sábado, 23 de dezembro de 2017

BOAS FESTAS AOS NOSSOS LEITORES


INFINITAMENTE INFINITO

MIGUEL GOMES
Quando o frio surgiu, não havia ponta por onde pegar. A braseira repuxava o frio contra o tecto, o calor amainava o ânimo, mas ainda assim havia a esperança inocente de quem tenta ver no nada o infinitamente infinito. O cheiro a rabanadas era complementado com o barulho do refugar na frigideira, o pousar dos pratos no mármore manchado e o arrastar da mesa para tirar um banco e pendurar, às escondidas, uma pinha de chocolate no pinheirinho, enquanto a criança se entretém no chão da sala, a tecer finas teias de número em número, até encontrar a figura final. Sabia a Natal.

De vez em quando a porta da cozinha é aberta, apura-se o ouvido e olha-se para o relógio, deve ser horas do comboio chegar. 

- Já chegou mãe?

A Maria deste presépio sorri, engole a ânsia, volta para dentro e vai ter com o filho, ainda no chão da sala, agora a fazer dos pequenos tacos de madeira pequenas elevações por onde brinca com o carrinho imaculadamente pobre, passa as mãos no avental e, secas e ásperas, afaga-lhe o cabelo. 

Ele levanta a cabeça e os olhos pequenos e azuis encontram-se com o rubor da braseira, a cara da mãe atrás da cortina ondulante do calor que se espreme na noite, e ainda que longe das indagações adultas, permite-se questionar que realidade o pariu, a anunciação social que o marcou com nove dígitos ou o amor brasonado de duas almas encarnadas, escancaradas e matrizadas, num pequeno presépio invisível a quem nunca viu?

Na mesa não cabem mais pratos, bolo-rei a transpirar açúcar branco em pó, pequenos pires com filhoses, sonhos, docinhos de bolina, frutos secos, uvas passas, alguma fruta cristalizada, uns rolinhos feitos com queijo, uma caixa de sortido ainda por abrir, uma travessa dividida a meio com leite-creme torrado aqui e ali em forma de coração e, na outra metade, aletria com motivos abstractos e uma estrela cadente tudo desenhado com amor e, também, canela.

A porta abre, a criança levanta a cabeça e o próprio calor parece pausar-se quando o pai entra em casa, o bafo que volita enquanto acalma a respiração, os braços da mulher ao redor do pescoço, o cabelo na testa suada e engordurada que ele, gentilmente, afasta, o beijo na testa e o tocar de lábios, boca na boca, como a reanimação da humanidade. O filho agarra-se à sua perna, enquanto ele, pai, tira o seu gorro e o coloca na cabeça do pequeno que, feliz, se sente homem por vestimenta de adulto.



Não tarda para que a noite passe, a trindade num presépio iluminado por um céu estrelado na admiração salvadora do amor em forma de metáfora. As luzes apagam-se, três corpos deitados na cama de casal, a mulher esgotada pela labuta de um dia feliz dorme, o homem mergulha na lentidão do sono embalado na certeza de um amanhã de descanso e a criança, desperta, ao ver os progenitores dormirem, coloca o gorro do pai, puxa-o para cima dos olhos e enrola os seus deditos nas mãos adultas que o moldaram. Natal é noite de mundos que se amaram.

ADOÇÃO RESPONSÁVEL COMO PRENDA DE NATAL

SUSANA FERREIRA
Com o Natal aumentam exponencialmente as vendas de animais. Escolhe-se a espécie, raça, cor, género, entre outras características. Todos querem um animal perfeito para oferecer. Mas será que um animal deveria ser um presente? Adquirir um animal é um compromisso por longos anos. Compromisso esse, que implica abdicar de algumas coisas, fazer mudanças em casa, mudar muitas vezes mentalidades, arranjar tempo para lhes dedicar, que hoje em dia é tão precioso e escasso. Será que quem oferece os animais tem percepção sobre a disponibilidade da pessoa em causa? Não basta haver vontade de ter uma animal... é preciso assumir um compromisso. Quando se adquire um animal, é necessário haver uma ligação, aquele "clique", um sentimento de que aquele animal é o tal... o que irá encher o nosso coração. Um animal não é um brinquedo que se possa usar e deitar fora quando já não preenche os requisitos. Os animais são seres dotados de sentimentos, eles necessitam de sentir amor e carinho para serem felizes ao longo da sua vida. Eles precisam de viver com alguém disposto a dedicar o seu pouco tempo livre a educa-los, trata-los e ama-los. Precisam de alguém que não se incomode com o som do choro durante a noite e as fezes espalhadas por toda a casa. Precisam de alguém que os compreenda e entenda, mesmo sem falar a mesma língua. De alguém capaz de os cuidar na velhice com as incontinências urinárias, com as suas confusões e devaneios. Precisam mesmo de alguém capaz de tudo isto e muito mais. Quando pensar oferecer um animal tenha tudo isto em conta e opte pela adoção.

LUÍZA TODI OU LUÍSA ROSA TODI

MANUEL DO NASCIMENTO
Luíza Rosa de Aguiar nasceu em Setúbal em 1753. Estreou-se em Lisboa nos anos 1767 ou 1768, onde conheceu Todi, violonista de origem italiana, com quem Luíza casa a 28 de julho de 1769, com apenas 16 anos de idade. As críticas da imprensa nacional e estrangeira, elogiando a suas capacidades vocais, vão leva-la a atuar na Europa; Paris, Londres, Veneza, Berlim, Turim, Viena, sendo estas algumas das cidades em que a levou a viver largas temporadas, vindo a voltar para o Porto em 1803, já viúva. Em 1809, com a segunda invasão francesa, Luísa Todi vai abandonar a cidade do Porto, perdendo, nesta fuga, grande parte dos seus bens, entre os quais, muitas joias, no trágico acidente da Ponte das Barcas por ocasião da fuga das invasões francesas pelos exércitos de Napoleão (1). Luíza Todi, tinha a facilidade invulgar de cantar com perfeição e expressão em inglês, francês, alemão e italiano, era considerada a meio-soprano portuguesa mais célebre de todos os tempos, onde Luíza Todi distinguiu-se nos concertos espirituais que animavam a capital francesa, entre outras capitais da Europa daquele tempo. Em Paris, Luíza Todi teria deixado a lenda do duelo com outra cantora famosa da época chamada Gertrudes Elisabeth Mara, autora alemã, considerada a rival de Luíza Todi. Em 1811, Luíza Todi regressa a Lisboa, onde vai viver a partir de 1813, na rua do Tesouro Velho, a atual rua António Maria Cardoso, depois na rua da Barroca e da Atalaia, Largo de São Nicolau e Travessa da Estrela, onde veio a falecer com 80 anos de idade e quase cega devido a uma doença desde muita nova. Consta que a sua vida em Lisboa até ao final da sua vida, vai viver com muitas dificuldades económicas. Luíza Todi, teria sido sepultada num cemitério localizado nas imediações da Igreja Paroquial da freguesia da Encarnação (Lisboa), cemitério este que já não existe. O paradeiro das suas ossadas é desconhecido. A cidade de Setúbal, erigiu um monumento com a sua efígie e deu o seu nome a uma das principais artérias da cidade, a Avenida Luíza Todi.

(1) Segundo reza a lenda, quando Luíza Todi chega ao rio Douro com os filhos agarrados às suas saias, a tentativa de embarque tornou-se difícil, por causa do movimento das pessoas em fuga e da ondulação das águas do rio, onde Luíza Todi chegou a cair ao rio quando tentava alcançar a pequena embarcação no rio na Ponte das Barcas. Junto ao muro da Ribeira, existe um baixo-relevo em bronze que evoca a tragédia da Ponte das Barcas (alminhas da ponte).

