ANABELA BORGES |
A morte. Sempre
a morte. A vida é manchada de morte.
Dêmos as voltas
que dermos, viremos sempre embater aqui. Porque a morte embate(-nos) sem
piedade nem aviso. Por acaso, às vezes, dou-me em pensar que a morte tem
piedade. Tem piedade de nós. Talvez, às vezes. Talvez quando, já nada mais
havendo e só restando a morte.
Não há como
saber as voltas ao tempo, o giro eterno, mas tantas vezes revolteado, à
engrenagem, nem o dia da morte. Não há como saber o dia em que ela recairá sobre
nós e nos revestirá de outras coisas que (não) somos mais.
A mim calhou-me
de dar em conhecer a pior lápide da morte. Pois que o é para mim, e julgo não
haver maior dor no mundo. Calhou-me em conhecer mães que ficaram sem os filhos.
São muitas as que conheço. Estão-me perto do corpo. Não há, não consigo
imaginar, maior dor. E nem sequer consigo imaginar essa própria dor, que é a morte levar os filhos das pessoas embora.
Consigo saber, perceber, que essa será, a meu ver, a maior dor do mundo.
Eu era pequena,
e fui, de anjo, em procissão, a enterrar um bebé de meses. Depois, teria eu 11
ou 12 anos, vi morrer o menino francês, menino azul, o Pierre, que seria cerca
de dois anos mais velho que eu. Depois, o meu primo de apenas 6 anos. E depois
isto tudo nunca mais parou. E eu nunca compreendi. Não compreendo. Tenho apenas
de aceitar, não me obriguem a compreender.
E é a morte, apenas a morte, que nos faz questionar tudo.Em nosso redor, julgamos que os pais são eternos, pois que precisamos de ter pais; não imaginamos a vida sem a figura dos pais. Julgamos que os irmãos não podem morrer; não podem, teremos de ser nós, só podemos ser nós a partir antes deles. O mesmo para sobrinhos, amigos, toda a sorte de gente aportada a nós. Não, nenhum desses pode morrer. Temos de partir antes deles.
E os filhos?
Aqui, embatemos
nós, sem resposta. Não, não, não! esses não!
E no entanto,
vem. Ela não deixa de vir. Este fim-de-semana, calhou-me conhecer mais um
desses casos, de aqui ao pé; mais uns pais que ficaram sem uma filha. Ó,
crueldade!
“Bem puderas, ó
Sol, da vista destes, / Teus raios apartar aquele dia”*. Bem puderas, Natureza,
ter vergonha; bem puderas escurecer; queimar; gelar; ventar; trazer todos os
demónios à solta. Não é da Natureza que um filho parta deste mundo antes dos
pais.
E estes vivem,
sem querer viver, que antes queriam ter partido eles. Antes queriam que a
morte, ceifeira feroz, os levasse a eles. Estes, pobres coitados, que vivem,
não vivem.
E a vida
obriga-os a porem-se de pé. A vida obriga-os a viver.
Não há sensatez
na morte.
*OS LUSÍADAS,
Luís de Camões.
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