sábado, 20 de janeiro de 2018

A GRANDE CONFUSÃO NA CATALUNHA

RICARDO JORGE FREITAS
Vivo há 10 anos em Barcelona, irei tentar descrever o sentimento que existe na cidade, e uma perspectiva de um cidadão estrangeiro que, apesar de plenamente integrado na sociedade, não deixo de ter uma visão crítica sobre a economia e política que se vive actualmente na Catalunha.

A Catalunha está numa situação complicada? Sim, está! Sempre houve uma grande discussão entre a “Catalunha poderosa” e o resto de Espanha. Quando vim para Barcelona há uma década, o tema andava à volta do quão produtivos eram os catalães, do poderío industrial da Catalunha, e o porquê que a Catalunha ser melhor que o resto de Espanha. Auto intitulavam-se como a Dinamarca do Sul da Europa… Eram conversas de café na verdade, era um tema habitual com os locais que, orgulhosamente, sempre diziam que se não fosse a Catalunha, a Espanha era um país do terceiro mundo. Exagero? Claro que sim, mas isso faz parte das conversas de café, algo que os catalães adoram, conversar, tomando um café e ninguém gosta de dizer que a sua terra é inferior a outras. 

Hoje, a Catalunha vive um conflito político que parece não ter solução. Por mais eleições e sondagens que se façam, a conclusão é sempre a mesma: 50% dos catalães é independentista e os restantes 50% a favor da permanência em Espanha. Ninguém muda de opinião. 

Para perceber o sentimento que se vive na Catalunha, e isso é o propósito desta crónica, há que compreender o motivo que leva as pessoas a serem independentistas. E isso, infelizmente, nunca foi estudado pelo governo de Madrid. Porque motivo uma população quer ser independente? Pergunto eu… 

Vamos por partes, primeiro irei tentar explicar o porquê, depois irei descrever o sentimento que se vive. Só assim faz sentido.

Tenho falado imenso com catalães relativamente a este tema, muitas dessas pessoas são políticos em Barcelona, com responsabilidades políticas importantes. Todos são unánimes numa coisa: A Catalunha é o motor de Espanha mas não recebe o tratamento merecido por parte do Governo espanhol. Isto quer dizer, em parcas palavras, que o Produto Interno Bruto gerado pela Catalunha e enviado a “Madrid”, é muito superior ao dinheiro que depois é redistribuido. Ou seja, para quem não conhece o “modelo espanhol”, básicamente, ao fim de cada ano, todas as regiões enviam a sua riqueza a “Madrid” para juntar num “bolo nacional” e depois, o governo nacional redistribui a riqueza de forma proporcional à população de cada região, podendo haver majorações para as regiões menos favorecidas. 

Até aquí parece estar tudo claro e sem razão de queixas. O problema surgiu em 2008, quando a Espanha entrou numa grave crise económica. A Catalunha, o tal motor de Espanha, deixou de poder fazer face às despesas públicas e necessitava mais dinheiro. Nesse mesmo ano, foi também retirado o “Estatut Catalán” que havia sido negociado e acordado com o anterior presidente Zapatero que conferia à Catalunha, o estatuto de “Nação” dentro de Espanha. 

Em 2008, o novo governo de Mariano Rajoy, ao retirar o estatuto de “Nação”, nunca (até hoje) apresentou uma alternativa ao estatuto da Catalunha, deixando a região numa indefinição autonómica perante Madrid. Juntemos agora a grave crise económica de 2008 e temos uma região rica de mãos atadas para pagar as suas despesas apesar de esta mesma região gerar riqueza mais do que suficiente para pagar as suas contas. Mas tal não era possível fruto do modelo autonómico que determinava que as regiões mais ricas deviam ajudar as mais pobres. 

Gerou-se então uma situação caricata que, penso eu, levou a que nascesse o movimento independentista. A Catalunha viu-se obrigada a pedir dinheiro emprestado a Madrid, dinheiro esse que era gerado na mesma Catalunha. Ou seja, chegaram a uma conclusão que, afinal, de que servia o modelo autonómico se no fim tinham que pedir dinheiro emprestado que era deles e pagar juros? Assim nasceu o movimento independentista e a famosa frase “Espanya ens roba” (Espanha rouba-nos). 

Andamos nisto desde 2008, o problema da financiação autonómica nunca foi resolvido. Os movimentos independentistas nasceram, representam hoje 50% da população e o governo de Madrid continua igual, nunca houve uma resposta desde 2008 até hoje, o Silêncio impera e só actuam com tribunais a quem se mostrar contra o sistema. Os catalães, na verdade, não creio que queiram ser independentes, apenas não querem fazer parte de uma Espanha cujo modelo autonómico, neste momento, a prejudica seriamente.

O sentimento? O povo catalão é afável e pacífico. Basta recordar que nas centenas de manifestações que existiram até hoje, nunca houve um único disturbio. A excepção foi no dia do referendo em outubro passado, e essa foi causada pela policía nacional, não pelos cidadãos. 

Estou completamente tranquilo a viver em Barcelona, as pessoas não querem guerra nem distúrbios, apenas pedem que haja uma maior justiça económica e social perante uma região que é a mais rica de Espanha e que contribui para que o país seja mais rico. O resto é política e jornais, não creiam em tudo o que aparece nos media. Barcelona continua “poderosa” como diz a música rumba catalana (“Barcelona és poderosa”) e o povo apenas pede uma reforma do sistema, e se não for possível num caso extremo, criar um próprio sistema fora de Espanha.

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