PEDRO PAULO CÂMARA |
Um arquipélago nunca será um conjunto de ilhas, rodeadas de mar revolto, isolado do resto do mundo, definhando na sua eventual pequenez. Nunca o será enquanto o povo que habitar cada pedaço de chão e cada recanto prosseguir a labuta de enriquecer cada palmo de terra e cada alma. Dias de Melo assinalou e celebrou este chão e este mar em muitos dos seus livros, incluindo em Pedras Negras, título que acabaria por contribuir indelevelmente para a denominação do encontro de autores que decorreu na ilha do Pico, Açores, inserido na programação do festival Azores Fringe, este mês de junho, e que contou já com a sua terceira edição.
Ao longo dos séculos, o Arquipélago dos Açores tem oferecido ao panorama regional, nacional e mundial prestigiados nomes em distintas áreas. No que diz respeito à cultura e, nomeadamente à literatura, foram e são, ainda, marcantes os contributos de Gaspar Frutuoso, Antero de Quental, Vitorino Nemésio, Roberto de Mesquita, Pedro da Silveira, Natália Correia e de outros tantos que estas linhas não comportariam. O momento presente oferece, também, cada vez mais autores e mais obras, em virtude da existência, não necessariamente de qualidade literária ou capacidade discursiva, mas de uma maior facilidade no acesso ao mercado de produção livresco e à proliferação de editoras, entre outros fatores. De facto, por estas ilhas escreve-se e publica-se. Talvez se publique demais! Talvez! E são já várias as vozes, com ou sem autoridade, com ou sem provas dadas, obra publicada, digamos, que se erguem contra esta moda desenfreada de publicar livros. Na verdade, o que é verdadeiramente inadmissível, não é quantidade de livros editados e autores, é, sim, a publicação de livros pejados de erros e incoerências, e não falamos apenas de uma vírgula teimosa que se intromete entre um sujeito e um predicado. Mas regressemos ao tema desta crónica e deixemos este assunto melindroso para um futuro talvez próximo.
Ocasionalmente, surgem eventos que assinalam a diferença e contribuem, não só para a sedimentação de sinergias, mas também para a criação de momentos de partilha desprovidos de qualquer interesse secundário. A dedicação à “Palavra” está em primeiro lugar. O Encontro Pedras Negras, no qual participaram cerca de vinte autores, oriundos de diversas ilhas do arquipélago, e também de fora deste, pautou a sua existência pela originalidade de eventos daí decorrentes, pela diversidade de atividades e, também, até, pela oportunidade de produção de textos que pudessem ser partilhados no decorrer do encontro ou que farão parte de outras iniciativas vindoiras, promovidas pela MiratecArts, associação responsável pelo festival.
O Museu do Vinho e a sua Mata dos Dragoeiros possibilitou, ao ar livre, um dos momentos mais enriquecedores e introspetivos do Pedras Negras, já que neste espaço se procedeu à “Escrita à Sombra do Dragoeiro”; o Cella Bar acolheu, pelas 24h00, os “Poemas Eróticos & Outras Letras da Meia Noite”; e até a Galeria Costa, na Candelária, por onde os autores, fotógrafos e curiosos se sentaram por entre a vinha e em muros de basalto, foi palco de tertúlias e debates. Sem elitismos; sem tabus; sem vaidades. Talvez pudessem existir outros encontros assim: quase nus e crus, mas que primam pela organização e pelo método. Talvez!
E, talvez em 2018, exista uma quarta edição do Encontro Pedras Negras, no Pico, ou numa outra qualquer ilha do arquipélago que possa ser fonte de inspiração para um futuro poema, um conto, ou um romance best-seller.
Por cá, continuar-se-á a escrever e a saber receber todos aqueles que quiserem debruçar o olhar sobre estes vulcões e estas ondas!
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