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

2018 - MENOS UM ANO



JOSÉ CASTRO
Após as festas do Natal, onde apesar do materialismo, coexiste algum espírito de fraternidade e solidariedade, chegam rapidamente as festas do final do ano, segundo o calendário Gregoriano que Portugal rapidamente adotou em 1582. Estas são infelizmente caracterizadas pelos excessos da bebida, e quem sabe de outras substâncias, das velocidades e de comportamentos inadequados …! Para muitos a ilusão dos sinais exteriores de alegria, servem apenas para esquecer e esconder os sinais interiores de tristeza, desânimo, revolta…

Enquanto que os mais distraídos adicionam mais um ano às suas vidas, os mais atentos, aqueles que sabem “o que estão cá a fazer” retiram mais um ano às suas vidas! Pois na realidade (que por vezes dói, quando a vemos pelo paradigma inadequado) sabemos que nos resta menos um ano para Viver. Sabemos que a dita “morte biológica” (que para muitos ainda é tabu falar dela!) está inevitavelmente mais próxima. Alguns leitores, provavelmente já não passam da leitura desta linha, pois, para eles é de extremo mau gosto misturar estes dois assuntos! Mas quer queira ou não, eles estão intrinsecamente ligados! Será assim interessante, não mergulhar na alegria ilusória da passagem de ano, de que o resto do ano vai ser assim, nem deixar-se enganar por qualquer dúzia de passas ingeridas, nem sequer por entrar no novo ano com o pé direito! Afinal a sua Vida vai ser exatamente o que fizer dela! Aquilo que semear é Aquilo que vai colher…. Por muito que por vezes pareça o contrário!

É pois um momento interessante, o final de mais um ano civil, para fazer o balanço do mesmo, refletindo sobre o seguinte:

Que ocorreu com mais significado para si? Quem estava envolvido?

Que ocorreu de mais inesperado? Como o soube aceitar?

Qual o tipo da maioria das suas emoções? Porquê?

Que pessoas se aproximaram e/ou se afastaram de si?

Que competências novas adquiriu? O que entusiasmou?

Quanto mais pazeou?

Quanto contribuiu para minorar o sofrimento dos outros Seres?

Quanta mais “felicidade” habita em si?

Quanto mais próximo se sente da sua missão?

(…)

Estas e muitas outras questões deveriam ser feitas para que ao longo do próximo ano não se limitasse a “vegetar” neste mundo, a “fazer por fazer,” a viver apenas em piloto automático, revoltado com tudo e com todos, atribuindo culpas ao Sistema ou a um dito Deus!

Repare que não é mais um ano, mas sim menos um ano que tem para intensificar o seu bem-estar físico, mental, social, e espiritual! Não se apresse, mas não perca tempo!

Assim, enquanto alguns estarão perdidos no meio da ilusão do exterior, outros estão a investir tempo em si e para si ”conhecendo-se” e “amando-se,” identificando sonhos (dos acordados), definindo objetivos, traçando planos de ação! Enquanto uns vivem apenas para si, para alimentar o seu “ego,” outros dedicam-se a causas sociais, fazem voluntariado, (na causa humana, animal ou ambiental) promovendo a sua Consciência Social, Ética e Global. Transforme-se num agente de mudança, torne-se numa semente (provavelmente criticada, incompreendida e desprezada) na construção de um Mundo mais Pacífico e Ético para com todos os Seres.

Mais uma vez e como sempre, a decisão a que grupo vai pertencer, está nas suas mãos! Não se iluda com o caminho mais fácil… 

Do teor da resposta, à questão seguinte, poderá inferir de quanto Significado e Propósito tem a sua Vida:

Se não existisse que falta fazia?

FINALMENTE MAIS DO QUE LIXO

JOÃO RAMOS
A agência de notação financeira Fitch anunciou, esta sexta-feira, a subida do rating da divida portuguesa, para um nível acima do vulgarmente designado como “lixo”. Com esta alteração, Portugal passa a estar na órbita dos principais investidores internacionais, nomeadamente os fundos de pensões e investimento, que na sua maioria apenas adquirem obrigações de países com notação positiva, em pleno menos duas, das principais agências de notação financeira. Assim sendo, não só o Estado português, mas também o tecido empresarial poderá obter financiamento a taxas de juro mais baixas, o que poderá aumentar o investimento e melhorar o cumprimento das metas orçamentais.

A decisão reflete a redução do défice orçamental, um excedente primário de 3 p.p. e o crescimento do PIB, assim como um governo estável, com apoio presidencial e capaz de assegurar a paz social. Além disso, a agência tem em linha de conta, os novos “ventos” europeus, que estão a promover alterações fundamentais na política europeia, como o aumento do investimento, a União Bancária e uma aposta numa União mais solidária. Esperemos que o país aproveita, esta oportunidade única, para empreender as reformas internas indispensáveis, garantindo maior sustentabilidade para a gerações futuras.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

O PODER DO NATAL

VERA PINTO
Todos os anos, sempre que chega o mês de dezembro começa a contagem decrescente para as épocas festivas. Apesar dos 31 dias que fazem parte de todo o mês de dezembro, este parece resumir-se ao dia 25, não fosse ele tão famosamente aclamado como o mês do Natal. Desde crianças que fomos habituados a esperar pelo último mês do ano e a sonhar com o Natal, nem que fosse pela expetativa de abrir os presentes. Mas afinal que estranho fenómeno é este que avassala este mês? Já pensaram nisso? Envolvidas pelo calor das luzinhas que decoram as ruas, sensibilizadas pelas várias campanhas de solidariedade que dominam a época e enternecidas pelas publicidades emotivas o comportamento das pessoas parece mudar. As pessoas oferecem presentes, reúnem-se em jantares de convívio, participam em missões de solidariedade, tornam-se mais compreensivas, adotam um comportamento que não têm nos outros meses do ano. Já se perguntaram porque será que isto acontece? Porque não pode este comportamento estender-se aos restantes 11 meses do ano? E como seria as nossas vidas sem Natal? Trata-se de uma verdadeira missão impossível, digna de intervenção cinematográfica, pois esta época está de tal forma enraizada na nossa cultura que nenhum agente infiltrado conseguiria imaginar um ano sem Natal. Seríamos nós seres mais gélidos, frios e insensíveis se o final do ano não fosse preenchido pelo nascimento de uma menino há milhares de anos atrás? Será esta a magia de Natal que todos falam? Nesta crónica e fazendo alusão à época não pretendo dar respostas, aproveito para apelar à reflexão de todos

Um bom Natal e um feliz ano novo

UM CONTO DE NATAL “O Segundo Natal do cavaleiro da Dinamarca” (O Natal do homem bom)

ANABELA BORGES
Todos os anos, nesta época, publico um conto de Natal. Faço-o desde 2012, sendo este, portanto, o meu sexto conto de Natal.

Aqui fica um excerto:

No Inverno, a floresta da Dinamarca reinava num reino de frio e penumbra, ficava *“presa em seus vestidos de neve e gelo”. Mas em casa do Cavaleiro a maior festa do ano era precisamente no Inverno, “no centro do Inverno, na noite comprida e fria do Natal”.

Era o dia 24 de Dezembro, um dos dias mais curtos do ano. O Cavaleiro queria chegar a casa antes da meia-noite. Penetrara na imensa negra floresta com o cavalo que lhe tinha sido providenciado pelos amigos da aldeia vizinha. Trazia uma alegria própria de estar perto, que era outro nome que acompanhava a esperança, a fazê-lo esquecer o cansaço e o frio. Mas a floresta era um lugar estranho: parecia mágica e parecia que as coisas se moviam dos seus lugares, “como um labirinto sem fim onde os caminhos andavam à roda e se cruzavam e desapareciam”. A neve cobria tudo, tanto que havia feito desaparecer o curso do rio, o trilho que o Cavaleiro tinha esperança de seguir. A luz crua da tarde fazia tudo branco da neve e cinza no ar. Só os pinheiros continuavam verdes, “com os seus ramos cobertos por finas agulhas duras e brilhantes parecem vivos no meio do silêncio branco e imóvel”. O imenso silêncio da floresta deixava escutar o menor rumor, pequenos ruídos e estalidos. Mas isso foi enquanto houve luz. Depois, só cinza e negrume, uma imensa penumbra como num santuário, como as veredas e grutas escuras que Jesus percorrera no Seu caminho de vida e amor.

