CARLA LIMA |
Nasci em Julho de 1978 em Ponta Delgada na ilha de S. Miguel nos Açores.
Tive a sorte de ir morar para uma casa de campo pertencente ao meu avó paterno, visto que os meus pais eram recém-casados e ainda não tinham dinheiro suficiente para terem casa própria.
Não tínhamos televisão. O único som audiovisual provinha de um pequeno rádio azul-turquesa com uma antena gigante que apanhava apenas uma rádio que idolatrava Marco Paulo. A casa-de-banho era fora da casa. Um buraco numa tábua de madeira onde não se via o fundo. Para tomar banho era numa banheira de plástico azul-bébé cheia de água aquecida numa panelinha num pequeno fogão a gáz. Brinquedos não tinha. O meu pai contava-me histórias do Mogli. Todos os dias o Mogli embarcava numa aventura diferente que me fascinava. Tínhamos luz mas convinha ter à mão velas ou o velhinho candeeiro a petróleo não fosse a luz falhar. Andava quase sempre descalça. Quer fosse dentro de casa, quer fosse na terra. Lá fora haviam árvores com fruta. Era apanhar e comer. Não era preciso lavar e nunca fiquei doente por causa disso. Comi terra. Comi areia. Comi uma pomada do meu avó só por ser cor-de-rosa e depois de beber um copo de leite fiquei óptima. Hospital? Urgências? O que é isso? Dei tantos saltos em cima de uma cadeira que caí e bati com a cabeça na quina da mesa da cozinha. Fugi de casa com dois anos e andei perto de ravinas e foram encontrar-me horas depois no meio de uma vinha a comer uvas. Agarrei um ferro de soldar incandescente e a palma da mão ficou em carne viva e o meu pai passou a noite inteira a esfregar manteiga na minha mão e a soprar. Caí e bati com a boca num degrau de cimento. Parti os dois dentes da frente, rasguei o lábio superior e nem levei pontos. E isto tudo só até aos quatro anos.
Esta lenga-lenga para dizer que eu ainda sou do tempo em que a vida era simples mas boa. Mesmo com “desastres” e algumas privações, foi a melhor época da minha vida e não a trocaria por nada.
Não sei se foi por ter vivido no campo até aos quatro anos ou por ter nascido no final dos anos 70, que não consigo compreender estas novas gerações. Dos Senhores Doutores que não percebem nada do mundo real porque passam a vida no mundo virtual. Ainda sou do tempo em que não haviam multibancos, computadores, telemóveis, ipods, ipads e coisas que nem sei soletrar. Posso ser uma analfabética informática mas ao menos vivo no mundo real e não caço Pokémons.
“Ver aquilo que temos diante do nariz requer uma luta constante.”
George Orwell
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