nos dias que correm, cada vez chegam menos, já que o nível de vida da população a residir no arquipélago melhorou substancialmente.
De facto, a história dos Açores compõe-se das diversas vagas de emigração, construiu-se das lágrimas, primeiro no cais, depois no aeroporto, das ausências, das saudades e, neste momento, existem açorianos e açoriano-descendentes espalhados pelas diferentes geografias que compõem o planeta Terra, efeito de um gesto quase cíclico de embarque para terras longínquas, como aconteceu aquando da erupção do vulcão dos Capelinhos, na ilha do Faial, na década de 50 do século XX.
Foram várias as vezes em que a ideia e o ato da partida, com todas as emoções que lhes estão associadas, inspiraram artistas de distintas áreas. Ressaltemos o livro O Barco e o Sonho, de Manuel Ferreira, ou O Milhafre, de Armando Côrtes-Rodrigues, ou o célebre quadro “Os Emigrantes”, de Domingos Rebelo, ou, ainda, o Monumento ao Emigrante, em plena Avenida Infante Dom Henrique, em Ponta Delgada.
Ainda recentemente, o Museu Municipal da Ribeira Grande ostentou a genial exposição da artista plástica Lena Gal, micaelense radicada em Portugal continental, dedicada às mulheres emigrantes. Eram poderosas as suas telas, em que o grotesco do corpo feminino e a dureza das cores ampliava a dureza de uma emigração tantas vezes forçada. Lena Gal impõe a sua mensagem e reduz o observador às evidências: a carta que vai e que demora a chegar; a solidão; a lágrima calada que desce pelo rosto; os braços que se esticam em direção a uma outra terra; o corpo que se tolhe; a nostalgia levada ao extremo e que contrai o músculo principal; os olhos que se semicerram, as palavras que não são ditas. A artista narra histórias individuais, mas que constroem a história de uma região.
Nos Açores, escreve-se escreveu-se sobre a emigração; pintou-se a emigração, viveu-se emigrado e com a emigração. Ela está entranhada no basalto negro.
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