PAULO GUINOTE |
Em Portugal, em matéria de Educação, existe um fenómeno curioso, que em outras paragens até poderá ser considerado estranho, que é o facto de ser sempre o que podemos chamar “época alta” em matéria legislativa e de preparação ou tomada de medidas para qualquer ano lectivo, seja o próximo, seja ou que ainda está em curso.
O ano lectivo de 2015-16 (e civil de 2016) não é uma das raras e muito honrosas excepções a tal regra. Com o pretexto da mudança de governo, diversos anúncios foram feitos e quase outras tantas medidas, sendo que no presente mês de Abril temos uma ementa bastante diversificada de matérias em desenvolvimento para aplicação imediata ou quase.
Vou isolar apenas algumas, mais “estruturantes”, como se costumam designar questões que deveriam ser tratadas em devido tempo, com prazos alargados e debates a sério.
1) Avaliação externa dos alunos do Ensino Básico: a cronologia das coisas é conhecida, desde que, em Novembro de 2015, no Parlamento foi revogada a realização de provas finais no 4º ano e o ministério da Educação decidiu em Janeiro de 2016 que as de 6º ano também não seriam realizadas, sendo substituídas por um conjunto de provas de aferição. Com horror ao “vazio” provocado por decisões tão extemporâneas, o ministério decidiu a meio do ano alterar as regras mas, ao deparar com algumas dificuldades, optou por remeter a decisão da realização (ou não) de todas as provas atrás referidas (seja as de aferição, sejam as revogadas provas finais), sendo que a decisão das escolas deve ser comunicada à tutela até final do presente mês, ou seja, a pouco mais de um mês de distância das datas previstas para a sua realização.
2) Debate sobre alterações curriculares: no passado dia 5 de Abril, através do portal do Governo e de comunicações públicas, ficámos a saber que iria ser lançado “um inquérito a todos os professores sobre os documentos curriculares” visando, entre outros objectivos “produzir recomendações com vista a ajudar à tomada de decisão no que respeita à reformulação dos documentos curriculares”, pois “tradicionalmente, os debates e decisões em torno do currículo envolvem especialistas e académicos, mas esquecem o contributo daqueles que, no dia-a-dia, o aplicam e conhecem melhor a sua viabilidade”. Decisão e propósito com enorme mérito, não fosse o caso do prazo dado opara a produção e envio de tais contributos terminar no dia 15 de Abril, ou seja, pouco mais de uma semana depois do lançamento da iniciativa. Sendo que esta é uma iniciativa, quanto ao tema, recorrente nos últimos anos em vários fóruns de discussão acerca de um mítico “currículo para o século XXI”. Basta googlar de forma rápida a expressão para perceber a miríade de debates com este tema e os documentos produzidos no âmbito das próprias instituições oficiais. Se é verdade que a componente participativa é de louvar, nãos seria menos de louvar que não se quisesse despachar tudo em poucos dias, como se existisse uma imensa pressa em preparar as novidades para um século que já vai na adolescência plena.
3) Redução da dimensão das turmas: igualmente em debate público, do Parlamento ao Conselho Nacional de Educação, com contributos diversos, está a questão da redução do número máximo de alunos por turma. Não vou aqui discutir a validade deste ou aquele valor como sendo o ideal ou o mais adequado, mas concentrar-me apenas em dois pontos que distorcem qualquer debate sobre estas matérias. O primeiro é dizer que não existem estudos que comprovam que turmas menores são factor determinante para melhores resultados dos alunos, pois existem dados discordantes. Sim, claro que sabemos que em Educação é possível sempre provar tudo e o seu contrário e que, efectivamente e desculpem-me os estereótipos, se metermos 50 chineses numa salinha somos capazes de ter bons resultados médios ou que 35 finlandeses ou suecos de gema são capazes de conviver numa turma sem problemas de maior. Acredito. Mas a verdade é que um mínimo de bom senso e conhecimento da nossa realidade concreta na maioria das escolas nos diz que um número menos elevado de alunos por turma permite, por um lado, reduzir as possibilidades de comportamentos perturbadores das actividades, e por outro, aumentar a frequência de interacções entre o professor e os alunos, o que é a chave do ensino individualizado que nos dizem ser o mais adequado. O segundo ponto é transferir o debate sobre a bondade da medida para os seus custos financeiros, desvalorizando a medida em virtude dos seus custos e tornando esse factor como o determinante para uma decisão que deveria, antes de mais, preocupar-se com a melhoria do bem-estar e das condições de trabalho nas salas de aula. Eu percebo que em algumas faculdades existem aulas em auditórios para centenas de alunos, num modelo de aula pelo mestre sem direito a pios ou dúvidas, mas esse não deve ser o modelo, em particular para o Ensino Básico.
Quero ser claro acerca de algo: estas matérias são muito importantes para a forma como deve ser encarada a Educação, independentemente das perspectivas em confronto, e o seu debate alargado e participado é desejável e mesmo imperioso, não devendo mera formalidade. Mas, por isso mesmo, deve desenvolver-se sem estar limitado ou condicionado por agendas políticas e prazos destinados a cumprir calendários exógenos ao sector. Infelizmente e apesar de alguns sinais positivos, a subordinação da Educação à política com minúscula parece estar para durar e a sua emancipação continua no plano da miragem.
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