quarta-feira, 13 de abril de 2016

AS MAL(DITAS) LUVAS

SARA HERDEIRO
No seguimento de duas notícias que “brindaram” o País na última semana, cujos títulos ouso referir, designadamente “Detidos dois inspetores e um cabo da GNR, suspeitos de receber luvas de traficantes”; “PJ investiga corrupção nas Finanças” – decido hoje abordar, de forma sumária, o tema das ditas “luvas” que nos últimos anos têm sido (finalmente) alvo de revelação pública.

Ora, a utilização de termos como corrupção ativa, corrupção passiva, recebimento indevido de vantagens tem sido uma constante. Mas afinal do que se trata?
O Código Penal Português prevê expressamente estes tipos de crimes nos seus artigos 372.º, 373.º e 374.º. A corrupção pode ser definida como o abuso de poder em benefício privado, abrangendo tanto o sector público como o sector privado. A corrupção ativa significa “corromper” enquanto acorrupção passiva significa “deixar-se corromper”.

De outro modo, a corrupção ativa consiste em dar ou prometer vantagem a funcionário com uma finalidade: a prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, enquanto acorrupção passiva consiste em solicitar ou aceitar vantagem para a prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo.
A concretização de qualquer um destes crimes não necessita de um pagamento ou da efetiva entrega de uma vantagem. O crime consuma-se com a comunicação da mensagem de solicitação ou aceitação do funcionário ao seu interlocutor.

Ainda que a corrupção ativa e passiva sejam as duas faces do mesmo comportamento constituem duas infrações distintas, pois uma pode realizar-se e a outra não. Tal acontece quando uma vantagem é oferecida mas não é aceite ou então quando a vantagem é solicitada e não chega a ser entregue.

A vantagem a que me refiro pode ser uma prestação, patrimonial ou não patrimonial, que beneficia objetivamente a situação do funcionário, como por exemplo: entregar dinheiro ao funcionário; fornecer quaisquer bens e serviços ao funcionário como refeições, viagens, alojamento em hotéis; saldar ou considerar saldadas dívidas do funcionário; aumentar a reputação social ou profissional do funcionário com louvores, pareceres favoráveis; entre muitas outras. Além disso, a vantagem pode ser para o próprio funcionário ou para um terceiro, seja uma pessoa física ou coletiva.
Quanto aos crimes de recebimento indevido de vantagem e de oferta/promessa indevida de vantagem estes diferem dos acima expostos. Pois, contrariamente aos crimes de corrupção ativa e passiva, aqui não se exige que a vantagem se destine a gratificar a prática de ações ou omissões concretas por parte do funcionário. A vantagem é simplesmente pelo exercício do serviço ou a condição de funcionário, não havendo que realizar um ato pretendido. Incorre neste crime o funcionário que solicite ou aceite algo que não lhe seria dado se não fosse a sua condição de funcionário. 

Quanto às molduras penais, o crime de recebimento indevido de vantagem é punido até cinco anos de pena de prisão ou pena de multa até 600 dias; o crime de oferta/promessa indevida de vantagem até três anos de pena de prisão ou pena de multa até 360 dias; a corrupção passiva pode ser punida entre um e oito anos de pena de prisão; e a corrupção ativa é punida até cinco anos de pena de prisão.

Há lugar a dispensa de pena sempre que o agente:
a) Tiver denunciado o crime no prazo máximo de 30 dias após a prática do ato e sempre antes da instauração de procedimento criminal, desde que voluntariamente restitua a vantagem ou, tratando-se de coisa fungível, o seu valor; ou
b) Antes da prática do facto, voluntariamente repudiar o oferecimento ou a promessa que aceitara, ou restituir a vantagem, ou, tratando-se de coisa fungível, o seu valor; ou
c) Antes da prática do facto, retirar a promessa ou recusar o oferecimento da vantagem ou solicitar a sua restituição.

De igual forma, a pena será especialmente atenuada se o agente:
a) Auxiliar concretamente na obtenção ou produção das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis; ou
b) Tiver praticado o ato a solicitação do funcionário, diretamente ou por interposta pessoa.

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