quarta-feira, 27 de abril de 2016

BREXIT

RUI SANTOS 
Vai ter lugar a 23 de Junho um referendo no Reino Unido para saber se este deve abandonar, ou não, a União Europeia. A consulta popular surge em virtude do primeiro-ministro inglês, David Cameron, o ter prometido durante a campanha eleitoral para as legislativas ocorridas o ano passado. Foi essa a forma que Cameron encontrou para satisfazer parte dos parlamentares do seu próprio partido – Partido Conservador –, assim como para evitar a ascensão do UKIP – Partido da Independência do Reino Unido – à custa do eleitorado conservador.

As principais questões que irão moldar a decisão dos eleitores dizem respeito às relações comerciais, administrativas e orçamentais; política externa e de segurança; estado social e imigração.

Embora os defensores da saída do Reino Unido pertençam maioritariamente aos conservadores e aos independentistas também no Partido Trabalhista e no norte-irlandês Partido Democrático Unionista existem sectores que defendem o abandono do projecto europeu. A liderar o «não» encontra-se Boris Johnson, o polémico conservador e presidente da câmara de Londres. Por seu turno, os defensores da continuação na União Europeia provêem principalmente das restantes alas dos conservadores e trabalhistas, do Partido Nacional Escocês, do Partido Galês e dos Liberais Democratas. O «sim» tem o condão de juntar os líderes conservador e trabalhista, respectivamente, David Cameron e Jeremy Corbyn.

Caso o «não» vença, o Reino Unido poderá adoptar um estatuto semelhante ao da Noruega – um membro do Espaço Económico Europeu que paga a maior parte dos custos regulares de adesão à União Europeia para ter privilégios comerciais – ou escolher um modelo idêntico ao da Suíça – baseado em acordos bilaterais de comércio mas não de serviços. Outra possibilidade será ficar sozinho na Organização Mundial do Comércio. Contudo, não se pode descartar a hipótese de o Reino Unido criar um modelo totalmente novo para si. Em qualquer caso, terá que estabelecer novos acordos comerciais com países não pertencentes à União Europeia e isso demoraria vários anos. Não penso que a economia britânica conseguisse aguentar todo esse tempo. Seria uma tolice o Reino Unido abandonar um mercado de 500 milhões de consumidores. Qual seria a alternativa? Por muito que custe a bastantes britânicos, o império colonial é uma coisa do passado e a ordem global económica é implacável para quem não tem escala em termos económicos. Quando no seio da União Europeia, o Reino Unido negoceia com os Estados Unidos da América, a China ou o Japão, fá-lo como membro de uma economia que vale quase 20 por cento do PIB mundial. Caso tenha que negociar individualmente, o poder negocial será bem diferente. Isso ficou bem demonstrado na recente visita a Inglaterra de Barack Obama. O presidente norte-americano deixou o aviso de que os Estados Unidos estão mais interessados num acordo de comércio com a União Europeia do que em negociar com países isolados.

Seria um enorme erro o Reino Unido abandonar a União Europeia. A sua economia iria cair e o seu papel em termos geopolíticos diminuiria igualmente. O Reino Unido representa menos de 1 por cento da população mundial e menos de 3 por cento do PIB global. Num mundo cada vez mais interdependente, fazer vingar uma voz enfraquecida não parece uma solução viável. Além disso, a libra seria mais volátil, os fluxos comerciais sofreriam desvios ou abrandamentos, e o investimento estrangeiro esmoreceria.

A imigração é um dos temas mais recorrentes nos debates internos. Os partidários do «não» partilham a opinião de que os imigrantes vivem à custa do estado social e que corrompem os valores britânicos. Infelizmente, não lhes ocorre que a livre circulação de pessoas na União Europeia tem sido vantajosa para a economia, contribui para o enriquecimento cultural e permite aos cidadãos do Reino Unido oportunidades para trabalhar e estudar do outro lado do Canal da Mancha. Para se ter uma noção mais precisa disso, há um milhão de britânicos que vivem em Espanha, 330 mil em França e na Irlanda, 65 mil em Chipre, etc. Por seu turno, a maioria dos cidadãos da União Europeia que vive no Reino Unido são jovens e qualificados. A chamada taxa de «não-actividade» – que abrange reformados, estudantes e pais que ficam em casa, bem como os desempregados – é de 30 por cento. A mesma taxa para a população do Reino Unido é de 43 por cento. Um outro dado importante é o facto de 32 por cento dos recém-chegados terem cursos superiores em comparação com 21 por cento da população nativa.

Não devo deixar de referir o tratamento que o referendo no Reino Unido está a ter por parte das instituições europeias. Aquando do referendo na Grécia sobre a permanência na zona euro, foi sempre dito que a União Europeia não previa a saída de um dos seus membros e que caso tal ocorresse, significaria o fim do projecto europeu. Não deixa de ser curioso que no caso do Reino Unido essa ideia não tenha sido ainda insistentemente veiculada pelos líderes europeus. Não é bom para a Europa e para o prestígio dos seus governantes que se possa pensar que existem diferentes formas de tratar um mesmo assunto mediante o peso económico de cada país. Se os britânicos decidirem sair da União Europeia esta terminará? Não, não vai terminar, tal como não terminaria no caso grego. A «chantagem» feita no caso grego e o «assobiar para o lado» no caso britânico é inadmissível e só vem reforçar a ideia de que a Europa carece de líderes que a saibam pensar e compreender. Apesar de não ter ocorrido com um país soberano, mas sim com uma sua parte, em 1985 a então Comunidade Económica Europeia permitiu que a Gronelândia – parte integrante do Reino da Dinamarca mas com uma autonomia muito grande –, a abandonasse. Isto é, actualmente existe um país membro da União Europeia – Dinamarca – que tem uma parte do seu território – Gronelândia – fora da União Europeia. Desde que haja vontade de ambas as partes é sempre possível prosseguir o sonho que Schuman teve para a Europa.

Era importante que a União Europeia fizesse um esforço para mostrar ao Reino Unido que o quer como membro. É claro que se pode sempre alegar que a União Europeia, ou os governos dos vários países que a compõem, não deve interferir na política interna de um Estado-membro. Contudo, o que chanceler alemã Angela Merkel fez no caso grego ao atirar para cima dos gregos a responsabilidade de aniquilarem a União Europeia, caso votassem pela saída da zona euro e consequentemente da União, foi precisamente uma ingerência na decisão de um povo. Como tal, seria extremamente proveitoso para a Europa que esta mostrasse aos cidadãos do Reino Unido o quanto eles são importantes para o destino da Europa e dos europeus.

Finalmente, não deixa de ser interessante ver o esforço que Marine Le Pen, o nome mais sonante da extrema-direita europeia, está a realizar para tentar promover a desagregação da União Europeia. Marine apoiou o governo de esquerda de Tsipras esperando que a Europa virasse costas aos gregos caso este decidissem pelo abandono da moeda única. Agora vai fazer uma visita a Inglaterra onde fará campanha pelo «não» junto de um eleitorado maioritariamente de direita – parte dele não se revê nos ideais da líder da Frente Nacional francesa. Não tenho dúvidas que para quem acredita na democracia e no sonho europeu, votar contra o lado que Marine Le Pen apoia é a única decisão possível. Foi assim com os gregos e estou convicto que também o será no Reino Unido para bem de todos os europeus.

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