quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

FUTEBOL, SOCIEDADE E VIOLÊNCIA

ARTUR COIMBRA
Absolutamente lastimável o estado a que as coisas chegaram no reino lusíada do pontapé na bola, um reflexo da sociedade que temos e somos. Como é possível ter-se atingido o patamar de baixeza e de barbaridade a que quotidianamente assistimos, com agressões e ameaças a árbitros e permanentes declarações incendiárias de dirigentes desportivos?

O futebol deveria ser um espectáculo familiar, um espaço de alegria, de comunhão entre diferentes bandeiras e cores clubísticas, duas horas de divertimento, como quem assiste, com o maior prazer, a um concerto de música ou a uma peça de teatro. Enfim, uma festa, na acepção mais lídima da palavra. Não deveria ser mais que isso. Ou, melhor, menos que isso.

Como defende o académico António da Silva Costa, “o futebol não é uma guerra senão enquanto combate simbólico, não é tragédia senão enquanto representação dramática, não é morte senão enquanto celebração ritual”. É aqui que entra – que deveria entrar!... - o lado festivo, entusiástico, jubiloso do futebol.

Acontece que os bastidores do futebol revelam o pior que se pode esperar do fenómeno, que só é lindo (quando o é) dentro das quatro linhas: a constante guerra de palavras, as permanentes altercações e “alfinetadas” sobretudo envolvendo dirigentes e técnicos dos grandes clubes (os que arrastam multidões...), essa escória que dá pelo nome de directores de comunicação, que dão voz ao “terrorismo verbal” que alimenta alegremente a comunicação social, a agressividade gratuita, as continuadas coacções psicológicas sobre os árbitros, a quem não é dado o ambiente mínimo para um trabalho sereno e competente. Neste ambiente de guerrilha duradoura, a que a comunicação social também não é alheia, pela necessidade quotidiana da “cacha”, da “entrevista exclusiva”, da “declaração em primeira mão”, criam-se as condições propícias e bastantes para a explosão da violência nos recintos desportivos, para que a animalidade prevaleça nos comportamentos, para que a barbárie irrompa, transformando um estádio numa “selva” de todo abominável e de consequências imprevisíveis.

Quem contribui para esta deplorável desordem, seja de que emblema for, pequeno ou grande, desempenhe a função que desempenhar, transforma-se em irresponsável coveiro do futebol, defraudando as legítimas expectativas de milhões de desportistas.

Sabemos que os interesses intrínsecos ao futebol profissional são colossais e que os investimentos feitos em jogadores e treinadores exigem contrapartidas competitivas e resultados que nem sempre aparecem, para desapontamento de sócios e simpatizantes. O problema é que ninguém aceita desportivamente as derrotas, nem gere com humildade as vitórias.

Por outro lado, o futebol é também um reflexo da sociedade em que está inserido, da (in)cultura que a vertebra, do respeito ou da falta dele que por aí campeia. Da falta de princípios, de educação, de formação, de humanismo.

Obviamente, impõe-se que sejam tomadas medidas para combater o clima de ódio, de agressividade, de violência que miseravelmente se espalha por aí, pondo em causa o interesse e a magia desse fenómeno incomparavelmente sedutor e apaixonante que é o futebol.

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