segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

EM MEMÓRIA DAS VÍTIMAS DE BISSAUZINHO

JOANA BENZINHO
O ano começou da pior maneira na Guiné-Bissau, com um acidente rodoviário que roubou a vida a 18 pessoas e deixou feridos outros tantos. 

Mais um drama a juntar à dura sinistralidade rodoviária que vamos conhecendo nas notícias do país, resultado, entre outras coisas, do mau estado da frota automóvel, do maus estado das estradas e da falta de consciência de alguns condutores.

Quem anda pelas ruas de Bissau pode ver com frequência táxis sem espelhos retrovisores, alguns sem vidro dianteiro ou traseiro, eixos na iminência de se partirem com os carros a circular todos tortos, as rodas com aspeto de se poderem desprender a qualquer momento, e muitos deles conduzidos por jovens armados em verdadeiros “Fittipaldis” a contornar carros, pessoas e obstáculos como se estivessem numa corridinha de carrinhos de choque.

Nas restantes estradas do país, encontramos os toca-tocas (carros de transporte coletivo) que, a somar a estes problemas (que também os têm), levam muitas vezes excesso de passageiros dentro e excesso de carga no tejadilho. É habitual vê-los apinhados e com volumosas bagagens, mobílias, garrafões de vinho de palma ou de cajú, cabras ou vacas atados na grelha exterior, a serpentear pelas estradas numa velocidade pouco aconselhável e sem temor dos buracos que vão surgindo aqui e ali e que eles pisam sem medo, dando grandes saltos que vão destruindo a suspensão e as costas de quem ali viaja. Aparentemente tudo deveria funcionar bem. Existe uma brigada de trânsito que todos os dias anda nas ruas a mandar parar carros para controlo, existe a obrigatoriedade de pagamento de um fundo rodoviário por semestre, com um valor demasiado alto para o nível de vida do país, obrigatoriedade de seguro e a inspeção automóvel deve ser feita anualmente num centro de inspeções que analisa minuciosamente o estado do veiculo que ali vai procurar o selo que deve estar colado no vidro dianteiro. Mas a realidade é outra e foge muito das regras do papel.

As brigadas de trânsito, muito ciosas do cumprimento das regras quando apanham forasteiros (além dos documentos e da recente obrigatoriedade do cinto de segurança, vão procurar o extintor, o colete retrorrefletor, o triângulo ou confirmar se há água no depósito do “mija-mija”, como lhe chamam por ali), relevam muitas vezes qualquer falha nos carros de transporte desde que haja uma “festa” (gorjeta), pedida e dada sem pudor e às claras. 

O fundo rodoviário, caro para o nível de vida do país, não tem qualquer expressividade na qualidade de asfalto do país ou até das picadas. Em algumas regiões, os buracos são tantos que é necessário procurar com muita atenção para encontrar um pouco de alcatrão no meio deles. Já algumas picadas, não veem uma máquina que as alise há anos e o período das chuvas que anualmente irriga o país durante vários meses, vai escavando buracos cada vez mais profundos que vão tornando as vias de acesso cada vez mais intransitáveis.

Já no centro de inspeções, assisti uma vez a uma situação caricata, demonstrativa da falibilidade da política de segurança rodoviária existente no país. Um “toca toca” que estava no mesmo dia que eu na inspeção, fez todos os testes e o motorista estacionou no parque, mesmo ao meu lado, para ir pagar e levantar o selo, depois de avaliado o estado geral da viatura. Quando regressou, orgulhoso pelo livre-trânsito para mais um ano de estrada e de negócio, assobiou para um grupo de jovens que se encontrava perto e lá vieram eles, ligeirinhos, preparados para empurrar o “toca toca” que não pegava sozinho e necessitava de vários braços humanos para lhe dar o impulso que permitiria fazer-se à estrada.

É pois neste quadro que ouvimos falar frequentemente de acidentes de automóveis em Bissau e no resto do país, muitas deles causadores de vítimas mortais ou feridos graves, e onde nunca há um responsável ou uma consequência visível a nível de controlo ou politicas que ajude a combater e diminuir a sinistralidade. 

Impõem-se medidas urgentes de reforço da segurança rodoviária na Guiné-Bissau que protejam a vida dos seus cidadãos e não os submeta ao perigo diário de circularem em carros de transporte público sem segurança e em estradas sem condições. Num país onde a viatura privada é um bem raro, cabe ao estado zelar pelo bem comum garantindo aos guineenses que apanhar um transporte público não é um passe para a morte.

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