RUI SANTOS |
Uma das consequências do resultado da votação no referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) foi a demissão de David Cameron do cargo de primeiro-ministro inglês. Em virtude da legislação não obrigar a eleições antecipadas, teve início a escolha do seu sucessor dentro do Partido Conservador. A preferência dos conservadores recaiu em Theresa May, 59 anos, filha de um vigário da Igreja Anglicana, ministra do Interior desde 2010, e de quem o mundo pouco sabe acerca do que pensa dos muitos dos temas que estão em cima da mesa no seu país. Apesar disso, pode dizer-se que ao invés de outros conservadores, May não receia a intervenção estatal em temas económicos ou sociais.
Na corrida interna no seu partido para a liderança, May beneficiou da desistência de Andrea Leadsom – fortemente criticada quando referiu ser melhor candidata a líder dos conservadores e de governo, por ser mãe, ao contrário de May.
A liderar os destinos de Inglaterra desde o dia 13 de Julho, May vê-se não só como a líder capaz de voltar a unir o seu país, e o Reino Unido – fragmentados depois da campanha do Brexit –, mas também como uma negociadora implacável nas conversações para o Brexit (apesar de ter sido apoiante da permanência). Avessa a surpresas, defensora da planificação como elemento importante na obtenção de sucesso, May vai ter de se preparar para lidar com imprevistos como os recentemente ocorridos em Nice ou em Istambul.
O Reino Unido está dividido geograficamente, geracionalmente, demograficamente entre as suas partes constituintes em virtude do referendo à permanência na União Europeia. Além disso, May herdou um governo com uma maioria frágil na Câmara dos Comuns e sem a legitimidade que um acto eleitoral confere. No entanto, ela não se sente pressionada pela oposição. O UKIP está actualmente sem liderança e o Partido Trabalhista encontra-se dividido com a liderança de Corbyn a ser contestada internamente. Neste contexto, May poderá ver a sua legitimidade questionada se necessitar de implementar medidas ausentes do programa eleitoral conservador sufragado nas últimas eleições, ou durante as negociações para o Brexit.
O executivo de Theresa May é composto por 25 ministros (seis não transitaram do anterior governo), 8 dos quais são mulheres. O corte com o passado foi feito de modo cirúrgico. O toque pessoal de May na composição do governo foi a substituição de George Osborne, como chanceler, por Philip Hammond. Afastou igualmente Michael Gove e Nicky Morgan e promoveu defensores do Brexit como David Davis, Liam Fox e Boris Johnson. Isto causou alguma agitação no seio dos conservadores pois acreditavam que a sua nomeação marcaria uma continuidade das políticas de Cameron. Durante 11 anos, a aliança Cameron-Osborne tinha sido o centro de toda a autoridade no Partido Conservador e ao longo de seis anos todo o poder da Inglaterra teve origem no eixo Cameron-Osborne.
O seu discurso de 13 de Julho, em Downing Street, foi sob o mote da «união». Não só a de Inglaterra e do Reino Unido, mas também a da população. May falou nas dificuldades sentidas pelos pobres, nas adversidades que têm que enfrentar na vida em contraste com as oportunidades obtidas pelos mais afortunados economicamente ou socialmente. Foi um discurso onde prometeu dar atenção às famílias da «classe trabalhadora comum». Referiu-se, igualmente, ao desfasamento social entre quem frequenta escolas públicas e escolas privadas e foi particularmente incisiva sobre «os poucos privilegiados» da sociedade inglesa. Mas nada de substantivo sobre a crise em que o Reino Unido se encontra depois da votação para deixar a União Europeia foi dito. Nenhum indício de como ela acha que as negociações do Brexit devem ser realizadas.
Se o seu discurso agradou a alguns sectores da «esquerda» conservadora, as suas nomeações para o governo satisfizeram a ala «direita», nomeadamente com as escolhas de Boris Johnson, David Davids e Liam Fox para chefiarem, respectivamente, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o novo Ministério para o Brexit e o Ministério do Comércio Internacional. Embora tenha sido criado o Ministério para o Brexit, o papel de May será determinante em todo o processo, pois muitas das negociações decorrem entre os chefes-de-estado. Com estas nomeações foram afastados possíveis adversários numa disputa eleitoral interna, pois passaram a estar vinculados ao seu governo, às suas políticas. May fez o mesmo com a sua ex-adversária Andrea Leadsom, nomeada para a pasta do Ambiente, Agricultura e Assuntos Rurais.
Nos nomes do novo governo inglês destaca-se o de Boris Johnson, o mediático euro-céptico e ex-Mayor de Londres, no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Theresa May dificilmente poderia ter feito uma pior escolha para o lugar, mas a real importância do Ministério tem vindo a diminuir ao longo dos anos e, na prática, quem assume essa pasta são os primeiros-ministros. Thatcher e Blair são disso exemplo. Na realidade, May ao retirar a responsabilidade a Johnson na condução das negociações para o Brexit, transformou-o numa espécie de figura secundária, algo decorativa do seu governo. Alguém que pode distrair as atenções devido ao seu peculiar feitio. Um ministro «exótico» num governo cinzento.
Não nos iludamos. O principal desafio do novo governo inglês é o Brexit. May comprometeu-se a iniciar conversações formais para a saída do Reino Unido da União Europeia até ao final de 2016, apesar da pressão dos líderes europeus para acelerar esse processo. Contudo, já começou a repensar essa estratégia e pondera não invocar o artigo 50 do Tratado de Lisboa durante este ano. A forma como a saída será feita tem de agradar a ambas as partes e a questão da Escócia ainda está longe de ter uma solução à vista. Enquanto isso acontece, o sector financeiro mundial mostra-se particularmente agitado, e preocupado, com a forma e a altura da saída do Reino Unido da União Europeia. O receio de que Londres perca a sua influência financeira mundial é grande e para isso muito tem contribuído a percepção de que o Brexit colocou outras praças financeiras europeia rivais em alerta, espreitando a possibilidade de persuadir elementos do sector bancário sediados em Londres para mudarem de local.
Após a tomada de posse do novo executivo inglês, May recebeu uma série de telefonemas de felicitações, entre os quais os do presidente francês François Hollande. Durante a conversa foi abordada a importância das relações entre os dois países e a cooperação em segurança, defesa e trabalho conjunto sobre o controlo da fronteira em Calais. A questão migratória é uma das preocupações que May vai ter durante os próximos tempos.
Os crimes de ódio racial têm aumentado em Inglaterra desde o referendo sobre o Brexit e os imigrantes começam a sentir mais profundamente o preconceito racial dos ingleses contra eles. May, com uma insensibilidade gritante, avançou com uma polémica medida visando os imigrantes de países exteriores à União Europeia. Aqueles que residam há mais de 5 anos no Reino Unido só poderão continuar a residir caso aufiram de rendimento anual pelo menos £35,000. Refira-se que o rendimento médio anual no Reino Unido é de £26,500.
Além do Brexit e da imigração, nas principais preocupações do governo liderado por Theresa May surgem igualmente os temas da educação, defesa, saúde, economia e desenvolvimento urbano. Resta esperar pelos próximos tempos para melhor se aferir do rumo do governo de Theresa May. Muitos especialistas em política britânica, consideram Theresa May mais próxima de Joseph Chamberlain e de Harold Macmillan, do que de Margaret Thatcher ou David Cameron. Só o tempo o dirá.
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