Por vezes, sentia um respirar, um bafo quente de animal, lobo ou urso que por ali rondasse, os ramos dos arbustos a roçarem-lhe o corpo, mas já nem sabia se os imaginava do cansaço e do frio, se era a realidade a trazer-lhe os medos à superfície. Pelo sim pelo não, dizia com voz firme: “Não sabes que na noite de Natal as feras não atacam o homem?”. E logo aquela sensação de se sentir perseguido desaparecia. 

Anoiteceu. “A neve apagara todos os rastos, todos os carreiros”, e agora multiplicava-se o silêncio à medida que a noite avançava. Todos os bichos se haviam recolhido nas suas tocas.

– Estou perdido. Vou morrer aqui – o Cavaleiro caminhava em círculos, cada vez mais desesperado, “o silêncio continuou a crescer e o homem e o rio não se encontravam”.

“Tudo estava imóvel, mudo, suspenso”.

“Então lembrou-se da grande noite azul de Jerusalém toda bordada de constelações”. Esse pensamento fortaleceu-o. Na floresta, o céu “era escuro, velado, pesado de silêncio. Nele não se ouvia nenhum sinal. Mas foi em frente desse céu fechado e mudo que o Cavaleiro rezou.” Rezou a oração dos Anjos, aquela oração que numa noite antiga tinha atravessado o céu reluzente da Judeia:

“Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”. 

Uma rajada de vento sacudiu as copas das árvores.

O Cavaleiro levantou-se movido por uma leve curiosidade. Pareceu-lhe vislumbrar um relampejo, uma difusa claridade na fundura da noite.

[…]

“Lá fora havia gelo, vento, neve. Mas em casa do Cavaleiro havia calor e luz, riso e alegria”.

Dentro de casa havia filas de estrelas que se desdobravam em harmónios feitas pelas crianças. Havia azevinho, coroas, anjos e velas.

Todos queriam ouvir as espantosas histórias que o Cavaleiro tinha para contar da sua peregrinação à Terra Santa. Há dois anos, naquela floresta, naquela clareira, naquela casa, sentado àquela mesma mesa, perante os mesmos convivas, anunciara a sua partida. Perdido do sentido mais profundo da vida, precisava de uma luz que o ajudasse a reencontrar o seu caminho de fé. Queria passar o Natal na gruta onde Cristo nasceu, “também ele queria rezar ali”.

“Naquele tempo as viagens eram longas, perigosas e difíceis”. Malgrado a grande aflição sentida, a mulher do Cavaleiro “não tentou convencer o marido a ficar, pois ninguém deve impedir um peregrino de partir”. 

[…]

E, pela noite fora, perante a admiração de todos, o Cavaleiro contava como “procurou nas ruas de Jerusalém, no testemunho as pedras, o rasto de sangue e sofrimento que ali deixou o Filho do Homem perseguido, humilhado e condenado” – o que é o nosso sofrimento comparado com o Dele? Como “caminhou nos montes da Judeia, que um dia ouviram anunciar o mandamento de um novo amor”. Como eram belos os palácios de cúpulas douradas e misteriosas as passagens estreitas por entre as pedras que contam a história de Jesus, a história mais antiga do Peregrino mais antigo e especial. E descreveu os homens usando duas tranças em bandós por debaixo do quipá e longas barbas apanhadas num carrapicho caminhando cabisbaixos pelas pedras gastas das ruas.

E, finalmente, procurou explicar como foi só dele aquele momento, a noite de Natal em Jerusalém, o que mais tinha ansiado naquelas horas: um momento de paz, um refúgio e um momento de oração. Na gruta de Belém, rezou durante toda a noite e “julgou ouvir, num cântico altíssimo cantado por multidões inumeráveis, a oração dos Anjos:

Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”. 

Como era hábito na noite de Natal em casa do Cavaleiro, contavam-se histórias pela noite dentro. Algumas eram histórias recentes, cheias de novidade, e outras eram as mesmas histórias sempre repetidas, que a cada ano se tornavam mais belas.

[…]

O Cavaleiro era outro homem. Era um homem novo. E era um homem bom.

Aquela viagem tinha efetuado uma grande renovação no seu ser. Porque mais do que uma viagem pelo mundo, aquela tinha sido uma viagem ao mais fundo de si. Foi quando se encontrou no interior do silêncio de si próprio.

A noite avançava no calor da graça e da gratidão. O Cavaleiro pediu a todos que rezassem com ele a oração dos Anjos. E aquele coro de vozes foi um clamor de força e união no seio escuro e frio da floresta, rasgando a névoa.

“Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”. 

E em silêncio, o Cavaleiro repetiu as súplicas que dirigira a Deus na Terra Santa, “que o fizesse um homem de boa vontade, um homem de vontade clara e direita, capaz de amar os outros”.

Agora estava em casa, com os seus.

Aquela era a noite do mundo – noite de trégua, noite de Natal.


*Todas as passagens colocadas entre aspas são citações da obra O Cavaleiro da Dinamarca.


Este é um projecto coordenado por João Carlos Brito e por Maria Eugénia Ponte.

“O Segundo Natal do Cavaleiro da Dinamarca (O Natal do homem bom)” (excerto), de Anabela Borges in colectânea LUGARES E PALAVRAS DE NATAL, editora Lugar da Palavra, Dezembro de 2017.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

AS CICATRIZES DA «INCÚRIA» E IRRESPONSABILIDADE DO ESTADO

"Se isto voltar a acontecer é sinal que não aprendemos nada com isto". "É uma ferida que vai ficar aberta durante muitos anos, não só para mim, mas para os meus colegas". "Basta! isto não pode voltar a acontecer".
Rui Rosinha - Bombeiro

MIGUEL TEIXEIRA
O testemunho do bombeiro Rui Rosinha, no passado dia 16 de dezembro, num especial informação na SIC /Notícias, (que conta a história de 10 das 120 vítimas dos incêndios do Verão passado) que foi apanhado pelo violento incêndio que teve origem em Escalos Fundeiros (Pedrógão Grande), após o embate numa viatura Mercedes onde todos os ocupantes morreram carbonizados na fatídica Estrada Nacional 236-1 é verdadeiramente perturbante e interpela-nos sobre "como foi possível isto acontecer" . 4 paragens cardíacas, coma profundo e 14 intervenções cirúrgicas depois para reconstrução da face, seis meses depois da tragédia, o bombeiro voltou felizmente à vida. Vidas destruídas, testemunhos de filhos que perderam os pais e choram "compulsivamente", 64 mortos, uma tragédia que dificilmente se apagará do espírito de quem a viveu e perdeu os seus familiares. Tudo o que o Estado pode fazer para minorar o sofrimento destas pessoas, que perderam familiares e bens, será sempre muito pouco , face à imensidão da tragédia. Que o país saiba retirar ilações para o futuro e que, finalmente se coloque a prevenção, ordenamento e gestão integrada da floresta como uma prioridade nacional. Neste último Verão, como Estado (e o Estado somos todos nós e tem como função principal a proteção dos seus cidadãos), fomos muito pequenos.

O GRANDE HOMEM É AQUELE QUE RECONHECE ONDE E EM QUE É PEQUENO

REGINA SARDOEIRA
Não consigo orgulhar - me por ser de um país que integra o melhor jogador de futebol do mundo. E da história, dizem (ele diz!). O defeito deve ser meu. 

Orgulho-me de outros actos dos portugueses, o prémio Nobel, José Saramago, representa muito e exprime o que verdadeiramente julgo que é ser português (a língua, claro! ) e até esta última vitória de um português, o ministro Mário Centeno, independentemente das consequências políticas que virá a ter no futuro, me parece importante para o prestígio do país. Mas o futebolista.... 

