sábado, 17 de fevereiro de 2018

INTELIGIBILIDADE… OU NÃO!

JORGE NUNO
Isaac Newton[1] terá dito: “Se eu vi mais além que os outros, é porque me pus em pé em cima dos ombros de um gigante”. Esta frase, por si só, pressupõe que a pessoa [que a proferiu] seria alguém com uma grande dose de humildade e a denotar muito altruísmo, como se tratasse de uma forma generosa de reconhecer os importantes contributos e, assim, homenagear os que o precederam. Na verdade, Newton foi um grande vulto nas ciências, considerado mesmo o pai da ciência moderna, tendo deixado um importante legado nos âmbitos da física e matemática, mas também nas áreas da astronomia, alquimia, filosofia, mecânica, química e teologia. Mas sobre essa frase, Clifford M. Will[2] terá afirmado que Newton estaria a insultar um seu rival, de nome Robert Hooke[3], que era corcunda, deixando no ar a ideia que é preciso ter cuidado quando se tira alguma conclusão do que as pessoas dizem”.

Winston Churchill[4], após ter sido nomeado primeiro-ministro do Reino Unido, em 10 de maio de 1940 – que coincidiu com a data em que Adolf Hitler ordenou a ofensiva do exército alemão na Bélgica e Holanda –, revelou ter sido importante uma mobilização do povo britânico com base em discursos elaborados com todo o cuidado nos seus conteúdos. Tal, ajudou não só à referida mobilização, mas também contribuiu para assegurar uma difícil vitória, bem patente na frase que se eternizou – “Sangue, suor e lágrimas”. Deixou escrito na sua autobiografia “My Early Life”: “Quanto mais forte for a nossa imaginação, mais variegado é o nosso universo. Quando se deixa de sonhar, o universo deixa de existir”.

O conceito de inteligibilidade, que deu título a este texto, pretende referir: “qualidade de inteligível, do que se pode entender, compreender, depreender; condição do que pode entendido pela inteligência; característica do que é evidente, claro”. Se no primeiro parágrafo, a frase pode ter sido proferida por Newton com um significado bem diferente daquele que lhe atribuímos, podemos sentirmo-nos constrangidos por termos sido enganados pela nossa perceção e, também, pelo facto de cair por terra o caráter deste vulto da ciência ao gozar com a deficiência física de um parceiro do mesmo ramo; em boa verdade, deverá haver algum cuidado quando se tira alguma conclusão do que se ouve dizer. Quando se trata de um político, então “fica-se logo com o pé atrás”! No caso de Churchill, é evidente que estávamos perante um conservador, mas numa época em que o conceito de estadista era um privilégio vivido por muito poucos, a exigir um enorme rigor; medir bem o alcance das palavras proferidas e fazer-se entender q. b. para mobilizar uma nação a viver momentos difíceis, é coisa rara, mesmo com exagero linguístico, de difícil interpretação, quanto ao universo acabar quando se deixa de sonhar.

Salvaguardando as devidas distâncias com os dois casos citados, surgiu no ecrã da TV a frase: “Querem matar-me e os sportinguistas são responsáveis”, tendo como fundo uma imagem de Bruno de Carvalho no auditório Artur Agostinho, em Alvalade. Certamente, eu teria mais com que me preocupar, mas a frase ficou insistentemente na minha cabeça, a ponto de querer ver o conteúdo completo e em que condições e ambiente foi dita, para fazer a minha “leitura” e poder tirar as minhas conclusões. Depreendia-se, de imediato, que a frase seria do polémico presidente do Sporting Clube de Portugal. Vim a saber que se tratava de uma “sessão de esclarecimento” para jornalistas e outros convidados “sportingados”. A dado passo, pode ouvir-se: “No dia em que sair do Sporting, saio. Não sou politiqueiro, não preciso de aclamações. Sou muito altruísta, mas no mínimo tenho de sentir gratidão. A partir do momento que não sentir, não venho outra vez, porque afinal significa que não tenho a mais-valia para o Sporting que julgava que tinha. Vou dizer uma frase que disse numa Assembleia Geral. Com os sportinguistas atrás, farei tudo, levarei o Sporting ao céu. Não tenho dúvidas. Sem os sportinguistas atrás, matam-me. Neste momento estão quase a matar-me e a culpa sinceramente está a ser dos sportinguistas, porque eu preciso de militância e disse que não ia passar um segundo mandato igual ao primeiro. Efetivamente militância continua a ser pouca”. A frase simplificada que surgiu no ecrã confunde e arrasa o protagonista. Depois de se saber o contexto, até se pode compreender a intenção com que as coisas são ditas, não por ter pedido as alterações estatutárias propostas com o mínimo de 75% dos votos dos associados (que é a percentagem necessária), mas para forçar a militância que faça atingir os cerca de 86% (percentagem com que foi eleito) e que é exigido por si, como mínimo, para aprovação da continuidade do mandato dos órgãos sociais.

Winston Churchill foi muito contestado, a ponto dos conservadores perderem as eleições em 1945. Mas durante o período crítico da guerra soube afirmar-se e conduzir estrategicamente uma nação, com envolvimento da população, que durante aquele período sofreu muito os efeitos nefastos de uma guerra que não desejava.

Enquanto no universo sportinguista, com muitos sonhadores a visualizar o título de campeão nacional de futebol masculino, que esperam desde 2000, o presidente da direção está longe de saber adequar o seu discurso aos vários públicos e tem estado a abrir várias frentes de guerra, que acaba por prejudicar a estabilidade necessária a um clube vencedor. Talvez se compreenda agora a frase: se os sportinguistas deixarem de sonhar, o universo sportinguista deixa de existir.


[1] Britânico, viveu entre 1643 e 1727.
[2] Canadiano (n. 1946), físico e matemático, professor de física na Universidade de St. Louis, Missouri, E.U.A.
[3] Britânico, viveu entre 1635 e 1703, tendo-se revelado um grande cientista experimental, além de dar contributos nos âmbitos da geologia, química, arquitetura, matemática, filosofia, meteorologia e astronomia.
[4] Estadista britânico, viveu entre 1874 e 1965.

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