quarta-feira, 28 de junho de 2017

A EDUCAÇÃO CIDADÃ

RUI SANTOS
O ensino obrigatório para toda a população foi promovido no século XIX com vários intuitos, não só como via para a conquista de uma sociedade mais igualitária, mas também – para quem detinha o poder –, como objectivo de assegurar o controlo e o beneplácito da cidadania. Ao longo da curta história das instituições escolares, pode constatar-se que no sistema educativo tornou-se mais importante disciplinar as mentes e os corpos, com a perspectiva de manter os modelos tradicionais da sociedade classista, sexista, racista, heterossexual e crente, do que formar uma cidadania informada, crítica, solidária e democrática. É no século XX que se atribui à educação maior importância, principalmente quando passa a ser considerada um direito básico de todas as pessoas, tal como é referido no Artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Assembleia Geral das Nações Unidas, 10 de Dezembro de 1948)[1].

Um dos inúmeros problemas que afetam o sistema educacional, prende-se com o facto dos professores não se encontrarem preparados ao nível do conhecimento referente aos Direitos Humanos. Existe um déficit de formação enorme nesta área. Apenas uma minoria conhece documentos como a Declaração sobre a Raça e os Preconceitos Raciais, a Declaração de Montreal, a Declaração e Programa de Ação de Viena, o Convénio Europeu para a Salvaguarda dos Direitos e Liberdades Fundamentais, etc.

Se a própria classe docente apresenta déficits formativos pode-se concluir que o nosso sistema educativo não colabora decididamente na educação de uma cidadania que precisa de saber respeitar os direitos humanos e as liberdades; uma cidadania que, dado que está em contacto com as pessoas oriundas de outras culturas, comunidades nacionais, religiões, idiomas e etnias, precisa desenvolver valores de compreensão, justiça, solidariedade, respeito, comunicação e colaboração.

Este desvio das funções dos sistemas educativos está fortemente relacionado com uma fortíssima reorientação das instituições escolares para ideais neoliberais. Uma prova contundente disso é o vocabulário mercantilista que inunda os discursos políticos sobre a educação, com palavras como: “mercado”, “qualidade”, “ranking”, “eficiência”, “excelência”, “privatização”, etc. Assim, entre os slogans aos quais se recorre para explicar as funções dos actuais sistemas educativos, a temática dominante insiste na necessidade de formar pessoas preparadas para a competitividade, para lutar pelo êxito e sobrevivência dos mercados globais.

Ensinar é criar condições que permitam aos alunos apropriar-se do saber, construir o seu sentido, transformar os seus conhecimentos iniciais, elaborar novos conceitos, entender teorias, adquirir e desenvolver novas competências e procedimentos. Para levar por diante esta tarefa, diversas teorias psicológicas muito em moda defendem que isso exige colocar aos alunos no centro do sistema educativo, argumentando que cada estudante tem o seu próprio ritmo de aprendizagem, os seus próprios conhecimentos prévios, interesses, inteligências, capacidades e expectativas. No entanto, tais teorias correm o perigo de reforçar filosofias individualistas e egoístas que nos últimos anos vêm tendo o apoio das ideologias conservadoras e neoliberais. Os contextos sociais nos quais essa pessoa se desenvolve ficam completamente obscurecidos e, implicitamente, apoia-se a ideologia dos dons. Cada pessoa seria exclusivamente o fruto das atitudes inatas com as quais nasceu. Deste modo, o seu código genético parece determinar a sua trajetória social.

Numa sociedade fortemente classicista, racista, sexista e individualista este tipo de modelo explicativo acaba por ser o melhor aval para naturalizar a segregação e a exclusão social.

Uma sociedade verdadeiramente democrática e informada precisa ter clara resposta ao dilema dominante com o qual as escolas se têm enfrentado, isto é, servir as causas de uma sociedade estratificada e competitiva, ao mesmo tempo que devem contribuir para uma melhor integração da sociedade, ensinando as novas gerações a conviver democraticamente e com um sólido compromisso com a justiça social e a conquista de uma verdadeira igualdade de oportunidades.
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[1] Art. 26º: “1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos no que concerne à escolaridade obrigatória. A educação básica será obrigatória. A educação técnica e profissional deverá ser generalizada; o acesso ao ensino superior será igual para todos, em função dos respectivos méritos;

2. A educação terá como objectivo o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais; favorecerá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos étnicos ou religiosos e promoverá o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz;

3. Os pais terão direito preferencial para escolher o tipo de educação que pretendam dar aos seus filhos”.

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