sexta-feira, 8 de julho de 2016

NADA É NADA

GABRIEL VILAS BOAS
A maioria de nós costuma identificar a organização como a qualidade alemã que a faz sobressair no contexto europeu e mundial, mas esta é apenas a face mais visível de uma máquina bem oleada, onde outros princípios também são importantes. Um deles é não varrer os problemas para debaixo do tapete, esperando que o tempo os resolva. 

Não é típico dos alemães dar uma resposta emocional a um problema social, todavia não o esquecem. No tempo certo encontram a resposta mais adequada. Sem espalhafatos e com eficácia. 

Há seis meses, na noite da passagem de ano, em Colónia, várias raparigas alemãs foram molestada sexualmente. O caso causou grande polémica por dois motivos: grande parte dos acusados eram emigrantes (o que punha em perigos os esforços das autoridades alemãs para convencer os seus parceiros da União Europeia para acolher os refugiados) e uma autarca de Colónia sugeriu que as jovens “se puseram a jeito da violação”, devido às suas atitudes provocatórias. 

Serenamente, as autoridades alemãs deglutiram os acontecimentos e agiram, alterando a lei, ou seja, redefinindo a definição de violação. Até agora só era considerado violação “todo e qualquer ato sexual obtido por violência ou por ameaça à vida ou integridade física, quando a vítima ficava privada de defesa”. Na prática, a lei que punia a violação na Alemanha, datada de 1998, apenas considerava violação quando o homem agredia ou ameaçava. Se uma mulher implorasse, a chorar, para que o homem parasse ou lhe dissesse explicitamente que não queria aquele ato sexual e mesmo assim ele fosse consumado, isso não era considerado violação, face à lei alemã. 

Com a lei aprovada por unanimidade, pela câmara baixa do Parlamento alemão, passa a ser considerado violação “qualquer ato sexual cometido contra a vontade identificável da outra pessoa”, ou seja, quando alguém persiste contra um “não” está a cometer violação. 

Este passo legal, que a Alemanha dá, é de enorme importância e um grande progresso na mentalidade de um povo, que ainda há 25 anos não considerava crime a violação obtida dentro do casamento. 

Alguns críticos desta lei sugerem que ela é populista, que originará uma multiplicação de falsas acusações. Não creio, apesar de ser mais fácil acusar injustamente alguém. O bem que se protege é um bem maior. Esta lei alemã (ainda precisa de ser ratificada pela câmara alta do Parlamento alemão - o Senado) é uma pedra necessária na construção do grande edifício da dignidade humana, em especial da dignidade das mulheres. 

Uma pretensão sugestão de vontade jamais se pode confundir com um consentimento e nunca poderá justificar uma violação. Um não é um não, como um sim é um sim. O desejo sexual, como qualquer outro desejo, é perfeitamente controlável pela razão. Pode parecer absurdo (de tão óbvio que é) estar a plasmar na lei um raciocínio tão linear como este, mas várias decisões judiciais, em alguns países, tornaram necessária esta clareza legal. 

Apesar da boa nova que constitui esta lei alemã (que gostaria de ver replicada noutros países), é bom lembrar que a lei só por si não chega. É necessário trabalhar a mentalidade de jovens e menos jovens, para que este tema tão delicado, íntimo e importante na vida de cada um não se torne um pesadelo com danos incalculáveis e irreversíveis.

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