ANTONIETA DIAS |
Fatores externos ou
até mesmo a existência de uma lesão poderão condicionar um atleta de alta
competição a nível psicológico, com evidentes repercussões na performance e na
recuperação física. Neste sentido, a avaliação psicológica não deve ser
menosprezada. A invisibilidade dos fatores psicológicos (ou a dificuldade em
fazer uma medição dos mesmos) e a ausência de tabelas de referência são alguns
dos motivos que contribuem para a não valorização deste tipo de avaliação.
A reversão de um problema de índole
psicológica significa potenciar as capacidades do atleta?
Sem dúvida de que a
eliminação de um determinado problema dessa natureza se traduz numa potenciação
das capacidades do atleta. Posso relatar um caso, referente a uma atleta de
alta competição que praticava ténis e que, frequentemente, retrocedia em
ambiente competitivo. O fator que desencadeava este problema acabou por ser
posteriormente identificado e, desde então, mantém a sua atividade com a
performance que lhe é exigida. Muitas vezes, a avaliação psicológica é
menosprezada – e, a par disto, os fatores psicológicos nem sempre são visíveis
ou medidos e há uma total ausência de tabelas de referência.
Numa grande parte das situações, as perturbações são simples
(podendo ser de caráter afetivo, por exemplo), mas a verdade é que não são
devidamente tidas em consideração. Isto porque, por um lado, o atleta nem
sempre tem abertura suficiente para abordar o assunto com a equipa médica e,
por outro lado, os médicos não estão sensibilizados ou preparados para acolher
o problema e solucioná-lo.
Até que ponto é que a
intervenção psicológica influi na recuperação física?
Está documentado que uma lesão física (sobretudo quando esta
se traduz numa inatividade de, pelo menos, 4 semanas) origina uma série de
conflitos interiores no atleta. Intervindo adequadamente na resolução das
questões psicológicas, o atleta terá uma recuperação global mais rápida e
efetiva. Caso contrário, a recuperação física pode até estar solucionada – mas,
ainda assim, a recuperação psicológica encontra-se incompleta, o que acaba por
se repercutir na ocorrência de mais lesões (essencialmente devido a
perturbações da atenção e da execução).
É imperativo conquistar a confiança do atleta em relação ao
médico, pois só assim será possível expor o problema. Não por acaso, aliás,
surgem situações em que os atletas recorrem a outros especialistas que não os
da equipa médica do clube ou associação desportiva em que se encontram
inseridos. A minha experiência diz-me que, muitas vezes, há uma enorme
discrepância entre o registo de lesões existente e as lesões efetivamente
relatadas. Por aqui se comprova a importância do relacionamento interpares.
Envolver todos os
intervenientes
É importante fazer
uma intervenção de âmbito multidisciplinar?
Todos os intervenientes desportivos devem ser envolvidos:
treinadores, dirigentes, familiares… A contextualização da história do atleta
só pode ser feita de uma forma eficaz se houver este envolvimento
multidisciplinar. Até porque, nalgumas situações, é realmente necessário
intervir individualmente com alguns destes mediadores. Se um atleta for
confrontado com exigências (quer físicas, quer psicológicas) que estão muito
acima das suas capacidades e limitações, o único resultado alcançado será o
insucesso desportivo. Portanto, é preciso adaptar as técnicas e as práticas à
capacidade de resposta real do atleta; e, em caso de lesão, o tempo de
inatividade deve ser sempre respeitado.
Que outras atuações devem ser consideradas por
quem acompanha os atletas de alta competição?
Quem atua a esse nível deve ter a preocupação com a fase
pós-desportiva. Ou seja, fazer um planeamento atempado e adequado para que o
atleta seja reintegrado no mercado laboral após o final da sua carreira. Numa
grande parte das modalidades, o fim da carreira acontece numa altura em que o
atleta tem 30-40 anos. Se não houver um projeto de vida desenhado
antecipadamente, em paralelo com a prática desportiva, muito dificilmente o
atleta consegue encontrar uma atividade profissional que corresponda aos seus
interesses e expetativas. E, assim sendo, as consequências (até mesmo a nível
psicológico) poderão ser dramáticas…
Relativamente à prática de desporto amador, o
que importa mudar?
É preciso, desde
logo, encetar esforços para que a utilidade do exame médico-desportivo seja
devidamente reconhecida por todos. Neste contexto, estruturas como os ginásios,
por exemplo, não podem descartar-se das suas obrigações. Não basta os utentes
assinarem um termo de responsabilidade. Isso não substitui, de modo algum, um
exame médico-desportivo. É um procedimento obrigatório para quem pratica
atividade desportiva e que, inclusivamente, permite um melhor enquadramento do
tipo de exercício que o utente pode realizar, sem colocar em risco a sua saúde.
A orientação deve ser feita por um especialista de Medicina
Desportiva, que tem todas as capacidades para avaliar e prescrever o exercício
físico mais adequado a cada utente. O nosso papel passa, por isso, por ser mais
alargado, não se limitando ao acompanhamento dos atletas de alta competição.
Estamos vocacionados para ajudar qualquer atleta amador a iniciar a prática
desportiva, acompanhando-o também ao longo do tempo.
Acompanhar o atleta
no seu todo
Os atletas das modalidades radicais que podem envolver algum
risco, caso as normas de segurança não sejam cumpridas. Exigem muita preparação
técnica e, numa larga maioria dos casos, são praticadas por pessoas com
estabilidade, em termos profissionais, e encontram nestas atividades o escape
ideal à rotina diária. Tal como em qualquer outra modalidade, o parapente e a
escalada também requerem um acompanhamento específico – quer ao nível do
tratamento de lesões existentes (ruturas, fraturas, entorses…), quer ao nível
da sua prevenção (aquecimento e alongamento adequados ou utilização de calçado
e vestuário confortável e próprio, apenas para citar alguns exemplos).
Denota-se uma procura
crescente de atletas amadores na consulta?
De facto, nos últimos
tempos tenho testemunhado essa necessidade por parte de pessoas que pretendem
sentir-se mais ativas. De um modo geral, os desportistas amadores já vêm com o
intuito de fazerem uma avaliação médico-desportiva e, posteriormente, recorrem
também à consulta quando há uma lesão estabelecida.
Nalguns casos, há atletas que querem enveredar por uma
atividade ligada a um clube ou a uma associação desportiva e, sempre que
necessário, intervenho igualmente junto do treinador ou do preparador físico
para transmitir orientações específicas. Julgo, aliás, que só assim faz
sentido, na medida em que o especialista de Medicina Desportiva acompanha o
atleta no seu todo. Esta atuação poderá aplicar-se mesmo nas situações em que a
entidade desportiva em causa dispõe de uma estrutura médica própria.
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