Tenho feito algum esforço para entender a dimensão humana e nacional deste jogador e o que ver ou projectar nele para me sentir afirmada e rejubilar por ser portuguesa, à luz deste ganhador de troféus. Não consigo. Ele joga futebol, ao que tudo indica joga bem (eu não vejo futebol ), treina para estar à altura, ganha muito dinheiro, investe na imagem, até compra os filhos a quem, por essa razão, chama seus, tem negócios, museus, estátuas , é conhecido internacionalmente. ..bem sei que é um considerável conjunto de atributos ou de feitos...mesmo assim, não me convence. Nem um pouco! O defeito há -de ser meu (repito): não sou capaz de compreender a genialidade de ser assim excepcional num jogo, que nunca pratiquei, é certo, mas cuja orgânica entendo. 

Para mim, ter esse português como símbolo maior do meu país é frustrante. Não é inveja como afirmam, às vezes, a propósito, e quando surgem críticas; nas minhas áreas também sou competente e nunca fui muito dada a esse tipo de sentimentos: falo de inveja, claro. É mais o desgosto de ver que a prática de uma brincadeira, de um jogo, pode elevar um indivíduo a um ponto tal de consagração. É um jogo, aquilo que ele pratica, não é? Quase toda a gente sabe como se joga, não é verdade? Então, por que dar - lhe, assim, tanta importância?

Não consigo perceber. (Mas isto sou eu, claro). 

Enquanto pessoa, o "fenómeno" do futebol parece-me um indivíduo comum. Igual a muitos outros que, saídos do anonimato, se vão evidenciando de muitas formas e cujo destaque está absolutamente dependente do dinheiro que detêm. Porque esse pormenor, muito mais do que tudo o que o fez ( falo do futebolista) chegar ao patamar onde lhe prestam culto (qual santo, qual deus ), faz toda a diferença neste nosso mundo regido pela posse de bens. Tenho pena que assim esteja baixa a cotação do humano e do valor, lamento que o génio seja aferido pela ponta dos pés e pela brutalidade do treino. 
Penso nos heróis nacionais de todas as épocas, aqueles que fizeram o país e lhe foram dando carácter, em séculos de história. 

E depois evoco um homem vestido de gala, exibindo brincos valiosos e um rosto esculpido, oiço-o a fazer o discurso da auto-emulação...e arrepio-me: é um frio imenso que me atravessa e é todo o vazio que me cai aos pés. 

Considero que o mérito está igualmente distribuído entre os homens ou, pelo menos, as condições básicas para chegar a tê - lo. Todas as pessoas nascem iguais, pouco as distingue, à partida; mas depois o processo de crescimento acrescenta (e às vezes retira) o vigor inicial, projectando uns naquilo a que a sociedade chama sucesso e deixando outros na obscuridade.

Neste pormenor, como em outros, subscrevo Descartes que assim inicia o seu Discurso do Método :

" O bom senso (ou razão, parêntese meu) é a coisa do mundo mais bem distribuída, e toda a gente julga estar tão bem provida dele, que mesmo aqueles que são difíceis de contentar nas outras coisas não costumam desejar mais bom senso do que aquele que já possuem." (R. Descartes, Discurso do Método).

E, ainda segundo Descartes, o que distingue os homens é o "método" ou seja, literalmente, o caminho que escolhem para trilhar a vida.

Aparentemente, os designados "grandes homens " romperam as cadeias impostas pelo seu nascimento ou educação e foram capazes de impor o seu nome (e os seus feitos ) ao mundo. E assim nasce uma reputação. 

Eu não tenho dúvidas acerca do valor de quem galgou as limitações da insularidade e da pobreza para lutar por um sonho. O que me perturba é o objecto de semelhante sonho e o tão pouco que a humanidade tem a ganhar com o mérito do respectivo sonhador. 

Que pode ensinar-me o triunfo desse talento da bola e do relvado, que podemos ganhar, nós todos, vendo - o, ouvindo -o e observando o modo como desempenha as suas funções? Esta é a questão fundamental. 

Depois há o problema do futebol, em si mesmo, esse jogo transformado em negócio, esses impérios construídos por acção de uma espécie de alucinação colectiva, pronta a sobrepor-se a muitos e sãos valores. Nunca, como hoje, vi o futebol e os jogadores guindados a semelhante categoria!
É certo que o homem precisa do jogo, da disputa, da competição...da guerra?! Sim, a agressividade pulsa no íntimo de todo o humano, e o futebol funciona como palco privilegiado da hostilidade de uns contra outros. Talvez seja essa, afinal, a sua função predominante e, decerto, é preferível ser violento em cima de um relvado, com o objectivo definido de meter o maior número possível de golos na baliza e derrotar o adversário, a empunhar armas e lutar num qualquer campo de batalha. Já existiam jogos nas Antigas Grécia e Roma (para não recuar mais no tempo) e, neles, o povo pedia sangue e celebrava a carnificina. 

Julgo que "o melhor futebolista do mundo e da história " é, afinal, um guerreiro e, por isso, expande a agressividade e a violência (que tem em si) pelos relvados do mundo. E os treinos, ou seja, tudo aquilo a que ele chama "trabalho", têm como principal objectivo tornar sólido o corpo para desempenhar aquelas batalhas de homem contra bola, de homem contra homem, durante o tempo regulamentar. A mente, dirigida exclusivamente para as lides do jogo, é treinada em conjunto, porque o futebol tem regras precisas e um certo tipo de inteligência necessita ser activada e desenvolvida.
Segundo Gardner (Howard Gardner - Scranton, Pensilvânia, 11 de julho de 1943-psicólogo cognitivo e educacional norte-americano, ligado à Universidade de Harvard e conhecido, em especial, pela sua teoria das inteligências múltiplas.), o tipo de Inteligência predominante num futebolista, designa-se como Inteligência Motora e confere aos respectivos detentores um grande talento em expressão corporal e uma noção assinalável de espaço, distância e profundidade. Eles têm um controlo sobre o corpo maior que o normal, sendo capazes de realizar movimentos complexos, graciosos ou fortes com enorme precisão e facilidade. É uma inteligência relacionada com o cerebelo, que é a porção do cérebro que controla os movimentos voluntários do corpo. Presente em desportistas olímpicos e de alta competição , é um tipo de inteligência directamente relacionado com a coordenação e capacidade motoras.

Pode considerar -se, assim - se Gardner tem razão ( porque, para além das suas inteligências múltiplas, há outras perspectivas sobre o que é a inteligência ) - que qualquer desportista, e este em particular, exercitam, para a prática da modalidade escolhida, essa zona do seu cérebro e trabalham o corpo no sentido de equilibrarem os dois lados (afinal, apenas um, porque o indivíduo é um todo, não redutível à soma das partes). 

A inteligência e o talento existem naturalmente em todos os homens (assim como nos outros animais), repito. O excepcional corresponde, portanto, a uma espécie de incremento de uma capacidade limitada; e sempre que o indivíduo treina intensamente uma zona do seu cérebro, descurando as restantes, compromete a sua integridade global. Canalizar o talento (se o é ) e o treino numa só direcção produz, sem dúvida, um resultado excepcional. Mas, vejamos : é assim tão relevante, do ponto de vista humano, ser um futebolista extraordinário? 

A não ser no sentido, já referido, de o futebol, à semelhança do que acontecia na arena dos jogos romanos , oferecer, na luta dentro da área do relvado, o escape da agressividade que, tal como em Roma, contagia o povo mais ou menos bárbaro e o faz enfrentar melhor os seus reveses, não vejo o mérito dessa actividade e o prestígio do "melhor do mundo". 

Vivemos, pois, uma barbárie idêntica à de outros tempos. Poderíamos, desse modo, e já que ser bárbaro nos é constitucional , fixar a violência que trazemos em nós na disputa de jogos e ostentar troféus e medalhas na vaidade que igualmente parece estruturar - nos. Porém, apesar da brutalidade da maior parte dos jogos colectivos, apesar da corrida aos estádios e recintos desportivos, a sede de sangue não é minorada: porque a ferocidade da guerra, literalmente falando, continua aí e são os senhores do mundo que a ela incitam.

