sábado, 8 de abril de 2017

O PODER LOCAL NA ÉPOCA MODERNA

MÓNICA AUGUSTO
Quando falamos de instituições e poderes locais o que nos surge de imediato na mente é o conceito de “Câmara”, conceito que tanto se aplica à época contemporânea como moderna. Seria bom refletirmos um pouco acerca deste conceito basilar e a sua composição na Época Moderna: trata-se de um corpo constituído, no mínimo, por um Juiz Presidente, dois Vereadores, um procurador e vários oficiais.

O Juiz Ordinário ou de Fora, possuía amplos poderes em diversas matérias. Era, portanto, uma figura de grande importância no concelho pois resolvia as várias questões que pudessem surgir, era o primeiro ponto de decisão. Importa salientar que o Juiz de Fora (de nomeação régia) embora pudesse parecer uma figura mais isenta do que o Juiz Ordinário, muitas das vezes acabava por não conseguir manter-se acima das questões surgidas entre a população. Trata-se de um facto curioso pois o Juiz de Fora, que pretendia ser uma figura controladora do concelho, ao serviço da Coroa, acaba ele próprio, muitas vezes, por se tornar quase “um homem da terra”, defendendo mais os interesses concelhios. Isto representa uma prova do espírito existente nas comunidades que formam um concelho. Não se trata apenas de uma configuração administrativa mas existe também uma ligação afetiva entre os moradores e os que se integram na comunidade.

É evidente que também existiram reclamações das populações em relação ao Juiz de Fora, o que nos conduz a outra questão: Será que esses descontentamentos surgidos relativamente à atuação do Juiz de Fora são um anseio de autonomia por parte das populações em relação ao poder central? Não nos parece, aliás, parecem tratar-se de casos relacionados com questões específicas que por vezes se fazem sentir em diversos territórios, mas não uma contestação ao poder da Coroa. Parece-nos que esse poder está estabelecido e bem aceite. Apesar do poder local ser um contraponto ao poder régio, aquele nunca pôs este em risco. Coexistem de forma mais ou menos pacífica consoante as épocas e os contextos que vão surgindo.

Relativamente aos Vereadores e Procuradores, tal como os Juízes Ordinários, eram eleitos por um ano, escolhidos entre “os melhores do concelho”, questão a que voltaremos mais adiante. No caso de ausência do Juiz seria o Vereador mais velho (em idade) a presidir à reunião e tomar todas as decisões que caberiam ao ausente.

Existiam outros ofícios como o de Almotacé, encarregado das questões de abastecimento e fixação dos preços e os Escrivães “do judicial”, cargo que podia ser de nomeação vitalícia, hereditária e que muitas vezes foi vendido. É curioso, ou talvez não, que estes fossem os únicos que teriam que saber escrever, esta condição não se aplicava a mais nenhum membro da governação concelhia. Acreditamos, por isso, que se tratava de alguém com alguma reputação, numa época em que saber ler e escrever era algo raro.

Outros cargos existentes nos municípios eram o Juiz dos Órfãos, responsável pela elaboração dos inventários para partilhas e administração dos bens dos órfãos; os Juízes de Vintena, nos grandes e médios concelhos e os Quadrilheiros, responsáveis pela ordem pública.

Podemos, então, afirmar que um concelho é mais do que uma circunscrição administrativa. A Câmara tem a seu cargo não só a administração como também a justiça, aplicada pelos Juízes, a ordem pública, vigiada pelos Quadrilheiros e funções económicas e de abastecimento, asseguradas pelos Almotacés e até mesmo funções sociais, executadas pelo Juiz dos Órfãos.

Trata-se, portanto, de estruturas organizadas e com funções muito abrangentes que, embora estivessem definidas na legislação (Ordenações Filipinas) que obedecia a um critério de uniformização, podiam tornar-se muito diversas devido a fatores como a extensão do próprio concelho, as tradições, os poderes senhoriais, etc. Contudo, no séc. XVIII assiste-se à concretização das tendências uniformistas através da ampliação da ação dos magistrados da Coroa.

Para além das Câmaras, a nível local temos que referir também uma outra fonte de poder: as Ordenanças, unidades de recrutamento militar, cujos oficiais se tornaram figuras intimidatórias. Ainda que o cargo não fosse remunerado, conferia grande prestígio a nível local por questões óbvias.

Há ainda que destacar uma série de outras instituições locais: antes de mais a rede paroquial, presente em todo o território, as Confrarias e Irmandades, as Misericórdias e o poder senhorial.

Concluímos a existência não só de vários níveis de poder na Época Moderna, mas sobretudo de vários tipos de poder, remetendo-nos, assim para a pluralidade do termo – Poderes.

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