RAUL TOMÉ |
Ensinaram-me que a religião uniria os povos, que através dela aprenderiamos a perdoar e a amar o próximo. Que o homem que se entregasse a Deus e à oração estaria mais perto da perfeição e do paraíso.
Mas a religião cria distâncias intermináveis entre as pessoas. Atentados à bomba, decapitações, jovens dizimados em escolas, violações, são a realidade com que nos deparamos todos os dias e impera o ódio por todos aqueles que discordem da crença que cada um tem enraizada nas massas desvitalizadas onde antes existiam o cérebro e coração.
E, na escuridão dos dias divinos, percebi que a religião mata.
Ensinaram-me que a salvação do mundo se baseava no amor e que ele seria a resposta a todas as nossas tormentas. Que o amor era a força vital que salvaria toda a humanidade.
Mas depois chegam as desconfianças, o ciúme, a traição, as histórias mal resolvidas, a incapacidade de aceitar o abandono. E, no coração onde antes repousava o amor, acorda o ódio purulento e devastador que transforma em pesadelo, os sonhos de outrora, diabolizando, hoje, aqueles que mais amámos ontem.
E, nas antigas cartas de amor perfumadas, percebi que o amor mata.
Ensinaram-me que deveríamos ter ambição. Que o dinheiro não traria felicidade, mas que ajudaria. Que com ele poderíamos viajar, comprar conforto, saúde, lazer e prazer.
E acabamos por empregar esforço e tempo na esperança de alcançarmos a quantia que nos permita viver sossegadamente. E dissimuladamente, aparecem a ganância, a ambição desmesurada, a exploração do outro, a desumanização. Concomitantemente, chegam os esquemas, os negócios ilícitos, a corrupção e o desespero. E, quando se perde o que um dia se teve, torna-se impraticável viver na vergonha que uma vida modesta pode provocar a quem já tudo teve.
E, por entre brilho das parcas moedas que trago no bolso, percebi que o dinheiro mata.
Ensinaram-me que a família seria sempre o nosso porto de abrigo. Que com ela que poderíamos contar, em todos os momentos, quando a vida exultasse a nossa existência ou quando os mares tempestuosos nos virassem o barco. Que ela seria o bote de salvação que não encontraríamos em mais ninguém.
Mas criam-se oceanos de mal-entendidos, discutem-se as heranças impossíveis de partilhar, os terrenos e os imóveis que não se podem dividir irmãmente e tudo porque uns assumem ter mais direitos do que os outros. Da discórdia nasce a vingança e da vingança nasce um rancor que se torna eterno.
E, por entre partilhas e ninharias, percebi que a família mata.
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