sábado, 6 de janeiro de 2018

MAGIA E REIS

JORGE NUNO
Em 2009, fiz uma viagem memorável a Israel e, entre muitos locais bíblicos, estive em território ocupado pela Autoridade Palestiniana. Para um turista, de visita a este território, pode chocar ver os muros, as barreiras militares instaladas do lado israelita, com soldados fortemente armados e, particularmente, quando apercebe-se de que está a entrar no autocarro um palestiniano, de metralhadora e dedo no gatilho. Como homem de fé, confiante ou anestesiado pela emoção da viagem – que decorria, de forma extremamente agradável, sem quaisquer incidentes –, não valorizei aquele facto; afinal, tratava-se de um inspeção de rotina. Pouco depois, encontrava-me em Belém, a mítica cidade natal de Jesus.

Aí, absorto nos meus pensamentos, retrocedi cerca de dois mil anos. Imaginei as dificuldades vividas naquela época e confrontei-as com os conflitos que se mantêm, atualmente, numa Terra Santa permanentemente debaixo de tensão.

Imaginei os Reis Magos a chegar alguns dias depois do nascimento, em camelos, guiados por uma estrela. Imaginei que se esse acontecimento fosse na Europa, em plena Idade Média, esses três reis – só pelo facto de serem apelidados de “magos” –, provavelmente, nunca teriam chegado ao destino, pois seriam queimados vivos na fogueira, em nome de um deus qualquer. E o relato de magos já vem de períodos muito anteriores a este! Não deixa de ser interessante que a Bíblia[1] refira Moisés e os magos – a vara de Aarão – como se segue: “O senhor disse a Moisés e a Aarão: quando o faraó vos disser: Fazei um prodígio, dirás a Aarão: Pega na tua vara e lança-a diante do faraó e transformar-se-á numa serpente”. (…) Aarão lançou a sua vara à frente do rei e dos seus servidores, e ela transformou-se numa serpente. O faraó mandou, porém, chamar os sábios e os magos: e os magos do Egito fizeram o mesmo com os seus encantamentos”. E foi preciso mais magia… surgindo as conhecidas pragas – águas convertidas em sangue, rãs, mosquitos, moscas venenosas, peste nos animais, úlceras, granizo, gafanhotos, trevas – ou ainda, como se pode ler[2]: “O Senhor disse a Moisés: E tu, ergue a tua vara, estende a tua mão sobre o mar[3], divide-o para que os filhos de Israel possam atravessá-lo a pé enxuto. (…) Moisés estendeu a mão sobre o mar, e o Senhor fustigou o mar com um impetuoso vento do oriente, que soprou durante toda a noite. Secou o mar, e as águas dividiram-se”, conseguindo, finalmente, a libertação do povo hebreu e encaminhá-lo para a Terra prometida.

Imaginei que se fosse na época atual, algum regulador impediria os Reis Magos de fazer chegar aquelas ofertas ao Menino Jesus, devido ao ouro, incenso e mirra, eventualmente, ultrapassarem o valor legal das ofertas permitidas por lei. Também a Bíblia[4] refere a grandeza no reinado de Salomão, filho do rei David, em que a tentação pelo ouro era enorme: “O peso de ouro que anualmente era levado a Salomão era de seiscentos e seis talentos[5], sem contar com o tributo que recebia grandes e pequenos vendedores dos reis da Arábia e de todos os governadores do país (…) Toda a gente desejava ver a face de Salomão para ouvir a sabedoria que o Senhor lhe tinha dado. E todos lhe traziam presentes (…) ouro, vestes, aromas, cavalos (…)”. Apesar da evidência dos factos, há um provérbio[6] atribuído a Salomão, que diz: “Os tesouros mal adquiridos de nada servem, mas a justiça livra da morte”.

É tradição cristã encerrar as festividades de Natal e de Ano Novo, em cada dia 6 de janeiro, comemorando a visita e oferendas dos três Reis Magos ao Menino Jesus. Há uma passagem no Novo Testamento[7] que refere os Magos do Oriente: “Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo de Rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente. ‘Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?’ – perguntavam. ‘Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo’. Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes perturbou-se e toda a Jerusalém com ele. E, reunindo todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo, perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. Eles responderam: ‘Em Belém, da Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta’. (…) Então Herodes mandou chamar secretamente os magos e pediu-lhes informações exatas sobre a data em que a estrela lhes havia aparecido. E enviando-os a Belém, disse-lhes: ‘Ide e informai-vos cuidadosamente acerca do Menino, e, depois de O encontrardes, vinde comunicar-mo, para que eu também vá adorá-Lo’. (…) E a estrela que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o Menino, parou. Ao ver a estrela sentiram grande alegria, e entrando na casa viram o Menino com Maria, Sua mãe. Prostraram-se, adoraram-No e, abrindo os cofres, oferece-Lhe presentes: ouro [por Belchior (ou Melchior), que terá partido da Europa, sendo esta uma oferta habitual aos “deuses” e à realeza], incenso [por Gaspar, que terá partido da Ásia e o levou para proteger o Messias] e mirra [por Baltazar, de África, e era uma oferta comum aos profetas]. Avisados em sonho a não voltarem para junto de Herodes, [os Reis magos] regressaram à sua terra por outro caminho”.

Nos países hispânicos, é tradição a entrega de ofertas às crianças no dia 6 de janeiro, com idêntico simbolismo das oferendas dos Reis Magos, para alegria das crianças. Há magia em dar e receber, desinteressadamente. Há magia na troca, a qual faz circular [boa] energia. Não passa, forçosa e unicamente, pelo ouro, jóias e outros bens similares, mas por riquezas imateriais. É evidente a magia que paira no ar durante a época natalícia e no início de um novo ano. Não deixa de ser impressionante como as pessoas dizem naturalmente: “Tudo de bom para ti; que a vida te sorria; tem um excelente ano…”. Escreveu, Deepak Chopra: “ A simples ideia de dar, de abençoar, de oferecer uma simples oração, tem o poder de afetar a vida dos outros”. Bom ano para todos.

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[1] In Êx. 7
[2] In Êx. 14
[3] Mar Vermelho
[4] In 1 Rs. 10
[5] 1 talento corresponde da 34,2 kg.
[6] Provérbios, coleção salomónica: 10-22.
[7] Evangelho Segundo S. Mateus – Mt 2.

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