terça-feira, 17 de maio de 2016

A HISTÓRIA DOS EUROPEUS DE FUTEBOL – INGLATERRA 1996

DR UEFA
CRÓNICA DE GONÇALO NOVAIS

Os quarenta e sete na rota de Inglaterra

Consumada a autonomização total das novas federações dos países anteriormente afectos à URSS, aos quais se consumaram as duas antigas constituintes da Checoslováquia (República Checa e Eslováquia) e outras estreantes absolutas em fases de qualificação (como a Croácia ou a Macedónia), chegou a 47 o número de nações que tentaria juntar-se a Inglaterra na 10ª edição do Campeonato da Europa de futebol.

A presença de um tão grande número de participantes obrigou à constituição de grupos de qualificação maiores, em alguns dos quais de seis equipas, mas também levou a decidir o aumento do número de equipas apuradas para a fase final de 16, situação que se manteria até 2012, e que não só permitiria aumentar a regularidade da participação de algumas boas equipas que ficavam sempre perto do primeiro lugar dos grupos mas que eram penalizadas por não o conseguirem (mesmo quando por vezes faziam boas campanhas), como também abriu a nações que dificilmente conseguiriam chegar a fases finais nos anteriores formatos, a possibilidade de agora aparecerem de forma menos difícil e de poderem valorizar e projectar alguns dos seus melhores jogadores nos grandes palcos.

Estando já apurada a anfitriã Inglaterra, foram constituídos oito grupos de qualificação (sete de 6 equipas e um de 5), nos quais eram apurados todos os primeiros classificados e os seis melhores segundos, sendo que os dois piores segundos jogariam entre si um «play-off» de apuramento a duas mãos, no qual o vencedor seguiria viagem até ao Europeu.

Começando pelo Grupo 1, Roménia e França fariam ambas uma boa campanha, apurando-se directamente, a larga distância de Eslováquia, Polónia, Israel e o fraquinho Azerbaijão. Os romenos aproveitariam os muitos empates dos gauleses para terminar na liderança do grupo, numa equipa onde se destacavam a magia de Hagi e Munteanu, e a capacidade finalizadora de Raducioiu e Lacatus. Nos gauleses a geração futura campeã mundial já se ia desenhando, com Djorkaeff a acabar como o melhor marcador francês da fase de qualificação, numa equipa em que já se fazia notar a magia e a criatividade de Zidane, e onde homens como Laurent Blanc, Desailly ou Deschamps eram importantes opções para Aimé Jacquet.

No Grupo 2, a campeã europeia Dinamarca, que ainda tinha em Schmeichel, Faxe Jensen, Kim Vilfort ou nos irmãos Laudrup referências de qualidade e jogadores importantes, carecia contudo de um conjunto de jogadores de maior margem de progressão capazes de manter o nível competitivo da equipa que surpreendeu quatro anos antes. Isso não impediu o apuramento directo dos dinamarqueses, que no entanto se ficaram pelo segundo posto, a cinco pontos da líder Espanha, caracterizada por um estilo de jogo muito bem trabalhado em termos de qualidade no passe e circulação de bola, e com excelente qualidade dos seus processos de jogo. O defesa-central do Real Madrid Hierro foi o melhor marcador de Espanha, numa equipa em que Miguel Nadal, Luis Enrique, José Luis Caminero, Amavisca, Julio Salinas ou o experiente Zubizarreta eram jogadores fundamentais na equipa.

Num Europeu que prometia ser de estreias, só o Grupo 3 qualificou duas. A Suíçaapresentava alguns dos seus jogadores com mais potencial com experiência no futebol alemão (Henchoz, Alain Sutter, Ciriaco Sforza ou Chapuisat), que teriam uma excelente oportunidade de se mostrar noutra grande monta, mas mais desconhecida era a Turquia, selecção muito regular exibicionalmente, com um ilustre desconhecido Hakan Sukur a despertar a atenção pelos oito golos marcados durante esta fase da época.

Com um estilo de futebol muito agradável de se ver, e com jogadores tecnicamente evoluídos a condizer, a estreante Croácia começa a sua história europeia com um primeiro lugar no Grupo 4, apresentando um Suker em enorme nível (marcou 12 golos em 10 partidas), com Slaven Bilic, Boban, Asanovic ou Boksic a apresentarem-se igualmente em grande estilo. Os croatas suplantariam a própria Itália onde Zola e Ravanelli foram as grandes figuras da esquadra italiana durante a fase de apuramento.

