FERNANDO COUTO RIBEIRO |
Num café de todos os dias, cheio de gente a matar um tempo inútil e sombrio, uma mulher, com mais de sessenta anos, ao balcão, pede dois pães. A funcionária entrega-lhe os dois pães e diz-lhe quanto custam. A mulher conta minuciosamente as moedas de cêntimo que tem, para confirmar que tem os cêntimos todos.
O café não é grande, e tempo a mais precisa de entretenimento, pelo que todos observam a situação e há um sentimento que se situa entre a pena e o medo que finca pés no teto e nos aperta contra o chão. Como pode o nosso mundo estar a criar tanta miséria, que até os cêntimos para o pão são contados um a um, porque um cêntimo é um cêntimo e são precisos alguns para se fazer um pão.
Depois do dinheiro confirmado e de o pão ser pago, a mulher vai a um outro bolso e tira um lenço apertado num nó, que desaperta sem pressa e com cuidado. "Um maço de cigarros. Daqueles vermelhos!", pede a mulher, apontando para uma prateleira.
Uma vontade que julga o mundo, arranca aquele sentimento opressor de pena e medo e de peito colado ao teto, olha de cima para baixo a mulher com toda a mesquinhez arrogante de quem sabe as prioridades da vida.
Como é que isto é possível? Como pode este povo ter tão pouco critério nas suas necessidades? Conta miseravelmente o dinheiro do pão para ter dinheiro para o vício. Este país é o que é por coisas destas. "Enfim", pensamos todos.
É tão pesado o ar que a julga, que a mulher, quase sem respirar, diz para ninguém: "Faz anos, o meu filho. Desde que perdeu o emprego e a mulher que não tem uma alegria.".
O tempo parou, e há algo cá dentro que sabe que não sabe nada.
A mulher saiu do café e o tempo ficou mais duro de aturar... É mais difícil juntar 4 euros em moedas de cêntimo ou 400 em moedas de euro?
São cruéis os dias que correm ao nosso lado, e talvez nunca consigamos entender completamente o amor até que algum dia tenhamos de deixar de comer um pão, vários dias seguidos, para que alguém possa fumar um cigarro... Ou talvez só precisemos não esquecer aquele que ao nosso lado precisa de ajuda, e nós podemos ajudar, porque todos os dias nos sobra pão.
Obrigada Fernando.
ResponderEliminarPor olhar, por ver e por fazer sentir.
O poder destas palavras anunciam, espero, a força da mudança.