sábado, 2 de abril de 2016

A CONFIDENCIALIDADE NA PRÁTICA MÉDICA

ANTONIETA DIAS
Vivemos numa época em permanente transformação onde cada dia é iluminado pelos avanços nas tecnologias que se identificam com a saúde, com a condição biológica e mental dos seres humanos. 

Porém, o avanço tecnológico não pode ser separado da Ética e do Direito e a investigação científica não pode ser separada da lei nem da ética.

Sendo que, em qualquer área o conhecimento disponível só pode ser utilizado se respeitar os princípios fundamentais do Direito.

Importa, ainda referir que a protecção dos dados pessoais é um direito intrínseco e fundamental da pessoa e das ciências biológicas.

O direito fundamental de sigilo e protecção dos dados pessoais do paciente, dados estes adquiridos através da entrevista clínica no decurso de uma actividade profissional privilegiada(consulta), cuja informação obtida resulta do grau de confiança que o doente deposita no médico, tem obrigatoriamente de ser respeitado.

Para o efeito existem vários documentos publicados, destinados a fundamentar a sua preservação, dos quais salientamos o Código Deontológico da Ordem dos Médicos (2008), que é constituído por um conjunto de normas de comportamento, recomendado para a prática médica e serve de orientação nas várias questões estabelecidas em todos os actos médicos relacionados com o exercício da actividade profissional.

Este Código contém dois tipos de normas, que traduzem os princípios éticos fundamentais, conceitos estes imutáveis, e que estão excluídos de quaisquer conceitos ideológicos ou políticos.

Como exemplos destas normas, fazem parte o respeito pela vida humana e pela sua dignidade, o dever do segredo médico, o dever de solidariedade e respeito entre os profissionais, a protecção dos diminuídos e dos mais fracos e o dever de não descriminação.

Neste mesmo Código Deontológico, são ainda referidas as normas, que derivam dos usos e costumes.

“O que, no exercício ou fora do exercício e no comércio da vida, eu vir ou ouvir, o que não seja necessário revelar, conservarei como segredo.” (Juramento de Hipócrates).

Na época actual o segredo profissional adquiriu uma fundamentação mais rigorosa, focalizada nas necessidades e direitos de cidadania como uma prioridade da intimidade passando a ser entendido como confidencialidade.

A confidencialidade define a propriedade da informação, que não pode ser disponibilizada ou divulgada a indivíduos, entidades ou processos, sem prévia autorização do titular da informação, uma vez que é a garantia da protecção dos dados que são fornecidas pessoalmente aos profissionais de saúde, com base na confiança e no sigilo médico abrangidos pelo princípio ético.

“O Médico deve respeitar o direito do paciente à confidencialidade. É ético revelar informação confidencial quando o paciente consinta ou quando haja uma ameaça real e iminente para o paciente ou para terceiros e essa ameaça possa ser afastada pela quebra da confidencialidade.”

Outro documento importante de sustentabilidade do dever de preservação de confidencialidade é o Código Internacional de Ética Médica, em que a 1.ª parte se refere ao dever do sigilo médico, ao segredo e confiança.

Fazendo uma revisão histórica, verificamos que o segredo médico já vem do tempo de Hipócrates.

Cerca de 2500 anos depois de Hipócrates, a obrigação do médico de guardar segredo mantém toda a actualidade e assume-se como uma necessidade, cada vez mais importante.

Após a segunda guerra mundial, o segredo médico ficou consolidado, pela defesa dos direitos humanos, tendo como suportes de apoio:

1. Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro 1948.

Artigo 12.º: “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.” 

2. Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

Artigo 17.º: “Ninguém será objecto de ingerências arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem de ataques ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem de ataques à sua honra e reputação.”

Se o médico não respeitar estes princípios éticos, incorre no crime de violação do segredo médico, porque não cumpre o dever a que a sua profissão o obriga e desvirtua o direito do doente, lesando-o e destruído o mais elevado grau da segurança dos registos clínicos que fazem parte do segredo profissional dos médicos e que são a garantia da manutenção da informação privada do doente.