No Grupo 5 a República Checa começa da melhor maneira a sua participação nestas andanças de forma autónoma, com o jovem de 20 anos Patrik Berger em grande destaque, liderando o emergir de uma muito promissora e jovem geração de futebolistas checos, que também incluía Poborsky, Nedved ou o jovem defesa Suchoparek. A Holanda apurar-se-ia através do «play-off», com dois golos de Kluivert à República da Irlanda em campo neutro, mais concretamente em Anfield Road (Liverpool). As “estrelas” da selecção holandesa tinham entretanto mudado: só o Ajax emprestava à selecção jovens valiosíssimos como Edwin van der Sar, Reiziger, os irmãos de Boer (Frank e Ronald), Overmars e os ainda «teenagers» Seedorf e Kluivert, sem contar com o experiente Bergkamp, do alto dos seus 24 anos. Todos jogadores que iriam deixar uma grande marca em toda uma década, e em boa parte da década seguinte.

No Grupo 6, e uma vez eliminada posteriormente a República da Irlanda, coube aPortugal assinalar uma mais do que merecida qualificação à segunda fase final de um Europeu. Já plenamente recuperada da polémica de Saltillo, e começando a usufruir plenamente do enorme potencial da “Geração de Ouro” bicampeã mundial sub-20 em 1989 e 1991, a selecção nacional, com destaques como Figo, Rui Costa, Domingos Paciência, João Vieira Pinto, Vítor Baía, Paulo Sousa ou Fernando Couto, todos eles ainda bastante jovens, faz uma categórica fase de qualificação, talvez apenas “manchada” pela derrota na Irlanda, que não comprometeu sequer o primeiro lugar, num grupo que tinha ainda Irlanda do Norte, Áustria, Letónia e Liechenstein.

No Grupo 7 Alemanha e Bulgária superiorizaram-se confortavelmente à concorrência. Klinsmann, no auge da sua carreira, galvanizou um colectivo em que Matthaus ainda dava cartas, juntamente com os dois bons médios do Dortmund Andreas Moller e Matthias Sammer ou o atacante do Bayer Leverkusen Ulf Kirsten. Os búlgaros, com o sportinguista Yordanov como uma opção frequente do técnico Dimitar Penev, exibiu-se com uma das suas melhores equipas de sempre, muito forte no seu processo ofensivo, podendo juntar na mesma selecção homens como Balakov, Kostadinov ou Stoichkov, numa equipa bastante competitiva.

Finalmente no Grupo 8 não podia ter corrido melhor a estreia da Rússia, equipa de grande qualidade no seu processo ofensivo, com várias opções atacantes de qualidade (Kolyanov, Karpin, Beschastnykh, Kiriakov…), que lhe conferiram a liderança, à frente daEscócia, na fase final pela segunda vez consecutiva. Com um sector defensivo que se manteve muito forte ao longo da fase de apuramento, destacaram-se os goleadores de serviço John Collins (Celtic) e Scott Booth (Aberdeen), com quatro golos cada um durante o percurso escocês.

O regresso do futebol a casa: ocorrências da fase de grupos

O período entre os dias 8 e 30 de Junho de 1996 ficou marcado não apenas pela primeira vez que um Europeu se jogou na sua fase final com 16 equipas, como pelo grande entusiasmo e ambiente de grande festa existente ao longo de todo o torneio. Londres, Manchester, Liverpool, Newcastle, Leeds, Birmingham, Sheffield e Nottingham receberam, com algumas renovações nos seus estádios, uma prova muito boa de se acompanhar.

Na fase de grupos, a única diferença era a de que havia agora quatro grupos em vez de dois, passando à mesma os dois primeiros, desta feita para os quartos-de-final.

À partida para o Grupo A, pode-se dizer que os ingleses, que tanto temeram pelas possíveis ausências de homens como Alan Shearer ou Paul Gascoigne, apresentavam-se na sua máxima força, com uma selecção renovada e bem mais forte do que a antecessora de 1992. Mas essa maior competência não os impediu de apanhar um susto na jornada inaugural, não chegando o golo de Shearer para dar a vitória aos ingleses frente a uma Suíça que conseguiu ir neutralizando o perigo do ataque inglês, até acabar por empatar de penalty, por Turkyilmaz, aos 83’. Nem holandeses nem escoceses aproveitariam o empate dos seus adversários, e no Villa Park empatariam a zero, resultado particularmente penalizador para os holandeses, favoritos à vitória.

