quarta-feira, 6 de julho de 2016

PROTEÇÃO SOLAR NA MEDIDA CERTA

VERA PINTO
“Está oficialmente aberta a época balnear!”, “Que calor!”, “Finalmente, chegou o bom tempo!” São alguns dos comentários de ordem que preenchem os murais das redes sociais, que despoletam mais uma típica conversa de café ao final da tarde, que marca presença obrigatória no desabafo esquizofrénico de um amigo com que nos cruzamos e, como não pode fugir à regra, ao balcão da farmácia.

Chegou a época do ano que convida a estar mais tempo fora de casa e por consequência, mais tempo de exposição ao sol. O sol desempenha um papel muito importante nas nossas vidas. Exerce uma acção fundamental na síntese de vitamina D (essencial para fortalecer a estrutura óssea e prevenir o raquitismo), permite controlar algumas doenças de pele como a psoríase, influencia a nossa aparência física e o bem-estar psicológico. Contudo, uma exposição excessiva aos raios UV pode causar muitos danos na pele. Esses danos podem manifestar-se a curto prazo, como eritema ou queimadura solar, tipicamente chamado de escaldão e a longo prazo (imunossupressão, fotoenvelhecimento e cancro cutâneo). A radiação ultravioleta (UV) culpada dessas agressões é constituída por raios invisíveis de dois tipos UVA, que penetram mais profundamente na pele e UVB, mais superficiais e mais perigosos. A pele apresenta um mecanismo natural de protecção contra a radiação solar. O bronzeamento da pele não é mais do que uma reacção cutânea à agressão dos raios que a atravessam, fazendo-a produzir melanina (substância que dá cor à pele). Todavia, esta protecção inata não é suficiente e, perante o risco é fundamental que a pele esteja preparada para receber o sol. Os grandes aliados da pele nesta batalha chamam-se protectores solares ou filtros solares. Estes conseguem protege-la a curto prazo de queimaduras e alergias e a longo prazo do envelhecimento e cancro da pele.

O primeiro protector solar foi formulado por Benjamin Greene durante a segunda Guerra Mundial para defender os soldados dos raios solares. Consistia numa base de petróleo de cor vermelha e viscosa que ao longo dos tempos tem sido aprimorada pela indústria farmacêutica. A oferta é tão diversificada que na hora de escolher um protector solar as dúvidas são inevitáveis. Neste campo, nós farmacêuticos pela proximidade com a população somos os profissionais de saúde mais bombardeados com estas incertezas. Arrepio-me só de pensar que ainda existem pessoas que compram um protector baseado na beleza da cartonagem! O aconselhamento de um protector solar não é algo que deve ser desprezado, uma vez que está em causa a saúde do maior órgão do corpo humano, a pele. As características dos protectores solares, as particularidades de cada individuo, bem como os factores ambientais são os parâmetros que precisamos ter em linha de conta ao optar por determinado protector solar.

Os protectores solares dividem-se em químicos, físicos e compostos antioxidantes (fotoprotectores biológicos). Os filtros químicos ou orgânicos actuam absorvendo os raios UV, filtrando sobretudo os UVB e, ocasionalmente uma certa quantidade de UVA. São mais utilizados por pessoas com peles mais resistentes. Os écrans físicos, inorgânicos ou de barreira reflectem e dispersam a radiação incidente. Têm cor e formam uma pelicula espessa na superfície da pele. Por isso, não são muito bem aceites cosmeticamente, mas têm menor sensibilização, sendo muito indicados para elevar a protecção solar (lábios, sinais, cicatrizes), para crianças e pessoas com peles intolerantes e sensíveis. Todos os protectores solares têm um Índice de Protecção Solar (IPS) ou SPF (Sun Protection factor, na sigla inglesa) associado. O SPF é um método de referência, utilizado por todos os laboratórios europeus e traduz uma medida da eficácia de um protector solar. Corresponde à relação entre a quantidade de radiação UV que causa reacção eritematosa (MED minimal erythema dose) usando o protector solar pela quantidade de radiação UV que resulta no mesmo eritema sem o protector solar. Quanto mais alto o valor do FPS, maior a protecção que o filtro oferece contra os raios UVB (causa queimadura solar). Na prática, o SPF ajuda-nos a calcular o que vai acontecer à pele quando esta exposta ao sol sem protecção e o que é que o filtro protege, reduzindo as hipóteses de queimadura (é a tal protecção baixa, média, elevada e muito elevada). Apesar desta definição já se encontrar largamente disseminada, ela continua a ser muitas vezes sujeita a más interpretações: algumas pessoas pensam que comprando qualquer coisa acima de SPF 30 estarão automaticamente prevenidos contra queimaduras não importando o tempo de exposição solar; um índice SPF 10 não significa que o tempo de exposição solar pode ser 10 x superior mas sim que a dose de UV necessária para causar eritema tem de ser 10 vezes superior do que aquele na pele não protegida; nenhum protector solar confere 100% de protecção contra a radiação UV; O SPF indica a protecção contra o eritema e não contra os restantes efeitos dos UV. A fórmula farmacêutica (creme, pomada, leite ou emulsão) deve ser ajustada ao local de aplicação (rosto ou corpo), ao estado de pele (normal, mista, oleosa, desidratada) e ao gosto de cada pessoa. Gozar da aplicação de um protector solar é uma grande garantia de utilização do mesmo.

