ALVARO GIESTA |
Ainda é inevitável que nestes dias tão próximos mas que se vão afastando cada vez mais (os dias das Grandes Revoluções que mudaram a história), haja muitos que neles falem com algum ênfase e entusiasmo. Uns, porque a esses dias, que mudaram a história, devem a quebra do jugo que lhes negou a liberdade durante décadas da sua existência e às revoluções ficaram eternamente gratos; outros, conquanto as desejassem também pelos mesmos e outros motivos, as encaram hoje com alguma desilusão e desesperança, porque elas não foram mais do que uma utopia que os governantes, que se lhes seguiram na condução das rédeas dos novos governos, se encarregaram, mais e mais, de transformar as ilusões de novos e melhores dias em mega-utopias.
E o entusiasmo das comemorações desses grandes feitos que passaram vai-se desvanecendo aos poucos, nas pessoas, por outros motivos também. Ou porque, à data, não eram ainda nascidos e, para estes, a história não é mais do que uma sucessão de acontecimentos que se sucedem, sucessivamente, sem cessar (como a cátedra ensina(va) nos bancos da escola), ou porque, tendo já sido nascidos, mas não tendo sentido na pele as dores que os regimes anteriores infligiram, a memória e o conhecimento desinteressado das coisas, e pelas coisas, os atraiçoa.
Uns e outros, por aquilo que se conhece do mundo obscuro, dúbio e oportunista das sondagens de opinião, têm desses acontecimentos apenas ténues lembranças, pelas narrações ouvidas de seus progenitores, ainda próximos, por enquanto, que não, infelizmente, pela leitura útil que a maioria dos jovens de hoje desprezam, e quase abominam, fazendo das novas tecnologias que contêm milhares de documentos informativos e formativos, um mau aproveitamento e pior exploração, servindo-se delas - dessas novas tecnologias - para se desinformarem culturalmente, conduzindo-se por más pesquisas e experiências maléficas, para atingirem fins menos nobres e úteis e concretizarem sonhos de resultados perniciosos.
E, como o tempo é célere e voa, também a memória dos homens, que é curta, fugirá numa maior vertigem rumo ao abismo das sombras do esquecimento, levando a que os grandes feitos e os grandes homens caiam e se afundem, para sempre, nesse mesmo esquecimento, se não houver alguém que, de um modo útil e sério, avive essas mentes empobrecidas de saber. Falar aqui, de um modo genérico, das revoluções, não implica, necessariamente, que não se possa individualizar esta ou aquela. Mas tal não é o propósito, muito menos o desmerecimento. Apenas porque a finalidade é outra, como facilmente se deduz. Mas, ainda que o fosse, para o caso vertente, e porque a sua comemoração se realizou há curtos dias, até o podia ser.
Pois, se hoje o 25 de Abril, ocorrido ainda ontem - há 42 anos - ainda se vai lembrando com alguma falta de vigor e entusiasmo, lamentavelmente, o que acontecerá e como acontecerá, quando já tiver passado o seu século de vida? Provavelmente o mesmo que em relação ao dia da Implantação da Republica - para tanto basta ver quando meia dúzia de "gatos pingados com cara de mirones parvos" assistem (ou assistiam), sem saber muito bem o que isso é e o que isso foi, ao desfilar das tropas na Avenida da Liberdade em dia de comemorações: o ontem - o 5 de Outubro de 1910 - que meia dúzia de rapazolas a quem deram o poder da acção governativa há quatro anos atrás quiseram o facto histórico extinto e consumado, como se apagado fosse com uma simples borracha que apaga o risco deixado no papel pelo grafite do fino lápis. E o que acontecerá, amanhã, quando a memória traiçoeira dos homens fizer lavrar a indiferença sobre o dia da Liberdade? E a quem apontar o dedo acusador por esta indiferença e falta de saber que, no meu tempo, se chamava ignorância?
A meu ver, a duas instituições que têm tudo na mão para que o inverso se verifique. A primeira responsável é a escola que muitas vezes despreza o ensino do útil a favor do acessório. A segunda - aquela que não havia no tempo nem na aldeia em que eu cresci até aos onze anos - que bem podia e devia ser o "forte" veículo transmissor desse conhecimento, mas se dedica, quase exclusivamente, à transmissão de deficiente saber. E muitas vezes de falso saber. Refiro-me, evidentemente, à televisão, cujas programações abundam e abusam em telenovelas de histórias ocas e repetitivas e programas de entretenimento - assim chamados por quem e a quem convém - muitas vezes exageradamente subsidiados pelo Ministério de qualquer coisa (a que já ouvir chamar tantos nomes como Educação, Cultura, Ciência, e até Secretaria de Estado da Cultura, que mais valeria nem nome ter...), que o mesmo é dizer pelo dinheiro dos contribuintes. E o que se mostra nesses programas insossos que servem apenas para gáudio do pagode que, infelizmente, pouco mais tem para ver além da extensa publicidade que lhe injecta (à televisão) o sangue nas veias? IGNORÂNCIA! Pura, crua e nua!