Como escreveu L. Pontes: “não existe medicina sem confiança, tal como não existe confiança sem confidências, nem confidências sem segredo.”

No âmbito da segurança informática para a protecção dos dados do utente é imprescindível que as regras de confidencialidade sejam respeitadas entre todos os intervenientes, sendo que a protecção dos dados e informações partilhadas entre o emissor e os restantes destinatários intervenientes no processo, exigem a garantia do sigilo de comunicação entre todos.

No domínio da segurança informática a confidencialidade é entendida como a troca de informações trocadas entre um emissor e um ou mais destinatários contra terceiros.

Porém, independentemente da segurança do sistema informático utilizado para o registo da comunicação, a protecção dos dados deve ser preservada por todos, seja qual for a protecção do sistema utilizado, de forma a garantir o sigilo da comunicação que é transmitida ao profissional de saúde. 

A confidencialidade encontra-se intimamente relacionada com o conceito de privacidade de âmbito restrito resultante da comunicação privilegiada (priviledged communication), entre o doente e o médico.

“Confidencialidade foi definida pela Organização Internacional de Normalização Organização Internacional de Normalização (ISO) na norma ISO-17799 como "garantir que a informação seja acessível apenas àqueles autorizados a ter acesso" e é uma pedra angular da segurança da informação. 

É obrigação do médico guardar segredo de todas as informações privadas que lhe são reveladas no decorrer da sua actividade profissional, funcionando como um direito e um dever na preservação dos interesses do doente. 

Em termos bioéticos toda e qualquer informação obtida através das palavras ou do exame físico é confidencial, só podendo ser revelada se o doente o permitir, constituindo assim o pressuposto de confiança que o doente tem no médico que o trata, subentendendo-se a existência de fidelidade do profissional que obtém a informação.

O conceito de privacidade é entendido como o controlo que a pessoa exerce sobre o acesso de outros a si próprio, sobre a preservação da sua intimidade, no decurso da prestação de cuidados assistenciais.

O doente tem o direito à preservação da sua privacidade, ao respeito pelo direito à intimidade, em todos os actos que se relacionem com o diagnóstico e tratamento clínico. 

Todo o profissional que se envolve na cadeia de atendimento clínico é obrigado a manter o sigilo pelos seus códigos deontológicos, de forma a impedir a existência de manipulação dos dados. 

O sigilo sempre foi considerado como uma característica moral obrigatória da profissão médica.

Assim, a privacidade constitui uma dimensão da liberdade de cada um, sendo vetada a intrusão por questões de carácter pessoal por parte de governos, indivíduos ou corporações a não ser que tenham sido previamente autorizadas por quem as revelou.

O doente tem o direito a ser respeitado, por toda e qualquer informação que revele ao seu médico, independentemente ou não se serem situações embaraçosas, quer sejam reveladas de forma informal ou não. 

Entre o médico e o doente existe uma relação especial e uma comunicação de dados pessoais, pensamentos ou sentimentos, que podem estar ou não relacionados com a patologia em si, os quais serão arquivadas no processo clínico do doente, cujo acesso fica reservado apenas e só fica disponível para ser consultado pelos profissionais de saúde envolvidos na intervenção do caso clínico.

A confidencialidade é uma competência de todos os profissionais e das instituições de saúde, em que a segurança da informação é a base do direito individual à intimidade e a única garantia que permite ao doente revelar dados da sua vida pessoal, porque sabe que em circunstância nenhuma serão transmitidos sem o seu prévio consentimento.

Em suma, o segredo médico é um dos direitos fundamentais dos doentes. A informação contida no seu processo clínico não pode ser divulgada sem o seu prévio consentimento devidamente esclarecido e assinado.

E por último, um alerta importante para os médicos: codificar a doença é um acto médico, porém dar essa informação a terceiros, por exemplo às seguradoras, implica uma autorização documentada, com consentimento informado esclarecido e assinado pelo doente, sem a qual essa informação não poderá ser disponibilizada. 

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