segunda-feira, 12 de junho de 2017

TRIBUTO À GENTE DA GUINÉ-BISSAU

JOANA BENZINHO
Saindo de Bissau, capital da Guiné-Bissau, as estradas alcatroadas são poucas e maioria delas, encontram-se em estado pouco recomendável para carros sensíveis. Foi numa destas que com o jipe cheio nos fizemos ao caminho num domingo soalheiro, para ir conhecer uma renovada unidade hoteleira que oferece tardes de música ao vivo junto de uma agradável piscina. No regresso, o carro rolava como sempre devagar numa tentativa de nos conseguirmos desviar de todos os buracos e buraquinhos que nos surgiam no caminho e foi num desses momentos que vimos chamas a sair do capot e parámos imediatamente o carro para tirar as 4 crianças que ali trazíamos, acompanhadas por três adultos. Entre colocá-las a salvo, procurar garrafas de água e o extintor no carro e tentar apagar as chamas passaram-se segundos que nos pareceram uma eternidade. Miraculosamente conseguimos extinguir o fogo antes que chegasse ao motor mas ainda assim consumiu os fios da bateria e deixou-a com um ar carbonizado e a pedir substituição. Passado o momento de pânico, chegou outro não menos dramático. A umas boas dezenas de quilómetros da capital, já a noite caía e o cenário não podia ser mais desolador. Um carro no meio do mato, sem bateria nem para ligar os 4 piscas, o breu a instalar-se e unicamente entrecortado pela luz dos nossos telemóveis, já com pouca bateria, uma aldeia ali ao lado sem nenhum mecânico ou solução para nos ajudar, 4 crianças a serem ameaçadas por mosquitagem e pequenos insectos afins e nós ali a aguardar um carro de apoio que vinha de Bissau para nos recuperar. Percebemos que o jipe teria que ali ficar pois sem luzes nem travões era impensável puxa-lo com cabos até à capital. Na aldeia propuseram-se logo a tomar conta dele durante a noite, dado que as janelas também não se conseguiam fechar. Já resignados e prontos para deixar o jipe à mercê da noite naquele mato desconhecido ao lado de uma Tabanca de que tão pouco sabíamos o nome, eis que vemos um mini autocarro parar e dois homens dirigem-se q nós perguntando o que se passava. Mostrados os destroços do incêndio da tubagem e da bateria, um deles vai resoluto ao mini autocarro e manda vir de lá um dos passageiros. Eram militares, percebemos então, que se deslocavam entre dois quartéis do país, e o senhor convocado, um mecânico que nos apareceu com uma bolsinha a tira colo. Com a respiração suspensa e com á pouca esperança, confesso, vi-o tirar umas ferramentas, uma faca com que cortou as borrachas farruscadas e as substituiu por uma fita isolante que trazia e andou para ali nuns malabarismos por uns largos minutos, acabando por pedir que ligássemos o carro. Nada... desânimo total. Nada que não estivéssemos já à espera. Voltou à dança de fios e fitas isolantes e entretanto pediu ao motorista do mini autocarro que fosse buscar a bateria da sua viatura e a trouxesse até nós. Siderados, vimos o carro de militares ser esventrado da sua mecânica e a bateria colocada no nosso jipe. Com um pequeno empurrão dado por mais uns homens saídos do autocarro, o impensável aconteceu. O nosso carro renasceu literalmente das cinzas que povoavam a zona da bateria e já a trabalhar lá se fez de novo a mudança de baterias. Os homens respiraram de alivio, tal como nós, por ver o assunto resolvido e, enquanto o mecânico me dava o contacto telefónico para qualquer emergência no percurso até Bissau, os outros rapidamente se despediram e voltaram para os seus lugares na viatura. Quisemos dar uma recompensa pela ajuda mas houve alguma resistência. Afinal tinham ajudado porque era dever deles, disseram (!). Mas nem pensar, argumentámos, tinham que receber a gratificação que mesmo assim nos pareceu quase nada perante o tanto que fizeram por nós.

E lá metemos a criançada no carro de apoio que entretanto chegou e seguimos para Bissau com o coração nas mãos e a fita cola preta a segurar uma bateria também ela isolada de uns ferros que causaram a faísca com uns cartões apanhados na aldeia. Refeitos do susto e a chegar a Bissau, percebemos a sorte que tivemos naquele domingo. Numa estrada com pouquíssimo trânsito durante a noite, onde nos dizem ser imperativo não circular depois do pôr do sol, nós não só tivemos a imediata de disponibilidade da população da aldeia para vigiar o carro que ali iria pernoitar como vimos parar uma viatura de onde nos sai um homem com tudo o que era necessário para arranjar o carro e nos permitir chegar com ele a Bissau. 

Pensei por momentos que coincidências e coisas boas destas só acontecem nos filmes e num mundo perfeito. Mas não é verdade. Coisas destas também acontecem na Guiné-Bissau. Pequenos milagres feitos com quase nada, mas com uma enorme bondade e sentido de solidariedade, por quem muito pouco tem.

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