terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O QUE PODE UM FILÓSOFO CONTRA TRUMP?

REGINA SARDOEIRA
Perante esta pergunta, que li agora mesmo no facebook, acompanhada de algumas respostas dadas por pessoas ligadas, academicamente, à filosofia, senti-me compelida a procurar eu mesma uma saída. 

Não creio que o problema Trump - ou seja, as razões que conduziram uma personagem daquelas a ser eleito presidente dos Estados Unidos da América - diga respeito unicamente à pessoa, cuja imagem e atitudes são diariamente ostentadas na comunicação social. O problema extravasa do indivíduo, cujas peculiaridades biográficas são, neste momento, assaz conhecidas, para reflectir o estado do mundo em que vivemos. 

Donald Trump é um estereótipo da sociedade do espectáculo em que vivemos há algumas décadas mas cuja força tem vindo a incrementar-se, fruto da revolução tecnológica em todas as suas vertentes, marca do mundo actual. Mais do que estereótipo, como afirmei, ele apresenta-se como uma caricatura; e, ao que tudo indica, orgulha-se da sua figura e do seu discurso histriónico, quando não despudorado e insolente. Porém, foi deste modo que ele se apresentou ao eleitorado e foi deste modo que, pelo voto, os americanos lhe outorgaram o direito a ser o seu presidente. Nessa ordem de ideias, Trump está onde deve estar, para ser quem é e fazer o que disse que faria. 

O que deve ocupar e talvez preocupar o pensamento dos filósofos não é a pessoa Trump, indivíduo singular com uma história de vida singular, mas a circunstância, ao redor de Trump e de todos nós, capaz de guindar aos mais altos postos, e em todas as dimensões da vida social, um qualquer. Só porque se mostra de uma certa maneira e arrebata os media em torno de si, seja lá pelo que for, só porque aparece nas redes sociais (que a televisão já perdeu muito do seu poder) e faz alarde dos seus actos, sejam eles quais forem, desde que arrebate grande número de fãs, o sujeito está lançado nas arenas da celebridade e, doravante e durante um certo tempo, pode dar cartas e tornar-se paradigma. 
O presidente da América está perfeitamente moldado (e a moldar os que o seguem) a este modelo de construção de ícones. E foi tão eficaz na sua estratégia manipuladora que conseguiu alcançar um dos cargos políticos de maior expressão no mundo contemporâneo. 

O caso é relevante porque a sua acção, sendo quem é e representando o que representa, afecta-nos a todos, enquanto membros da sociedade global. Mas de modo nenhum se trata de uma situação isolada, já que todos os dias, a toda a hora, o espectáculo vai sendo montado para formar e derrubar reputações. 

Quem é ainda capaz de suficiente autonomia intelectual para separar as águas e decidir, com justeza, o que é bom e digno de ocupar os lugares cimeiros e quem deve ser banido inexoravelmente da ribalta? Quem ousa gritar "O rei vai nu!" neste mundo feito de materiais evanescentes que todos fingem ser de grande consistência? 

Decididamente, hoje, os filósofos calam-se, porque a solução não passa pela lógica, pelo raciocínio, pela ética, pela axiologia ou pela metafísica. A resposta não pode ser dada com argumentos, porque a retórica negra, e todas as suas figuras, sobrepôs -se à luz do pensamento puro e a prática já não se alicerça em teorias de sólida robustez - tanto mais que hoje em dia nada mais é sólido. 

Vogamos todos no universo da efemeridade e nenhuma personagem, desse modo aclamada e erguida às alturas, poderá ter lugar na história - se é que ela própria, a história, não estará a enfrentar a sua própria agonia. Senão vejamos: quem são os heróis que perpetuarão o nosso tempo e darão, de nós, sinal à posteridade? Como será escrita, daqui por cem anos, a memória desta era? E mais: haverá ainda sobre o que escrever? 

Se queremos substância, seja filosófica, política, artística, literária e por ai adiante, temos que recuar algumas décadas ou mesmo séculos - porque aquilo que nasce hoje e prolifera é, maioritariamente, medíocre. E o acto medíocre não faz história. 

Fazer seja o que for contra Trump, sejamos filósofos ou não, é, antes de mais, fazer seja o que for contra nós próprios que, adormecidos numa espécie de bebedeira colectiva, vamos dando vivas a esmo, sem cuidar muito do valor disso a que damos vivas.

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