Na segunda jornada, contudo, holandeses e ingleses viriam a dar passos importantes rumo à fase seguinte. O filho de Johan Cruyff, Jordi, iria ultrapassar pela primeira vez a bem organizada defesa da Suíça, dando o mote para o golo da tranquilidade marcado perto do fim pelo já suspeito Bergkamp. Por sua vez, Shearer e Gascoigne fizeram jus ao seu estatuto importante dentro da equipa inglesa, apontando um golo cada um na vitória frente à Escócia.

Mas o melhor da Inglaterra estaria para vir, com a goleada imposta à Holanda (4-1), com Shearer e Teddy Sheringham em evidência, com dois golos cada um. Vulnerável e desfeita pela eficácia do opositor, a Holanda foi salva pelo golo de Kluivert, que garantiu a passagem aos «quartos» por melhor «goal-average» do que a Escócia, que seria eliminada apesar da vitória sobre a Suíça (1-0).

O Grupo B começou da melhor maneira para os franceses, que não só bateram a boa equipa romena (1-0) graças a um golo de Dugarry, e viram Espanha e Hungria empatarem a um no outro desafio. Tal conferiu alguma margem de erro aos franceses, que por pouco não iam ganhando à sua principal rival Espanha, com Djorkaeff a marcar outro golo. Caminero evitaria aos 86’ que a vida da Espanha ficasse mais complicada quanto às contas do apuramento, e o empate seria o resultado final. Na outra partida Stoichkov marcaria no arranque da partida um golo que deu ainda sérias esperanças de apuramento à boa equipa búlgara. O sonho búlgaro acabaria no entanto no St James Park (Newcastle), onde Blanc e Loko, com um autogolo de Penev, contribuíram para o adeus da Bulgária, não sem antes o goleador Stoichkov deixar a sua marca como autor do golo de honra. No outro jogo a Roménia quase ia estragando a festa espanhola, que só se concretizaria em caso de vitória. Só aos 84’ é que Guillermo Amor desataria o nó da igualdade, e colocava a Espanha nos «quartos» com vitória pela margem mínima (2-1).

No Grupo C a Alemanha começa por aproveitar a desinspiração dos checos para, com golos de Ziege e Moller na primeira parte, resolver um encontro que teve no entanto uma má notícia para os alemães, que foi a lesão do defesa-central Jurgen Kohler, baixa confirmada até ao fim da competição. À Itália valeu, na primeira jornada, a inspiração de Casiraghi para, com dois golos, ultrapassar a Rússia (2-1) e ficar assim em boa posição para se apurar. Os problemas dos italianos começaram na segunda ronda, com a derrota perante a talentosa selecção checa (1-2) em Liverpool, ao passo que Sammer e Klinsmann, este último com dois golos, despacharam a Rússia em Old Trafford. Na última jornada, o nulo entre Itália e Alemanha, e o empate a três entre checos e russos, valeu à selecção checa a passagem à fase seguinte, uma vez que, apesar de ter pior «goal-average», tinha vantagem no confronto directo com os italianos e mais golos marcados do que os transalpinos.

Chegados por fim ao Grupo D, onde estava a nossa selecção, a tarefa inicial era difícil, estreando-se com a campeã europeia Dinamarca em Sheffield. Podendo considerar-se favoritos à vitória, os dinamarqueses até estiveram a ganhar, com Brian Laudrup a bater Vítor Baía na primeira parte. O golo de Sá Pinto e o subsequente empate final foram o prelúdio de que talvez quatro anos depois da surpresa, um novo milagre podia não ocorrer para a equipa de Schmeichel e Michael Laudrup. Em Nottingham a excelente equipa croata conseguiu uma vitória algo magra frente à Turquia (1-0), porém com o guarda-redes Rustu a realizar uma exibição positiva. Foi Vlaovic quem deu os três pontos à equipa onde brilhava Suker.