O perfil fisiopatológico e fármaco-terapêutico de cada um, levando em linha de conta a idade, uma eventual fotossensibilidade a medicamentos, a gravidez, a presença de sinais, as alergias, o fototipo entre outras, redireccionam a escolha do protector solar. O fototipo corresponde ao comportamento da pele face à radiação solar. Dependendo do fototipo a pele reage de diferentes formas, segundo o bronzeado e a sensibilidade ao eritema, exigindo níveis de proteção distintos, suportando tempos diferentes de exposição solar e possuindo maior ou menor risco de desenvolvimento de cancro cutâneo.

Não nos podemos esquecer, como é óbvio, das condições de exposição solar: local e duração de exposição. O índice UV proporciona informação sobre a intensidade da radiação num local específico. Depende da hora do dia, da longitude e latitude, da época do ano, dos níveis de ozono e da presença de nuvens. A reflecção da areia e da neve também afectam o índice UV.

Já me estou a alongar um bocadinho, mas a minha bainha profissional não me deixa terminar, sem explicar a correcta utilização do protector solar. Um mau uso de um bom protector solar resulta numa perda da eficácia do mesmo e a promoção da adesão à terapêutica também é da minha responsabilidade. A protecção solar deve ser prática diária sempre que haja actividade ao ar livre. Deve ser aplicado 15 -30 minutos antes da exposição, sobre a pele seca, ser renovado a cada 2 horas e após banho ou transpiração. Não esquecer de cobrir generosamente as áreas expostas (2mg de protector solar/cm2 de pele) e insistir nas áreas mais sensíveis: face, orelhas, mãos e braços. Se usar maquilhagem aplicar primeiro o protector e dar preferência a cosméticos com protecção. A protecção deve manter-se mesmo em dias nublados e deve ser reforçada na proximidade da água ou da areia porque ao reflectirem os raios UV aumentam a sua incidência sobre a pele.

A acção do protector solar deve ser complementada com outros cuidados. A melhor maneira de proteger contra os efeitos nocivos dos raios UV consiste em evitar a exposição solar, especialmente durante as horas em que a intensidade da radiação UV é máxima (11-16h). Se a exposição ao sol durante estas horas é inevitável, deve ser utilizado vestuário adequado: chapéu, óculos escuros e camisola.

O sol não é nenhum “bicho papão”. Como elemento da natureza deve ser devidamente respeitado. Actualmente, vivemos numa sociedade de radicalismos, do “ou é ou não é”, do “ou é preto ou é branco” e esquecemo-nos das várias tonalidades de cinzentos. A ânsia por um corpo dourado que faz jus aos padrões de beleza ocidentais levaram a exageros na exposição solar e está claro que o preço a pagar por um bronzeamento descuidado são problemas de pele. Contudo, também se verifica uma maior consciencialização dos riscos de uma exposição excessiva e, com isso muita gente correu para o extremo oposto – ou seja o sol passou a ser encarado como o grande inimigo. Algumas pessoas trocaram o modismo da exposição exagerada ao sol pelo modismo de viver na sombra. Como não podia deixar de ser estas atitudes extremistas desencadeiam respostas orgânicas e, concretamente a falta de vitamina D, apontada pelos recentes estudos, parece ser uma delas. O sol quando nasce é para todos, mas a vaidade é o espelho dos tolos. Quero com estes típicos provérbios populares portugueses realçar que as consequências da radiação solar são da nossa responsabilidade. A exposição solar consciente e moderada não faz mal, muito pelo contrário. 

É possível conciliar os efeitos positivos e negativos do sol, optando por uma protecção solar na medida certa.

Sem comentários:

Enviar um comentário