MÓNICA AUGUSTO |
A emigração portuguesa para o Brasil foi uma constante ao
longo dos últimos séculos, mas a segunda metade do século XIX levantou novas
questões devido ao aumento da saída de portugueses em direção a terras de Vera
Cruz. As consequências deste aumento migratório foram, na época, alvo de vários
debates e polémicas de âmbito nacional, tendo também sido criada diversa
legislação acerca da questão. Foram várias as personalidades coevas, quer ao
nível literário, quer político, que se debruçaram sobre o tema da emigração
oitocentista para o Brasil, como Alexandre Herculano, Oliveira Martins, Ramalho
Ortigão, Rodrigues de Freitas, Basílio Teles, Bento Carqueja, etc.
A independência do Brasil foi a responsável pela alteração
da condição dos portugueses enquanto colonos, que os caraterizou nos séculos
anteriores, e a passagem para a condição de emigrantes. Foram várias as medidas
tomadas pelo governo português no sentido de travar esta sangria de mão-de-obra
para o lado de lá do Atlântico, ao longo do século XIX e início do século XX.
Ainda assim, as partidas não cessaram, até porque do outro lado foram tomadas
medidas em sentido contrário.
O século XIX registou um grande aumento demográfico e a
consequente dificuldade em absorver a população, apesar de algumas melhorias, o
país continuava empobrecido, a saturação demográfica nos campos e a pouca
indústria incapaz de absorver a mão-de-obra contribuíram para esta emigração,
sobretudo do Norte do país, das zonas de lento crescimento económico e
predominantemente rurais. Aqui, os principais fatores que concorrem para a
saída são: o aumento do preço das subsistências, os baixos salários auferidos
na agricultura e na indústria, a dificuldade de acesso à propriedade fundiária,
a fuga ao serviço militar, entre outros. Por
outro lado, também a imagem do El Dorado brasileiro, estimulada pelos
engajadores e pelos brasileiros de torna-viagem, a influência da rede de
parentes e conterrâneos no Brasil, a mesma língua e cultura. Mas como afirma
Miriam Halpern Pereira (Pereira:1981), nem
tudo correu pelo melhor, pois os casos de sucesso que serviam de exemplo
começam a afigurar-se cada vez menos, em particular devido à abolição da
escravatura (1888) e à demanda, por parte do governo brasileiro por mão-de-obra
que substituísse a escrava. Várias são as descrições sobre as más condições de
vida que os portugueses acabam por encontrar no Brasil, por exemplo por Maria
Antonieta Cruz (Cruz: 1987).
Vários estudos de cariz nacional, regional e local se
debruçaram nos últimos anos acerca da questão, procurando, entre outos aspetos,
traçar o perfil daqueles que deixam a terra natal em direção ao Brasil. Os
estudos locais são significativos, uma vez que a partir do particular podemos
alcançar o global e permitem um melhor conhecimento da realidade próxima.
Não sendo possível estudar com exatidão a emigração ilegal,
focamo-nos na “emigração legal”, através da análise dos dados obtidos pela
exploração da informação disponibilizada pelo Arquivo Distrital de Viseu,
nomeadamente os Livros de Registo de Passaporte entre 1856 e 1887, livros do
Governo Civil de Viseu, entidade responsável pela emissão de passaportes.
A título de exemplo, entre 1856 e 1887, no território que
atualmente constitui o concelho de Tarouca, encontramos 549 pedidos de
passaporte para o Brasil: entre
eles registam-se apenas 24 mulheres, ou 26 se adicionarmos 2 que constam do
passaporte do marido e irmão. Quanto às idades dos indivíduos do sexo
masculino, verificamos que a grande maioria se insere na faixa etária dos 25-29
anos, logo seguidos da faixa imediatamente anterior, dos 20-24 anos, trata-se,
portanto, à semelhança do que sucede a nível nacional, de uma mão-de-obra
jovem, com capacidade de trabalho. No que
respeita ao estado civil, os números apontam para um maior número de indivíduos
solteiros, contudo é também muito levado o número de indivíduos casados, isto
aliado à distribuição por sexos que se mostra essencialmente masculina,
leva-nos a duas questões: 1ª a debandada de homens em idade reprodutiva e
respetivo reflexo demográfico; 2ª à questão das mulheres casadas que permanecem
no solo pátrio, assumindo funções até então masculinas, como o papel
preponderante na educação dos filhos, na gestão do património familiar e do
próprio papel destas na sociedade, são sobretudo, como afirma Caroline
Brettel (Brettel:1991) Homens que Partem, Mulheres que Esperam.
Bibliografia:
Brettel, Caroline B. (1991): Homens que partem, mulheres que esperam: consequências da emigração
numa freguesia minhota. Lisboa: Dom Quixote.
Cruz, Maria Antonieta (1987): “Agruras dos emigrantes
portugueses no Brasil.” in Revista de
História, vol. 07. p. 7-134
Pereira, Miriam Halpern (1981): A Política portuguesa de Emigração (1850-1930). Lisboa: A Regra do
Jogo.
Serrão, Joel (1982): A
emigração portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte.
Fontes:
Arquivo Distrital de Viseu: Livros de Registo de Passaporte (1856 – 1887)
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