segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

MÚSICA E MÚSICOS DA GUINÉ-BISSAU

JOANA BENZINHO
Na Guiné a música acompanha tudo e todos desde o nascimento até à morte. Tudo é motivo para chamar as vozes e os instrumentos musicais, independentemente da etnia. O nascimento celebra-se ao som de música; o início da idade adulta (Fanado) implica naturalmente música; as colheitas iniciam-se e concluem-se com cerimónias musicadas; o pedido de casamento e a cerimónia em si, obrigatoriamente decorrem ao som da música; a morte, celebrada com o "Choro" no falecimento e o "Toca choro", quando a família se junta com os amigos a comer e a beber numa festa que ajuda os espíritos a subir ao mundo espiritual, também não poderia ser feita sem o ritmado bombolom.

Serve então para momentos de alegria, de fortuna, de tristeza, de celebração, de mistério e dos muitos ritos animistas.

Os instrumentos tradicionais - a Kora (uma harpa-alaúde de 21 cordas), a Tina (tambor de água composto por uma cabaça cortada a meio e tocada dentro de um recipiente com água) o balafon ( tipo xilofone) ou o bombolom (tambor longitudinal feito a partir de um tronco comprido com uma abertura fina que é percutida com baquetas) são constantes nas tabancas guineenses, em função das etnias e das suas tradições. Acompanham as vozes das mulheres na canção tradicional e são acompanhados muitas vezes por palmas e danças ritmadas e bem distintas conforme as origens étnicas e diversas regiões do país.

Mas além de instrumentos, a Guiné é rica em autores e cantores. Em Bissau abundam as "serenatas", festas de salão, uma espécie de matinés que se prolongam tarde e noite fora com cantores da melhor estirpe a interpretar temas de José Carlos Schwartz (poeta e músico guineense, autor de alguns dos maiores sucessos da música nacional) dos Super Mama Djombo, mornas de Cabo Verde e as suas próprias criações músicais.

Sempre que posso, faço a volta das capelinhas para os ouvir cantar. Todos os dias há um espaço com música ao vivo, todos os dias sabemos que esse espaço enche com jovens e menos jovens, amantes do melhor da música. Todos fazem coro com a alma toda colocada na voz a cantar letras claramente datadas, muitas delas de intervenção, de um tempo em que a música era uma arma contra o colonialismo e o único grito de liberdade que lhes podia sair da garganta. 

As letras falam da Apili que perdeu o seu homem combatente, da Ilha de Galinhas, ilha prisão colonial onde o autor José Carlos Schwartz esteve detido, 

do menino que chora cansado de ver sangue, das mulheres de pano preto, de esperança, de dor, de um fado muito próprio de um povo que ainda hoje cura feridas desse passado recente.

Encontramos também os cantores mais recentes e alguns com carreiras internacionais firmadas que, sem falsos vedetismos, vão cantar lado a lado com os menos conhecidos, onde a festa acontece. E esta acontece em vários locais.

Há na cidade um contentor, de que não sei o nome (acho que na verdade não tem) mas onde vou comer muitas vezes umas espetadinhas assadas no fogareiro, onde o Demba Baldé, com conservatório feito na Holanda, anima muitas das noites com a sua guitarra e voz inconfundíveis, dando palco a todos os que lá passam, e não são poucos. Já lá vi passar grande parte dos nomes mais conhecidos da Guiné-Bissau.

Ali perto, um supermercado, à noite vira bar com música ao vivo. Na caixa, onde durante o dia vamos comprar leite, podemos pagar à noite umas cristais bem geladinhas e comprar uns enlatados para picar enquanto ouvimos boa música instalados ao lado das colunas de som, na berma da estrada.

Continuando a rota musical, chegamos ao Djabaté, casa da famosa cabra sempre a sair da grelha, outro contentor rodeado de mesas e cadeiras, com um ecrã vistoso que passa novelas brasileiras até de madrugada, para delícia dos muitos que não têm luz ou tv em casa, e, claro, a música ao vivo que atrai diariamente muita gente até aqui pela madrugada fora. 

E depois há as festas de circunstância, o passa palavra que junta músicos e amantes da sua arte nos sítios menos prováveis, os djambés que se tocam noite fora numa qualquer festa improvisada.

A Guiné-Bissau alberga um lote de músicos de mão cheia que davam uma colectânea de indiscutível qualidade mundial. Nesta eu incluiria seguramente o José Carlos Schwartz, a Eneida Marta, o Zé Manel, o Demba Baldé, o Klim Mota, o Binham, o Micas Cabral, a Karina Gomes, o Miguelinho Simba, o Bidinte, o Atanásio Hatchuén, a Dulce Neves, a Iragrete Tavares, o Manecas Costa ou o Justino Delgado. Entre outros.

Enquanto não chega o disco até nós, ou a possibilidade de viajarem a até Bissau para os ouvirem ao vivo não se concretiza, convido-vos a darem uma espreitada a estes músicos no youtube. Acreditem que vale a pena.

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