Então falemos do e sobre o 25 de Abril que eu senti na pele, como muitos da minha idade o sentiram também.
Há 42 anos um golpe militar devolveu a Portugal a democracia perdida há quase meio século (desde1926). Há 48 anos que, em 25 de Abril de 1974, se vivia em ditadura com uma política sob o domínio da PIDE/DGS, inspirada na GESTAPO, roubando aos cidadãos deste país o mais nobre dos seus valores e direitos - a Liberdade - bastando apenas, para o efeito, que um dos mais de 500 mil informadores (que proliferavam pelo país) denunciassem o seu vizinho ou amigo, quantas vezes, até o familiar, da suspeita de pertencer a uma formação política clandestina. E nessas prisões insalubres de Caxias e Forte de Peniche ou desterrados para o campo de concentração do Tarrafal em Cabo Verde ou Fortes longínquos como a Fortaleza de S. Pedro da Barra em Luanda/Angola, utilizada no século XVII como entreposto de escravos em trânsito para o continente Americano, iam pais e filhos que jamais se encontravam, ainda que separados, apenas, e para anos intermináveis, por grossas paredes de alvenaria e duro granito.
Há 13 anos que, em Abril de 1974, se batiam jovens portugueses em três frentes de guerra de guerrilha nas províncias africanas da Guiné, Angola e Moçambique, para onde eram mobilizados como "carne para canhão". Por aí passei eu durante 42 meses - por terras de Angola -, de espingarda automática G3 aperrada nos punhos! Por essas terras longínquas perderam a vida 9 mil militares e 30 mil, ou talvez mais, foram feridos ou ficaram estropiados - os desgraçadamente chamados e esquecidos "DFA - Deficientes das Forças Armadas". Ironicamente, foi a guerra colonial que havia de fazer cair o chamado Estado Novo e instaurar a democracia em Portugal.
Esteve na origem o famoso "decreto da discórdia" com que as Forças Armadas determinaram a mudança da ditadura para a democracia, derrubando o regime de que eram a principal garantia e suporte. Foi este o "busilis" da questão - será esta a palavra mais adequada para definir o "cerne", o "ponto mais importante", a "essência do problema", o "motor que moveu"...? Vejamos apenas a espoleta que fez detonar o 25 de Abril, que a mais me não aventuro:
· o cansaço de sucessivas comissões de serviço em África,
· a indignação dos jovens oficiais do Q.P. (Quadro Permanente) das F.A. (Forças Armadas) ao verem os milicianos serem equiparados a si em estatuto e regalias mediante a frequência de um curso acelerado (3 semanas) para capitães, - formando os chamados "capitães de aviário" - na intenção do governo, com este "Decreto 353/73 de 13 de Julho de 1973", suprir a falta de comandantes de companhia na guerra de África - o verdadeiro detonador da revolução,
· as posições críticas, causando um forte clima de instabilidade emocional, quanto ao modelo de integração dos territórios ultramarinos no todo nacional, por parte do general Spínola, ex-governador e comandante militar da Guiné,
· a sua recusa (de Spínola) e a do General Costa Gomes, como Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, em participarem numa cerimónia de "vassalagem" dos generais a Marcelo de Caetano (custando-lhes a exoneração dos respectivos cargos),
fizeram estalar, e acertadamente, em 25 de Abril de 1974 aquilo que, em 16 de Março lhe deu início com a intentona das Caldas, conhecida por "Golpe das Caldas", com a marcha de tropas do Regimento de Infantaria 5 sobre Lisboa, acção revolucionária abortada de que resultou a detenção de duas centenas de militares.
E, em 25 de Abril de 1974, uma nova acção militar, bem estruturada e coordenada pelo Major Otelo Saraiva de Carvalho, vence a resistência do governo ditador que assombrava o país há quase meio século, substituindo as balas pelos cravos rubros da revolução.
Este texto escrito do teu punho me da uma visiâo mais nítida do vosso 25 de Abril. Obrigda pelas boas leituras que ofereces.
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