REGINA SARDOEIRA |
Dia 1 de Maio, foi um dia estranho. Em primeiro lugar era domingo e também feriado - duas circunstâncias contraditórias, quando juntas, já que a primeira anula a segunda. Depois, o feriado devia-se ao facto de se comemorar o 1° de Maio, que é o Dia do Trabalhador. Ora, sendo domingo, a maior parte dos trabalhadores estão em uso do seu direito ao descanso, pelo que não sentirão o efeito do seu específico feriado (o qual, para quem sabe a história do 1° de Maio, corresponde a uma jornada de luta.)
Ao mesmo tempo, certas convenções, das quais pouco me importa a origem exacta, determinaram que o primeiro domingo de Maio fosse o Dia da Mãe (antigamente esta celebração ocorria a 8 de Dezembro, tinha por isso, um cariz religioso, já que esse é o dia da Imaculada Conceição e creio não estar longe da verdade quando julgo que a mudança de data pretendeu laicizar o dia de todas as mães.). Então, como o primeiro domingo de Maio caiu exactamente no dia 1, o Dia do Trabalhador juntou -se ao Dia da Mãe.
Bem sabemos que as mães são trabalhadoras pela simples razão de serem mães (e pelas outras todas) . Mas, celebrar o dia do trabalhador e o dia da mãe ao mesmo tempo, alegando que as mães são trabalhadoras e que, por isso, festejá -las é, no fundo, festejar o trabalhador que há nelas é um pouco estranho, dada a simbologia distinta de uma e da outra celebração.
Serve esta cogitação para ilustrar a grande fraude dos tempos que vivemos.
Se é domingo, não pode ser feriado; se é o Dia da Mãe, não deve ser ao mesmo tempo o Dia do Trabalhador. Por outro lado, estas circunstâncias talvez não tenham a mínima importância para o comum das pessoas, que nada sabem sobre o significado deste feriado, obliterado pelo domingo e pelo dia da mãe, e que, muito simplesmente, porque esteva um dia com odor estival, decidiram não festejar nada e ir...para a praia!
Por mim, considero os feriados muito importantes, muito mais importantes que os domingos, já que estes acontecem todas as semanas e os outros não. Julgo mesmo que deveriam ser adiados ou antecipados quando coincidem com esses dias que já têm a sua identidade própria.
Se, como foi o caso, coincidem duas celebrações, há que separá -las.
O Dia da Mãe é familiar e a festa é usualmente íntima. Os filhos homenageiam - os que disso se lembram - aquela que lhes deu o ser. O Dia do Trabalhador é colectivo, faz-se nas ruas, é luta e pode muito bem ser de protesto.
Há razões para destacar as mães uma vez por ano e dedicar-lhes um dia? Creio que sim, ainda que os que se ficam apenas por esse dia e compram a prenda para ficar bem no retrato, ignorando -a nos restantes 364 (que este ano são 365) não façam nada de mais. Então, se todos (ou quase todos) reconhecem a importância de prestar homenagem à mãe, porque haveria de juntar-se-lhe outra comemoração?
Há razões para celebrar o trabalhador e dar-lhe um dia para tal? Ainda que vivamos uma época de valores diluídos, em que certas frases e sentenças parecem fora de moda, julgo que, sendo nós todos (ou quase) trabalhadores podemos rever-nos na luta dos operários de Chicago, em 1889, pois devemos-lhes as condições laborais que hoje temos (e decerto poderíamos seguir-lhes o exemplo e lutar por vidas melhores.)
Tempos estranhos estes em que a identidade se vai perdendo - a dos dias especiais, marcados no calendário e a das pessoas que já desistiram de perceber quem são.
Tempos de memória confusa e de sentimentos perdidos, tempos em que, aqueles que pensam e que poderiam agir e melhorar o mundo se escondem e se calam porque sabem que ninguém os veria ou escutaria!
Quem me dera escutar alguma coisa que valesse a pena e me incentivasse à prática das acções que estão ainda por realizar!
Mas enquanto os feriados e as celebrações se confundirem numa amálgama indistinta, a ponto de não conseguirmos celebrar nenhuma condignamente, o novo tempo não terá ensejo de nascer (ou pode acontecer que nasça e ninguém tenha lucidez e ouvidos para lhe prestar atenção.)
Sem comentários:
Enviar um comentário