Basta observar o que se passa na política, na opção tida como mais justa e a que chamamos democracia. Os líderes partidários não descansam enquanto não destroem um certo equilíbrio, querendo impor a sua versão e derrubar a que lhes retirou protagonismo; os chefes mais poderosos mostram a sua face brutal, querendo subverter a ordem e abrindo caminho à contenda. 

Bem no fundo, que não à superfície ( e os homens nem sempre gostam de se observar muito para dentro ), o mérito desse pequeno homem, tornado grande por força do treino exaustivo de uma característica, cifra - se na perpetuação legitimada da violência, no campo de batalha em que se transforma todo e qualquer estádio à hora da competição. 

E deixem-me terminar, a propósito da tão propalada humildade desse jogador, em concreto, cujo nome nem vale a pena escrever, e da frase em que ele afirma, com orgulho: "Eu sou o melhor do mundo e da história, porque ainda não vi ninguém que ultrapassasse os meus feitos ", citando Wilhelm Reich:


"O grande homem é aquele que reconhece onde é em que é pequeno; o homem pequeno é aquele que não reconhece a sua pequenez e teme reconhecê-la, que procura mascarar a sua estreiteza de vista com ilusões de força e grandeza." ( Wilhelm Reich, Escuta, Zé Ninguém!)


Definitivamente, o melhor futebolista do mundo deveria ler este livro, e o séquito dos seus admiradores, que se deixam inebriar pelas vitórias dele, outorgando-as a si mesmos e ao seu país, também.

O PRESENTE DE NATAL: O PASSADO E O FUTURO

PEDRO MONTERROSO
Natal. Não gosto de ti porque todos falam de ti. Quando todos falam do mesmo, alguém vê uma oportunidade de negócio e vende o produto. Esvazia-se o sentido para tornar a coisa mais leve e envolve-se em papel lustroso. Ninguém gosta de coisas pesadas, com demasiado conteúdo, são aborrecidas e não têm uma função imediata. Vai que alguém compra. Sucesso! E vai que alguém compra outro, 2, 3, 4, para ter mais Natal. E porque é barato, demasiado barato, aproveita e dá Natal aos pobrezinhos, aos doentes do hospital, aos presidiários, aos soldados. Para que seja para todos Natal. Até para os que não querem.


Aliás, alguém sabe onde começou essa história do velho gordo que sai de roupão vermelho à noite, com um saco recheado de prendas para as crianças? Como nunca ninguém se lembrou de lhe investigar o passado e saber onde ele esteve a 1 de maio, por exemplo? Todas essas prendas que dizem Made in China, Singapura, Vietname... O homem tem olhos azuis, estatura nórdica. Fosse asiático e levantaria-me menos suspeitas. Qual a origem e o preço de tudo aquilo que ele dá?


E quem arrasta toda essa parafernália e faz a distribuição? Que animais são esses? Como nenhuma associação se lembra de averiguar como é que os bichos passam todas essas intempéries, esses câmbios meteorológicos, desde os desertos secos, quentes, brutalmente frios à noite, florestas densas e... pior, cidades densas, impestadas de smog, pelas malhas fabris que produzirão o tal Natal. E o que fica para os que fazem o milagre da noite, quero dizer, para os que fabricam em linhas de montagem e colocam em caixas hermeticamente fechadas luzes sem reminiscência alguma de luz.


Raios me partam, raios te partam, Natal, não sei nada sobre ti. Havia a história do outro que nasceu no rés-do-chão de uma pensão. Era uma cria que, na falta de um apropriado berço e porque se constava sobre o perigo de trazer uma boa nova (que era somente palavras e o aborrecimento de não trazer presentes para todos!) o substituíram por um peru na travessa e um pinheiro decorado de presentes destituídos de passados ou futuros. Na melhor das hipóteses, tornar-se-ão obsoletos no dia a seguir para que possa vir logo-logo outro Natal. Porque o que ninguém gosta mesmo é de coisas duradouras. Portanto, feliz Natal, mas onde estão todos no 25 de Abril?

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

EMPREENDER PARA O SUCESSO...

FILIPE LOURENÇO
“Nós só perdemos quando desistimos”

Empreender e o acto de criar novos negócios, novas ideias ou implementar Mudanças em empresas já existentes. O empresário para que tenha uma empresa de sucesso tem de ser empreendedor ! Está provado que a principal causa do fracasso nos negócios, não se deve à falta de dinheiro, a falta de experiência, mas sim a falta de resistência e resiliência ... os negociam fracassam na sua maioria das vezes porque os mentores dos projectos desistem.

Ser empreendedor é muito mais do que ser empresário, ou seja, empreender e supererar-nos a cada minuto, cada hora, cada dia, pois ser empreendedor nos dias de hoje acarreta o peso na nossa capacidade de resistência e resiliência as adversidades.

Na conjuntura económica actual em Portugal e no mundo, em que somos empresários e empreendedores a escala global, pois o país de cada um de nós e o próprio mundo, não chega nunca fazer mais do mesmo, caso contrário a concorrência de um outro qualquer país fará com certeza melhor!

Projectar negócios actualmente significa planear e antever conjunturas empresariais hoje que irão ocorrer amanhã!

Há sensivelmente 10 anos atrás, quando um empresário projectava a médio prazo, projectava a 2 anos, hoje o médio prazo significa aproximadamente 6 meses!

A velocidade com que hoje o mundo se move nos negócios é alucinante e implica o esforço diário do empresário em não baixar os braços, porque existem cada vez menos dados adquiridos. Há porém um dado adquirido que nunca se alterou ao longo dos anos no mundo empresarial: “Nós só perdemos quando desistimos”

Nunca desistir é o ponto chave do sucesso, para qualquer negócio!

Empreender está directamente ligado à resistência e resiliência no negócio, e ao contrário do que se pensa, não só os empresários deverão ser empreendedores, pois cada um de nós enquanto empresários a criar novos negócios ou colaboradores a criar novas ideias ou mudanças, somos peças de um puzzle que se chama o mundo empresarial.

PONTOS NOS I’S SOBRE A AUTOEUROPA

TIAGO CORAIS
Todos sabemos que a Autoeuropa é uma empresa muito importante para a economia portuguesa, representa 1% do PIB, 4% das exportações Portuguesas e dá emprego directa e indirectamente a 8.700 pessoas. É uma empresa que ao longo destes anos, nos habitou a ser um exemplo na forma como a Administração e os Colaboradores negociavam acordos adaptados às realidades e às dificuldades de cada momento. Por estas razões, muitos de nós estranhamos o momento actual e a tensão que se vive dentro da Autoeuropa. Não percebendo como é possível que duas Comissões de Trabalhadores negociem o pré-acordo com a Administração da Autoeuropa e depois em referendo é chumbado pelos Colaboradores. Muitos acusam que é o PCP que está a manipular os trabalhadores, outros usam um discurso inflamado contra os sindicatos. A própria comunicação social não ajudou muito na fase inicial no esclarecimento do que se passava nesta empresa, dando a entender que os Colaboradores não queriam trabalhar ao Sábado. O que não é verdade que esse seja o ponto de desentendimento.

Sinceramente ao ver o programa da RTP “Prós e Contra” de 11 de Setembro deste ano, percebi que existem muitas falácias à volta deste problema e como é injusto falarmos em manipulações quer por parte do PCP ou dos Sindicatos. Segundo o que foi dito naquele programa no máximo 17% é que são sindicalizados por mais de três sindicatos. Por isso, 17% não é 75% que foram quantos rejeitaram o primeiro pré-acordo, nem 63% que foram quantos rejeitaram o segundo acordo.

