sábado, 25 de fevereiro de 2017

A EMIGRAÇÃO OITOCENTISTA PARA O BRASIL, A REALIDADE LOCAL

MÓNICA AUGUSTO
A emigração portuguesa para o Brasil foi uma constante ao longo dos últimos séculos, mas a segunda metade do século XIX levantou novas questões devido ao aumento da saída de portugueses em direção a terras de Vera Cruz. As consequências deste aumento migratório foram, na época, alvo de vários debates e polémicas de âmbito nacional, tendo também sido criada diversa legislação acerca da questão. Foram várias as personalidades coevas, quer ao nível literário, quer político, que se debruçaram sobre o tema da emigração oitocentista para o Brasil, como Alexandre Herculano, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Rodrigues de Freitas, Basílio Teles, Bento Carqueja, etc.

A independência do Brasil foi a responsável pela alteração da condição dos portugueses enquanto colonos, que os caraterizou nos séculos anteriores, e a passagem para a condição de emigrantes. Foram várias as medidas tomadas pelo governo português no sentido de travar esta sangria de mão-de-obra para o lado de lá do Atlântico, ao longo do século XIX e início do século XX. Ainda assim, as partidas não cessaram, até porque do outro lado foram tomadas medidas em sentido contrário.

O século XIX registou um grande aumento demográfico e a consequente dificuldade em absorver a população, apesar de algumas melhorias, o país continuava empobrecido, a saturação demográfica nos campos e a pouca indústria incapaz de absorver a mão-de-obra contribuíram para esta emigração, sobretudo do Norte do país, das zonas de lento crescimento económico e predominantemente rurais. Aqui, os principais fatores que concorrem para a saída são: o aumento do preço das subsistências, os baixos salários auferidos na agricultura e na indústria, a dificuldade de acesso à propriedade fundiária, a fuga ao serviço militar, entre outros. Por outro lado, também a imagem do El Dorado brasileiro, estimulada pelos engajadores e pelos brasileiros de torna-viagem, a influência da rede de parentes e conterrâneos no Brasil, a mesma língua e cultura. Mas como afirma Miriam Halpern Pereira (Pereira:1981), nem tudo correu pelo melhor, pois os casos de sucesso que serviam de exemplo começam a afigurar-se cada vez menos, em particular devido à abolição da escravatura (1888) e à demanda, por parte do governo brasileiro por mão-de-obra que substituísse a escrava. Várias são as descrições sobre as más condições de vida que os portugueses acabam por encontrar no Brasil, por exemplo por Maria Antonieta Cruz (Cruz: 1987).

Vários estudos de cariz nacional, regional e local se debruçaram nos últimos anos acerca da questão, procurando, entre outos aspetos, traçar o perfil daqueles que deixam a terra natal em direção ao Brasil. Os estudos locais são significativos, uma vez que a partir do particular podemos alcançar o global e permitem um melhor conhecimento da realidade próxima.
Não sendo possível estudar com exatidão a emigração ilegal, focamo-nos na “emigração legal”, através da análise dos dados obtidos pela exploração da informação disponibilizada pelo Arquivo Distrital de Viseu, nomeadamente os Livros de Registo de Passaporte entre 1856 e 1887, livros do Governo Civil de Viseu, entidade responsável pela emissão de passaportes.

A título de exemplo, entre 1856 e 1887, no território que atualmente constitui o concelho de Tarouca, encontramos 549 pedidos de passaporte para o Brasil: entre eles registam-se apenas 24 mulheres, ou 26 se adicionarmos 2 que constam do passaporte do marido e irmão. Quanto às idades dos indivíduos do sexo masculino, verificamos que a grande maioria se insere na faixa etária dos 25-29 anos, logo seguidos da faixa imediatamente anterior, dos 20-24 anos, trata-se, portanto, à semelhança do que sucede a nível nacional, de uma mão-de-obra jovem, com capacidade de trabalho. No que respeita ao estado civil, os números apontam para um maior número de indivíduos solteiros, contudo é também muito levado o número de indivíduos casados, isto aliado à distribuição por sexos que se mostra essencialmente masculina, leva-nos a duas questões: 1ª a debandada de homens em idade reprodutiva e respetivo reflexo demográfico; 2ª à questão das mulheres casadas que permanecem no solo pátrio, assumindo funções até então masculinas, como o papel preponderante na educação dos filhos, na gestão do património familiar e do próprio papel destas na sociedade, são sobretudo, como afirma Caroline Brettel (Brettel:1991) Homens que Partem, Mulheres que Esperam.


Bibliografia:
Brettel, Caroline B. (1991): Homens que partem, mulheres que esperam: consequências da emigração numa freguesia minhota. Lisboa: Dom Quixote.
Cruz, Maria Antonieta (1987): “Agruras dos emigrantes portugueses no Brasil.” in Revista de História, vol. 07.  p. 7-134
Pereira, Miriam Halpern (1981): A Política portuguesa de Emigração (1850-1930). Lisboa: A Regra do Jogo.
Serrão, Joel (1982): A emigração portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte.
Fontes:

Arquivo Distrital de Viseu: Livros de Registo de Passaporte (1856 – 1887)

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