Apesar de não muito inspirada, a nossa selecção lá venceria o segundo jogo contra os aguerridos turcos, mais uma vez com Rustu em bom plano. Foi preciso que o defesa-central Fernando Couto marcasse aos 66 minutos o golo solitário que, apesar de tudo, colocou Portugal bem posicionado para discutir a passagem aos «quartos», onde teria pela frente no derradeiro duelo a Croácia, já com Suker e Boban a fazer estragos nas defesas adversárias, arrasando a Dinamarca em Sheffield (3-0).

Os campeões europeus ainda tentaram corrigir na terceira jornada os resultados e exibições decepcionantes dos dois jogos anteriores. Na melhor exibição dos dinamarqueses na prova, o goleador da equipa Brian Laudrup e Allan Nielsen foram os obreiros do 3-0 com que a Dinamarca se despediu precocemente da prova. Até porque no outro jogo Portugal, numa brilhante exibição, “esmagou” a Croácia (3-0) com golos de Figo e João Vieira Pinto na primeira parte, e de Domingos Paciência nos minutos finais. De nada valeu a Miroslav Blazevic a tripla substituição operada ao intervalo, com as entradas de Suker, Boban e Asanovic, que começaram o jogo como suplentes. A Croácia perderia o jogo e a liderança do grupo, e teria de medir forças com a poderosa Alemanha.

As decisões finais na rota de Wembley

Os primeiros quartos-de-final da história das fases finais de Europeus não poderiam ter começado de forma mais emocionante.

No dia 22 de Junho, os primeiros dois jogos desta fase tiveram de ser resolvidos nos penalties, com a Inglaterra a afastar a Espanha, e a França a eliminar a poderosa e jovem Holanda.

No segundo dia desta fase a Croácia, que perdera a liderança do grupo na última jornada, não se mostrou suficientemente sólida no seu sector defensivo para resistir à eficaz selecção da Alemanha, que apesar de ter mostrado algumas dificuldades na construção de jogo ofensivo, foi eficaz quando necessário. Suker despede-se da competição com um bonito golo, em que tira do caminho com uma finta de excelente qualidade técnica o guarda-redes Andreas Kopke antes de finalizar. Klinsmann e Sammer marcaram no entanto os tentos que deram a vitória e passagem às meias-finais à Alemanha.

O desaire de Portugal frente aos checos foi acompanhado de um dos momentos mais bonitos da competição, com uma excelente iniciativa individual de Poborsky a ser coroada com um lindíssimo “chapéu”, sem qualquer hipótese para Vítor Baía. Era o fim de uma campanha que, não tendo sido nada negativa, acabou por “saber a pouco”, ficando-se com a impressão de que a qualidade do futebol praticado pelos portugueses podia tê-los levado mais longe.

As meias-finais foram ambas resolvidas a penalties. Aqui, uma eliminação injusta bateu à porta da selecção da casa, em que os comandados de Terry Venables tudo fizeram para dar uma alegria aos seus adeptos em pleno Wembley. Shearer inauguraria o marcador aos três minutos, mas a eficácia alemã mais uma vez fez-se sentir, e nas poucas vezes em que os germânicos incomodaram David Seaman, Stefan Kuntz empataria a partida. No desempate por grandes penalidades, foi o central do Aston Villa Gareth Southgate a ficar para a história como o homem que falhou o penalty que eliminaria os anfitriões da prova.

Em Manchester, no célebre Old Trafford, os checos mostraram mais uma vez aptidão, após a famosa conversão de Panenka, para se saírem bem nos penalties. Após 120 minutos sem golos, foi Miroslav Kadlec a marcar o penalty decisivo, após Reynald Pedros ter falhado a sua conversão.

A aptidão checa para grandes penalidades até se verificou na final, pois o golo inaugural da mesma foi marcado pelo checo Patrik Berger… de penalty. É então que um livre descaído sobre a direita do ataque germânico marcado pelo esquerdino Christian Ziege faz de Bierhoff o herói da final de Wembley, através de um cabeceamento que bate inapelavelmente Kouba. Já no prolongamento, a regra do “golo de ouro”, a eficácia finalizadora de Bierhoff e a abordagem infeliz de Kouba ao lance ditaram o fim da final aos 5 minutos da primeira parte do tempo adicional.

Festa da Alemanha unificada no Estádio de Wembley, coroando um evento recheado de bom futebol.

Nota: Este artigo foi realizado graças à informação facultada publicamente pela UEFA, no seu site oficial.

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