Outra conclusão que retirei do programa “Prós e Contras”, é que o que está em causa não é apenas a obrigatoriedade de trabalhar ao Sábado e folgar a um dia de semana. O que está em causa são os turnos rotativos, as alterações aos horários sem opção de escolha, o pagamento do Sábado e do Domingo como um dia normal, o não gozarem dois dias de descanso seguidos e só quem nunca fez turnos rotativos é que não sabe o que isso significa. As transições dos turnos encurtam os fim-de-semanas. Se só tiverem um dia por semana de folga, isso significa na prática apenas meio-dia de folga por semana. A Autoeuropa é muito importante para o País, mas a qualidade de vida e a conciliação do trabalho com a família também deve ser acautelado e compensado financeiramente.

Por esta razão vi com bons olhos que o Governo irá assumir responsabilidades com a criação e reforço de equipamentos sociais de apoio à família e que responda aos novos horários da Autoeuropa com mais creches e horários diferenciados. Mas é importante que o Governo tenha em mente que não contamine o problema da Autoeuropa nos colaboradores dessas creches. Horários que tornem mais difíceis a vida familiar devem ser compensados financeiramente de forma a minimizar o que há mais valioso neste mundo, que é estar com os “nossos”.

Outra falácia que tenho lido é que já existe uma alternativa para produzir T-Roc e como profissional da Indústria Automóvel, tenho a noção que produzir automóveis não é como produzir t-shirts, em que se muda a produção do dia para a noite. A indústria Automóvel é um sector de capital intensivo, onde absorve muitos recursos financeiros, ao qual o lançamento de um novo veículo tem inúmeras fases e a meta de produção de 280 mil veículos até ao final de 2018, onde já foram investido na Autoeuropa cerca 700 milhões de euros, não é possível mudar a produção do T-Roc para outra fábrica sem custar milhões de euros e sem alterar os prazos de lançamento.

Infelizmente a nossa comunicação social não consegue fazer melhor do que acompanhar o debate que se faz nas redes sociais. Onde hoje de forma generalizada somos contra quem luta pelos seus direitos, esquecendo-nos que o mundo só evoluiu para melhor porque no passado alguém lutou por nós e os sindicatos são organizações fundamentais para que tenhamos uma sociedade equilibrada, em que haja um equilíbrio entre o trabalho, o lazer e principalmente o espaço para a família. Por isso, dou os parabéns ao programa da RTP 1 “Prós e Contra” por ter esclarecido o que se passa na Autoeuropa, pecando por não emitir um novo programa esclarecendo sobre o segundo pré-acordo chumbado e fazendo o ponto de situação.

Termino este artigo, na esperança que haja um entendimento, que seja satisfatório para ambas as partes, mas em especial para quem lá trabalha. Pois se for um bom acordo para os colaboradores da Autoeuropa, não tenho dúvidas que será um bom acordo para a Autoeuropa e para Portugal. Uma ECONOMIA que não ponha as pessoas em primeiro lugar, NÃO É ECONOMIA.

THE ANSWERS I DO NOT HAVE

CAROLINA CORDEIRO
I have hundreds of questions. Of that you were witness, last fortnight. Today, I have even more questions, but no answers. Maybe I have a few. Just like you might have. But what about the rest? It is a certainty of life: I will die and will not have all my answers. Nor will you. None of us will. So, why question? Because we can’t go through life without it and were not, life would suck!

So, what is there to be done? Try as I may, I cannot tell you. I cannot even tell myself what to do. 

This past month has been a whirlwind of a living and made me put in perspective every single little aspect of my life. My routine was altered to its core, my vision of the future completely torn apart, my idea of human behaviour totally disrupted from what it used to be — life changing situations. Have you ever read a book that the not so important characters became, as pages go by, the most important ones? Have you ever gotten the feeling that the book you are reading is a mirror of your feelings towards whatever you are experiencing in life? Have you ever felt like so? I had before but never to this level. I wish I could have read such a book. That way I could have been prepared for the role I am now playing. Amazing how things can change in a blink of an eye…

But it is the season of joy. A merry line up of days where all the troubles and worries are left in the waiting-for-a-miracle-to-happen box. Because it’s Christmas and it is the season for the impossible to become its contrary, I will foolishly believe in Santa Claus because my gifts I cannot buy. I can only and truly hope for better days. So, I will be a child again and blindly await for Santa to bring me his most beautiful present, the one I have been waiting all year long and the one that I, a very nice person, am so strongly wishing for. Naturally, I am not that blind, nor that childish. But because it is my favourite season of the year, I will give it a go: I will hope for something that my brain knows, for a fact, that will not happen. But I will hope. I will not hope as in so much that I feel it will happen, but I will kindly await for the 24th evening to see what’s in the Santa socks. I will hope as I do when I reread Jane Austen’s novels: hope to see that Darcy will not propose as he did the first time. I know I will not be granted that wish, but I hope, nevertheless. Stupidity? Maybe. But, what makes this season so merry as it is? Is it not a continuously foolish believe that during this time all mankind is better towards one another? It’s all a make believe time, masked by bright lights, soft music and cookies. But truth be told, we all do it and the majority of us even enjoy it quite fondly. 

I’m not Scrooge. Truly, I am not. But the fact is that when we become older, and when we read different books, and go through different experiences and get hit by life, right in the chest, you tend to be guarded and look at things in a perspective never seen before. Therefore, the answers pile up and are not as pretty as you would want them to be. That, of course, is in the case of you having had an answer… 

I keep on questioning everything and everybody. I’m turning, some people say, a colder person. Maybe, maybe not. Who will question me and who will provide me the right answer? Do you have it? It will not suit me, guaranteed. I’m not you, your life is not my own and your books are not my choice. Do you go around life like me, hoping for something you won’t have? Why? I know why I am doing it, but do you know why are you? And are you happy with it? Than so be it. I’m not, that’s why I’m questioning myself through the words I am writing for you to read. Because, ultimately, you will give me an answer. 

AS CRIANÇAS DA GUINÉ-BISSAU

JOANA BENZINHO 
Hoje, e porque é a minha ultima crónica de 2017, vou falar-vos das meninas e dos meninos da Guiné-Bissau com quem me tenho cruzado ao longo dos últimos 8 anos naquele país. São crianças alegres, brincalhonas, sorridentes e generosas, mesmo quando o estômago pede por comida há longas horas e o corpo acusa o cansaço de diarreias, febres, lombrigas e outras doenças tais que, por lá, e à falta de um sistema de saúde capaz de dar respostas cabais, se curam com recurso à paciência, a ervas, chás ou até a cerimónias onde se invocam os Deuses para lhes levarem o mal. Estas crianças vivem com quase nada, ou mesmo absolutamente nada no que diz respeito a luz, fogão, frigorífico, banheira ou uma simples sanita com autoclismo. Isso seria um luxo impensável no seu contexto, em que a água que existe em casa é a dos baldes que vão buscar diariamente ao poço ou ao rio mais próximo. As meninas e meninos que apoiamos nas escolas financiadas pela ONG Afectos com Letras, ainda são algumas centenas, brincam com embalagens de lixívia vazias a que atam uns rolamentos e um corda e correm contentes rua fora, a despique com um ou outro pneu de bicicleta empurrada por um pauzinho roubado à lenha que serve para se fazer a fogueira onde a mãe coze o arroz do dia que irá alimentar toda a família. Se houver dinheiro este arroz pode levar um gostinho (cubo maggi) ou um caldo de peixe ou chabéu. Se não há dinheiro, come-se assim, cozido em branco.

Eles e elas brincam com bolas que improvisam com roupa velha enrolada, nos intervalos de ajudarem os pais na lida da casa, na horta ou na venda no mercado do pouco que tiram da terra. Também dançam com uma energia contagiante, logo que dois ou três batem palmas e quando, por sorte, aparece um djambé.

E cantam muito. E saltam. E mostram que a alegria pode estar ali onde não encontramos nada mais. 

Estas meninas e estes meninos guineenses também sabem o que é o Natal. Os cristãos, pelo menos, celebram-no e os não cristãos (muçulmanos, animistas ou outros) respeitam-no e conhecem-no. 

