quarta-feira, 6 de julho de 2016

ESCREVER, NEM SEMPRE É FÁCIL

HERMÍNIA MENDES
Sim, escrever nem sempre é fácil. Nas minhas duas crónicas já publicadas, escrevi sobre a actualidade, o que via e sentia na realidade política e social em que vivemos.

Hoje, depois de tanto ler acerca do assunto, não tenho a menor vontade de abordar o Brexit, a integração ou desintegração europeia, embora me preocupe muito, mas de escrever sobre emoções, laços familiares, de amizade, sobre a vida, enfim…

Nos últimos dois anos perdi duas das pessoas mais importantes da minha vida: os meus pais. E continuo a lidar no dia a dia com a doença no seio familiar.

Nunca, até então, tinha lidado com a verdadeira tristeza. A que mói, corrói, não nos abandona noite e dia.

Só me consola o facto dos meus pais terem estado permanentemente acompanhados, a sentir como os queríamos cá, como eram importantes nas nossas vidas.

Em tempo algum pusemos, sequer, a hipótese de nos “livramos” dos nossos doentes. Embora muito novos, nunca eu e a minha irmã, vimos os nossos pais como um entrave á nossa vida pessoal ou social. Entendemos então, como continuamos a entender que o “eu”, o pessoal, ou a necessidade do social, só importa depois de termos cumprido a nossa obrigação para com os nossos.

E tínhamos tantas obrigações para com os nossos pais… mas tantas, que nem um minuto as descuramos. É triste, deprimente, revoltante, ver os filhos entregar os pais em lares, mais ou menos caros, mais ou menos luxuosos, mas sem amor.

Falta tanto o tempo aos filhos dos nossos dias. Não conseguem ter a percepção da eternidade que é a ausência dos pais.

O que interessa se podemos sair, se rimos, se estamos com amigos ou conhecidos, se podemos ir ao cinema ou á praia, se os nossos estão tristes, deprimidos, se sentem desamparados e chegam á triste conclusão que, ao perder a autonomia, se tornaram um fardo para os filhos. Um fardo não desejado, que deixou de ter espaço e importância no lar daqueles que tanto ampararam.

O olhar fica vazio, perdido no tempo e no espaço. E os seus sucessores acham-nos bem, porque se sentem bem. Livres, aliviados…

De facto, tem-se pensado tanto em grupos socialmente excluídos e muito bem e os grupos políticos e a comunicação social dão o ênfase legítimo e merecido aos assuntos. No entanto, falou-se ao de leve nos lares, nas condições sanitárias e humanas em que vivem tantos idosos e o assunto morreu.

Até partido dos animais conseguiu roubar a atenção para os seus ideais. Eu sou uma acérrima defensora dos animais, tenho e sempre tive animais de companhia, trato-os muito bem e sinto muito a doença ou morte de algum deles. No entanto, aflige-me muito mais esta triste moda do abandono encapotado numa mensalidade cara em lares e afins. Quem não pode procriar, adoptar, constituir família, merece todo o meu respeito e preocupação. Mas os que tiveram filhos, família, que contribuíram para o desenvolvimento social, económico, humano, que deram tudo aos seus e ao próximo, deixam de importar para os seus e para o próximo?

O abandono, que não se consubstancia somente no afastamento físico, mas também na ausência de carinho, de apoio permanente, no fazer sentir que se continua a ser importante e querido no seio familiar, deixa de ser uma prioridade? Vivemos cada vez mais numa sociedade egoísta, egocêntrica, materialista e a preocupação dos poderes instituídos é quase nula.

Onde está o investimentos em estudos sociais e sociológicos, capazes de alertar as mentes e reverter esta moda e inclinação social?

Não os vemos. E as pessoas são cada vez menos. A dada altura da vida, passam a meros números de estatística e peso no orçamento familiar e social.

Este fenómeno do abandono existiu sempre, em todos os momentos históricos e classes sociais, mas agora tem “alicerces” pretensamente legítimos. A falta de tempo dos filhos e dos familiares, o trabalho, a necessidade do lazer. E o tempo, é tudo aquilo que temos depois de perdermos os pais. Um tempo duro, sombrio, que nunca voltará a ser igual.

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