CRÓNICA DE JOANA BENZINHO |
Celebrou-se ontem o dia do livro infantil. E pouca importância lhe é dada quando temos à disposição uma mão cheia de exemplares para entusiasmar os mais mais jovens com uma bela história recheada de imagens coloridas que os fazem sonhar com (outros) mundos fantásticos. Até nos damos ao luxo, muitas vezes e cada vez mais, de ignorar os livros que temos em casa ou à disposição nas muitas bibliotecas públicas porque achamos bem mais interessante o maravilhoso mundo da imagem e da electrónica.
Mas há uma parte do mundo onde tudo acontece ao contrário deste nosso estado de desinteresse literário contemporâneo. Há países onde o livro é um bem precioso e raro, quase inacessível ao grosso das crianças. Há meninas e meninos que sonham com a possibilidade de um dia ter um livro nas mãos, chamar-lhe seu e poderem viajar com as personagens no meio de histórias incríveis.
Com certeza poderia enumerar dezenas deles, mas tomo como exemplo a Guiné-Bissau, onde só encontramos duas livrarias na capital, Bissau, e no resto do país a aridez literária é quase total. Bibliotecas, há algumas, mas coisa pouca e claramente insuficiente para um país onde mais de metade da população conta menos de 18 anos.
São crianças sem passaporte para os sonhos, sem acesso a um dos direitos mais básicos e essenciais para o desenvolvimento intelectual - o direito à leitura.
Saindo um pouco de Bissau é fácil cruzar crianças que nunca folhearam um livro. Diria até que nunca o vislumbraram sequer na mão de outrem. E a magia acontece quando lhe passamos um livro com uma história infantil. Os olhos ganham brilho, as mãos vida própria para calcorrear ansiosas todas as páginas mesmo se a vergonha e a timidez peçam recato e o sorriso rasga-se ao ver as imagens e ao ler as aventuras que encerra.
É indiscritível o quadro a que se assiste e a alegria que se vê emergir lá de dentro.
Foi na Guiné-Bissau que testemunhei o exemplo de um professor que leccionava numa barraca com paredes, tecto, mesas e cadeiras de palha e cana e com apenas um livro para ensinar 115 crianças de idades distintas. O livro, o bem mais valioso daquele espaço, educou e formou durante um ano aqueles jovens que olhavam para o exemplar com um respeito reverencial.
Foi ali, naquele dia, que tomei consciência do crime que o mundo actual comete diariamente ao condicionar mentes e ao matar sonhos de quem nem sequer os pode ousar fazer nascer no simples folhear de um livro.
O dia internacional do livro infantil deveria traduzir-se num direito universal que contemplasse o direito efectivo à leitura das crianças dos países mais carenciados, mas também num dever para as crianças dos países ditos desenvolvidos, onde os livros são votados ao esquecimento e onde estamos a criar os homens e mulheres de amanhã que por inércia colectiva se demitem do prazer de ler.
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