Mas por ali não imaginam o que é o consumismo, as lojas cheias de gente que se acotovela e briga pela ultima peça na prateleira, as filas nas caixas registadoras, as birras dos miúdos da sua idade quando o presente não é a desejada ultima versão de uma consola, por sinal parecida às outras duas que andam lá por casa aos tombos.

Sabem apenas ser reconhecidos quando, por esta altura, os pais ou na escola lhes dão um presentinho, que por mais humilde que seja, gera neles um sorriso de orelha a orelha e faz brilhar os seus olhos como poucas vezes vemos por cá. 

Não se aplica aqui o cliché do felizes com pouco, não é disso que se trata, mas sim o felizes e agradecidos com o que recebem. Que no caso, é mesmo pouco. Mas chega para lhes iluminar o semblante e ganharem o dia. 

Também eu fico bem mais rica cá no meu intimo ao testemunhar estes momentos únicos do modo de estar e de ser pequenino naquele país.

Para as crianças da Guiné-Bissau e para os leitores da BIRD Magazine deixo os votos de um Natal muito feliz de um 2018 bem melhor que este 2017 que agora deixamos.

domingo, 17 de dezembro de 2017

FAZER PARTE DE UMA ORGANIZAÇÃO SOCIAL É… AMAR!

ANABELA BRÁS PINTO
Em virtude dos factos recentes acontecidos com uma importante organização social em Portugal, gostava de dedicar algumas palavras ao tema.

Hoje, a fazer uma pesquisa (como faço frequentemente) de projetos de organizações sociais, percebi algumas coisas que estão implícitas ao nosso trabalho, mas que não são ditas. Uma delas é o AMOR com que trabalhamos por aquilo que acreditamos.

Na verdade, depois de procurar igualmente em bancos de imagens pela palavra “social” “direitos humanos”, fui ter a imensas imagens de reencontros (ou encontros) familiares, pessoas com o coração nas mãos, coração no coração, coração em todo o lado. Na verdade, é isso mesmo. Trabalhamos com o coração.

Há quem acredite que o trabalho numa organização social, para muitas pessoas, tem um pouco de egoísmo subjacente: necessidade de se provarem capazes, necessidade de se sentirem úteis. Pergunto eu: há maior grandeza do que a pessoa que nos procura porque quer ser útil? Porque quer fazer a diferença?

O verdadeiro voluntário, colaborador de uma organização social, apaixona-se por regra pelo trabalho que faz, pelas pessoas que segue, pelas crianças que forma.

As organizações sociais não são perfeitas. Funcionam com pessoas e logo, com as emoções, o turbilhão de comoções que cada um de nós traz ao trabalho social. Funciona de pessoas para pessoas e com pessoas e por isso, desde logo, o caldeirão de emoções alarga e dispersa. Mas este caldeirão de emoções traz também um enorme amor, e é isso que vou tentar lembrar sempre às pessoas que comigo colaboram.

Conflitos? Claro que há conflitos.
Desavenças? Claro que sim.

Há, no entanto, um fim maior, um propósito maior, subjacente não só às organizações sociais, mas a todas as organizações que se pretendem bem-sucedidas no nosso panorama social: chegar ao nosso público (seja ele qual for) e fazer com que fiquem contentes com a nossa entrega, com a nossa partilha, profissionalismo e generosidade.

E hoje aqui entrego o meu coração e o da minha equipa, que convictamente trabalha com o coração.

Hoje deixo também um mote para pensar: e se agíssemos todos mais com o coração? O que aconteceria?

Uma boa semana para si!


#ong #emocao #coracao #organizacao

DEIXEMOS ENTRAR A MAGIA

JORGE NUNO
Pululam casos sensacionalistas, felizmente, com tendência para a descoberta da verdade. No futebol, em vez do jogo jogado, rola a “bola” dos e-mails, em turbilhão, com inúmeros gigabytes, a revelar uma sucessão de escândalos e a fazer movimentar a Unidade Nacional de Combate à Corrupção, da Polícia Judiciária, a exigir trabalho extra. Dois comandantes de bombeiros a serem constituídos arguidos, no caso dos fatídicos incêndios de Pedrógão Grande, indiciados de crimes de homicídio por negligência e ofensas corporais; em vez de colaboração institucional, fica a ideia de terem sido (re)abertas hostilidades, com o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses a desafiar publicamente o presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil, para que divulgue casos “menos transparentes” que conheça, após o segundo ter anunciado que “irá ser reforçado o número de ações inspetivas (…) e promovidas acções de auditoria interna [aos corpos de bombeiros e associações humanitárias de bombeiros]”. Fruto de trabalho de investigação jornalística, fica-se a saber que, na Raríssimas - Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras, que nos últimos anos tem médias orçamentais superiores a quatro milhões de euros, dos quais cerca de 1,2 milhões financiados pela Segurança Social e pelo Ministério da Saúde, haverá fortes indícios de esbanjamento de recursos, com uso indevido de dinheiro da instituição para fins pessoais, elevadas compensações financeiras para a própria presidente, assim como “estranhas” ligações contratuais de assessores, a cobrar quantias excessivas, que levou o ex-secretário de estado da Saúde a pedir a demissão, e a que fosse pedido a demissão da respetiva presidente daquela instituição; o ministro do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social, fragilizado com este caso, pediu uma inspeção a esta Associação, com caráter urgente. Com outro trabalho de investigação jornalística, fica-se a saber da existência de uma rede de adoções ilegais praticadas pela IURD – Igreja Universal do Reino de Deus, a indiciar os crimes de subtração de menores, sequestro e tráfico de crianças; o Ministério Público abriu uma investigação a este caso. Volta à baila o caso da [falsa] seita “Verdade Celestial”, em que ficou provado, no tribunal, os crimes de abuso sexual de menores, com o líder e principal arguido a ser condenado a 23 anos de prisão efetiva, juntamente com mais cinco arguidos presentados com penas menores.

Há uma máxima num templo[1] no Japão que diz: “Não veja o mal – não oiça o mal – não fale mal”. Quem conhece minimamente a filosofia oriental, saberá que não é um apelo para que se assobie para o lado. Nesta época, em que predominam ampliados sentimentos de entusiasmo, excitação, entrega, generosidade… sob o poder regulador da vida – o amor – há como que uma anestesia natalícia. Focando-nos nas coisas positivas, seguramente, sentir-nos-emos melhor.


Vejamos, então, com outros olhos, pois, apesar de tudo, os ventos parecem de feição:


– A Santa Casa irá doar 27% das receitas dos jogos/apostas, na semana que antecede o Natal, para integrar um fundo destinado a apoiar as vítimas de incêndios (verba estimada entre 4 a 6 milhões de euros);


– O primeiro-ministro português foi integrado no “top ten” dos políticos europeus mais influentes. No “One Planet Summit” – cimeira sobre o clima, em Paris – garantiu a aposta nas energias renováveis; o ministro do Ambiente afirmou que Portugal assumirá o papel de “front runner” [linha da frente] na luta contra as alterações climáticas; outro português, António Guterres, no cargo de secretário-geral da ONU, concluiu a cimeira com um discurso apelando a que haja mais ambição, mais liderança e mais parcerias na luta contra o aquecimento global, pedindo aos líderes “que mostrem coragem a combater interesses instalados”;


– Uma imagem positiva externa levou a que o ministro das Finanças, deste pequeno país, tenha sido eleito para liderar o Eurogrupo;


– Depois de já ser considerado o “Melhor Destino Turístico da Europa”, Portugal foi agora considerado o “Melhor Destino Turístico do Mundo”, nos World Travel Awards (WTA) – prémio nunca conseguido por qualquer outro país europeu. Neste evento, Portugal arrecadou mais os seguintes prémios: Lisboa obteve o prémio “Melhor Destino para City Break” (estadias de curta duração); Parques de Sintra[2], pela quinta vez consecutiva, conseguiu o prémio “Melhor Empresa do Mundo em Conservação”; o Turismo de Portugal foi considerado o “Melhor Organismo Oficial de Turismo do Mundo”, assim como o seu portal oficial obteve o prémio de “Melhor Site Oficial de Turismo”; já a Madeira foi considerada o “Melhor Destino Insular do Mundo”;


– Entusiasmado com as citadas distinções atribuídas a Portugal, o ministro das Finanças referiu que seria bom, para os juros da dívida pública, o aumento do “rating” pela agência de notação financeira Fitch, a exemplo do que aconteceu com a Standard & Poor’s, que retirou a notação de crédito de Portugal da categoria “lixo”. Anunciou, também, a entrega de mais mil milhões de euros ao FMI, até ao final do ano, totalizando a entrega de 10 mil milhões de euros em 2017, que faz diminuir a dívida pública e aumentar a confiança em Portugal.

