sábado, 23 de abril de 2016

DAR E RECEBER

JORGE NUNO
Há uma ebulição externa, que ocorre a uma velocidade estonteante, a que é preciso estar atento. Sabendo disso, bem me esforço por investir no autoconhecimento, para chegar mais facilmente à fonte do desejado equilíbrio espiritual, mental e físico, que me transmita uma generalizada sensação de bem-estar. Bem me esforço por marcar o meu próprio compasso, e ainda mais ao ver tanta barata tonta, que se movimenta numa correria desprovida de sentido. Bem me esforço por conseguir a melhor forma de lidar com o conflito – sem procurar evitá-lo –, e dar atenção aos aspetos da realização pessoal ainda não conseguidos e/ou se os projetos concebidos há uns tempos atrás, com tanta erosão… ainda fazem sentido nos dias de hoje. Bem me esforço por me libertar, constantemente, de toxinas físicas e emocionais, para conseguir a harmonia interior, que só a mim compete assegurar.

Procuro estar atento e aberto a tudo quanto é novo e deixar-me envolver, de forma generosa, tendo em vista o bem comum, que naturalmente me afeta positivamente. Aprendi que a dádiva e a gratidão entram neste processo. Aprendi que os benefícios de dar acabam, inevitavelmente, por ter um efeito de boomerang. Aprendi que a gratidão é contagiosa e ajuda-nos a reconhecer as muitas coisas boas que nos acontecem na vida (nas quais não reparamos, quando nos focamos no que não queremos). É nesses instantes que ficamos salpicados de agradáveis “purpurinas” de felicidade, como se se tratasse do toque mágico de uma varinha de condão. E são estes momentos que trazem sentido à vida e nos projetam para novos avanços qualitativos.

É por estas razões que bem me esforço por seleccionar o que entra porta adentro e pode afetar os meus sentidos. Mesmo assim, continuo a ser bombardeado, a todo o instante, com informação – ela própria tóxica – de escândalos de corrupção, branqueamento de capitais, fraude e evasão fiscais, abusos com o falso trabalho independente (que escandalosamente chegou a atingir 80% de todos os contratos de trabalho, celebrados em Portugal, nos últimos 3 meses…). A informação que é produzida – com o muito respeito que tenho pelo jornalismo de investigação – com o natural direito de divulgar factos e poder contribuir para a correção e punição de ilícitos criminais, acaba por ser produzida com a sofreguidão e rapidez de quem quer ter a exclusividade de ser o mensageiro da desgraça. A montante, a febre de enriquecimento rápido e sem pudor, faz parecer sem sentido as palavras de Raymond Cloosterman: “Ser rico não tem a ver com riqueza ou posses, mas sim com o número de memórias preciosas que temos”. Estas palavras, certamente, pouco importam a quem comete esses atos, que nada têm a ver com dádiva, mas com apropriação de algo que não lhes pertence por direito próprio, por ser obtido de forma menos digna ou fraudulenta. E quando menos se espera, o conhecimento de esses atos vem a público. A reação que se segue, pelos consumidores de informação, vai desde a tendência para: olhar para tudo isto com [uma preocupante] indiferença, como se estivessem vacinados contra a epidemia; à criação de estórias humorísticas e anedotas relacionadas com o caso, as quais são rapidamente partilhadas nas redes sociais; assemelhar-se à curiosidade do voyeur, que acompanha o dia a dia de um qualquer reality show televisivo de baixo nível, sempre na esperança de ver a cena mais picante, mesmo que passe mais de uma hora e meia em frente à TV, num ambiente degradante…

Da minha parte, tento descobrir alguma notícia, mesmo que seja uma em duzentas, que me dê a ideia que há grandeza humana. E como fico feliz, quando vejo uma, como a de um polícia australiano que decidiu adotar, com sucesso, um pequeno canguru, que perdeu a progenitora por atropelamento de um camião, mesmo que tenha que alimentar o pequeno animal de três em três horas; ou a de uma equipa de salvamento no Equador, que conseguiu resgatar um cão, com vida, dos escombros provocados pelo forte sismo no Equador e que se encontrava nessa situação há dois dias. Muitas vezes, é perante os animais que sobressai o humanismo, evidenciado pela compaixão, bondade, preocupação e entrega generosa a uma causa. No fundo, falamos de dádiva, sem estar à espera de recompensa.

David Brooks, colunista no The New York Times, escreveu que “A gratidão é uma espécie de riso do coração que surge depois de uma bondade surpreendente”. Comecemos por provocar o riso no nosso próprio coração, que nos fará sentir um imenso bem-estar. Este, “contaminará” positivamente quem nos rodeia. Assim, com pequenos avanços, o mundo à nossa volta está em vias de ser melhor.

2 comentários:

  1. gostei muito."Comecemos por provocar o riso no nosso próprio coração, que nos fará sentir um imenso bem-estar.".....

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  2. Fantástico este teu texto onde destaco, como se fosse preocupação minha - ou, talvez, preocupação de meio mundo que se vê escandalosamente prejudicada pela outra metade: «tento descobrir alguma notícia, mesmo que seja uma em duzentas, que me dê a ideia que há grandeza humana.» Grande abraço escritor amigo.

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