J. EMANUEL QUEIRÓS |
Acompanho a barbaridade do represamento do rio Tâmega desde o primeiro golpe barragista executado nos anos de 1980 com a construção do elefante branco intersectando-lhe o leito na freguesia de Alpendorada e Matos no concelho do Marco de Canaveses.
Sem valia alguma para produção de electricidade por falta de caudal, desde 1988 a barragem e a albufeira do Torrão, como são conhecidas, servem de cenário à formação de um caldo químico ambiental, degradado e mórbido, infestado de cianobactérias produtor de metano, indiferente para a concessionária EDP, com que se abotoa nos seus contratos rendeiros estabelecidos com o Estado.
Ao tempo do segundo governo de Cavaco Silva (1986) o libelo sobre o Tâmega contou com o aval do responsável-mor pela Direcção Geral do Ambiente, Francisco Nunes Correia, o mesmo artista que anos mais tarde já como Ministro do Ambiente do primeiro governo de José Sócrates (2007) deu cobertura à monumental patranha nacional das barragens inventada pelas eléctricas nacionais no designado Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH).
Recuperando um velho plano hidroeléctrico dos anos de 1950, do tempo do Estado Novo, consignado no Plano Hidráulico da extinta Hidro-Eléctrica do Douro, o cio das eléctricas pelos rios, nomeadamente pelo Tâmega, servido no embrulho das ‘energias renováveis’ e da ‘sustentabilidade ambiental’ vergou as mais altas instâncias da Administração pública, ultrapassou o quadro legal nacional e comunitário, tratou a região como terra de codessos e engatilhou aos seus interesses os principais responsáveis locais.
O visado rio Tâmega, com as populações ribeirinhas de Chaves, Vila Pouca de Aguiar, Ribeira de Pena, Cabeceiras de Basto, Mondim de Basto, Celorico de Basto e Amarante, onde se inclui a parte baixa do centro histórico da cidade, desde então, ficaram à mercê de um grupo de interesses alargado aos partidos do arco-da-governação que se acoita nas eléctricas REN, EDP, Endesa e Iberdrola, onde lhes é garantida uma rectaguarda dourada para seus mais notáveis oficiais, preparam as decisões do Governo e lambuzam-se como querem nos peitos do Estado.
Neste pote demoníaco entraram os rendidos presidentes das câmaras dos acima referidos municípios, gente de terceiras e quartas linhas partidárias, submissos aos directórios e alinhados em tandem nos interesses que percorrem as malhas partidárias. Por eles perpassam as artes sofistas da incongruência sem vergonha, reiterando publicamente que são contra as barragens ao mesmo tempo que pedem a sua construção, assumidos na farsa e coniventes com esse perigoso garimpo predador com que farejam alguns trocados.
Com a chegada do Governo actual, a esperança sobre o Tâmega livre de barragens renasceu, não pela corrente partidária que o constitui, mas pela posição sobre esta matéria de algumas forças partidárias que o suportam. É de inteira justiça sublinhar o papel do Partido Ecologista «Os Verdes» e do Bloco de Esquerda, partidos com assento parlamentar que sempre estiveram nesta causa regional e nacional ao lado das populações mais avisadas.
Nestes anos de incerteza que pesam como uma guilhotina sobre o Tâmega, a cidade de Amarante e as populações ribeirinhas, congratulo-me com a posição da associação ecologista Quercus ao considerar recentemente que “seria um grande escândalo e um erro grave se a construção das barragens do Tâmega que ainda não foram construídas – Fridão, Gouvães, Daivões e Alto Tâmega – continuasse sem que se realizassem novos estudos de impacte ambiental”.
Focando um argumento fulcral que inviabilizaria toda a trapaça desse famigerado programa barragista, a Quercus coloca-se na esteira das conclusões do Relatório Técnico de Avaliação (Arcadis/ Atecma) (1) que a Comissão Europeia, em 2009, mandou efectuar ao famigerado PNBEPH, onde é referido:
«Cinco das barragens previstas para a bacia do Douro (Padroselos, Alto Tâmega, Vidago, Daivões, Fridão e Gouvães) afectam a bacia do rio Tâmega como um todo e, como tal, têm o maior impacto cumulativo. Irão causar significativa deterioração da parte central da bacia do rio que está em boa condição relativa.» e
«Comparando-se os impactos avaliados, os indicadores utilizados e a escala de avaliação, pode-se concluir que a Avaliação Ambiental Estratégica do PNBEPH tem lacunas graves e pode ser considerada como não conforme com os requisitos da Directiva-Quadro da Água.»
Do mesmo modo, a Quercus secunda um parecer técnico de 2010 elaborado na UTAD ao Recurso Vegetal Natural e Agro-Florestal(2) do Tâmega, pelo prof. António Luís Crespí, em que, sobre o PNBEPH, é mencionado:
«(…) este projecto forma parte de um complexo em cascata, o que o diferencia claramente de uma simples barragem com fins hidroeléctricos. Neste sentido será criado um circuito diário de libertação e bombagem de água, o que provocará mudanças constantes nos caudais das mesmas barragens. Tal fenómeno constitui um impacto extremamente negativo para o ecossistema, uma vez que não só acumula as irreversíveis perdas de biodiversidade e consequentes quebras funcionais, como ao mesmo tempo está sujeito a uma situação ambiental extremamente dramática, que põe em causa a própria resistência deste ecossistema.»
Na posição pública da Quercus é de sublinhar uma ideia central que projecta no futuro uma síntese das consequências da construção das barragens no rio Tâmega, merecedora de atendimento e reflexão que há muito tenho tentado difundir:
“O rio Tâmega deixaria de ser um rio no seu estado natural e passaria a constituir uma sucessão de cascatas de águas represadas e mortas, inviável para todas as utilizações actuais de recreio e de lazer das populações ao longo do seu curso e passando a constituir uma ameaça permanente sobre a cidade de Amarante".
De acordo com informações veiculadas recentemente na comunicação social, o Ministério do Ambiente reavaliou o PNBEPH e, até 15 de Abril, decidirá o futuro das barragens que ainda não entraram em construção. Pelo Tâmega, pelas populações ribeirinhas e pelo país, haja bom-senso e tome a decisão deste Governo nova andadura, contra ciladas e patranhas com que o país tem sido dinamitado.
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