Escreveu a autora australiana, Rhonda Byrne[3]: “Se aconteceu algo de negativo na sua vida, pode alterá-lo. Nunca é tarde demais, porque pode sempre mudar a forma como se sente. (…) Todos os dias tem uma oportunidade para uma nova vida. Todos os dias está num ponto de viragem da sua vida. E em qualquer dia pode mudar o futuro – pela forma como se sente”. Conclui, na contracapa do mesmo livro: “Está na hora. Deixe que a magia entre na sua vida!”. E a magia entrou mesmo na vida de Celso Fonseca! Numa entrevista feita pela agência Lusa, divulgada pelo Jornal de Notícias, pode ler-se: “Português passa de sem-abrigo a recordista mundial de ultraciclismo”. É relatado que teve alguns acidentes e que reagiu mal às evasivas das seguradoras em Portugal. Assim, resolveu ir para o Reino Unido e trabalhou em Cardiff, País de Gales, em que uma das profissões exercidas foi a de segurança. Disse, na primeira pessoa: “Fui abusado pelo meu pai quando era criança (…). Tornei-me um sem-abrigo porque a minha cabeça ‘explodiu’. Tentei suicidar-me, mas agora estou a ser seguido por um psiquiatra. (…) Eu quero fazer a diferença. Pela primeira vez percebo que não fiz nada de errado”. Quando vivia nas ruas, diz ter-se entusiasmado com um vídeo das 24 horas de Le Mans (automobilismo) e pensou fazer o mesmo, mas em bicicleta. Viria a ser apoiado por uma cadeia de lojas de bicicleta e treinou arduamente. Acompanhado por oficiais da Associação de Ultramaratonas de Ciclismo do Reino Unido, apesar das dificuldades de alimentação e da baixíssima temperatura no dia da prova, a chegar aos quatro graus negativos, conseguiu percorrer 708 km, quebrando recordes mundiais nos 300 km (em 9:05:41 horas), 300 milhas (482,8 km, em 15:31:59 horas) e 500 km (em 16:08:33 horas). Acreditemos que a sua vida teve um forte impulso positivo. 


Saibamos mudar o futuro, individual e coletivo, e deixemos entrar a magia!

Um Santo Natal e uma vida melhor para tod@s.


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[1] Templo Xintoísta Toshogu Shrine (Séc. XVII), que faz parte do Património Mundial da Humanidade.
[2] Empresa com capitais públicos, sem recorrer ao Orçamento de Estado.
[3] In “O Poder”, ed. Lua de Papel, Alfragide (2010).

A SINA DO SENHOR ADÃO

LUÍS VENDEIRINHO
Do alto do seu metro e sessenta de ossatura, aos olhos água-marinha nada lhes escapava: os trocos quando comprava as notícias do dia, o silêncio dos vizinhos ante a sua saudação, o céu se prometia sol, ou chuva, os estendais do logradouro com as bandeiras do asseio, os lírios do jardim do bairro se floresciam, as rugas que o tempo ia desenhando quando não se reconhecia no espelho do lavabo. Não tinha agenda pessoal, nem calendário na parede da casa onde vivia. O telefone emudecera, a campainha da porta só dava de si se o carteiro aparecia com as facturas da água ou da luz, a colecção de postais não prometia herdeiro. Tinha no roupeiro um fato, que engomava quando era preciso, apenas para os dias do seu aniversário, quando soprava as velas sem ter presente quem o aplaudisse, ou para levar a público em dias de eleições, sem convicção, e orara para que fosse nele bem embrulhado, apenas com a medalha de serviço como bom soldado na lapela, depois da encomendação da sua alma, não sabia se merecida como a medalha. Regava os vasos que debruavam os lances da escada, cujos degraus eram a sua sina, punha migalhas de pão no parapeito da janela para os fiéis pardais, cujo matinal canto era a sua sina, fazia as palavras-cruzadas do jornal, cuja adivinhação era a sua sina. Dava esmola aos pobres, sonhava na companhia das músicas que o rádio de cabeceira destilava, ria-se do seu papel de soberano no reino das fantasias. Até ao dia em que comprou um bilhete premiado na tabacaria do bairro. O senhor Adão passou a ser saudado, pagava as contas próprias e do alheio, a sua opinião era tida em conta, e tinha já uma mula chamada mercedes que carregava as suas extravagâncias ante a admiração pública. Houve um dia em que as flores murcharam nos vasos da escada, em que os pardais deixaram de o visitar e o senhor Adão se achou no direito de não responder à saudação da sua pessoa. Quando um dia procurou no seu dicionário, que apodrecera entre bibelôs, o significado da palavra felicidade, e folheou, folheou, folheou e viu que pertencia a um mundo onde os lírios vingam no cimento e a chuva cai sobre os oásis. O senhor Adão queria morar no metro e sessenta, mas os seus olhos água-marinha eram já cinzas.

E ENTÃO É NATAL

LÚCIA LOURENÇO GONÇALVES
Foram-se os dias quentes e secos. As folhas das árvores, já coloriram nos tons outonais e formaram autênticos tapetes multicores pelos jardins e passeios da cidade, também o seu aroma adocicado nos transportou ao longo dos tempos. Nos trouxe saudades imemoráveis. Chegou o tempo de se renovar o guarda-roupa: peças mais quentes são imprescindíveis… e os guarda-chuvas são impossíveis de esquecer!

Ouve-se o uivar do vento na copa das árvores e nas esquinas dos prédios, observa-se a chuva a fustigar e a escorrer pelas vidraças, formando belas cortinas de cristal. É quase inverno!

Ao fim de semana, únicos dias em que há tempo, fazem-se bolinhos com aroma e sabor a canela, para acompanhar um chá quentinho e reconfortante… Delícia!

As ruas da cidade enchem-se de gente que ora falam animadamente, ora se atropelam apressadas nas suas lides. O movimento da cidade ganha nova vida, uma nova identidade!

Voltamos à época das lojas com músicas alusivas à época natalícia, às ruas iluminadas e adornadas com motivos próprios da época. Todo um ambiente de cor e brilho, que nos transporta para outra dimensão, para a dimensão do amor familiar.

Revivem-se os rituais e as tradições, que podem não ser muito diferentes, porém cada família tem as suas particularidades e vive esta época de uma forma particular e única. Afinal, depende de todos os ensinamentos e tradições que se acumularam ao longo dos anos.

As crianças, alegres, com os seus olhitos inocentes e curiosos, passam de fio a pavio, os catálogos das lojas dos brinquedos e, na tão vasta escolha que têm ao dispor, sentem-se extasiados. Indecisão... mas essencialmente magia!

O menu da noite mais doce e calorosa do ano, executando um pormenor por outro, é muito parecido. A diferença principal reside na forma como cada um, vive esta época repleta de ternura.

E eis que chega a noite do dia 24 de dezembro. A casa é aquecida, a mesa posta com esmero e carinho, a família reunida à volta, brinca descontraída e brinda a mais um ano em que o amor os une no mesmo local, com o mesmo objetivo: estarem juntos pelo prazer de o estarem, pelo amor que nutrem uns pelos outros… E então é Natal!