SÓNIA MAIO |
Desde que sou adolescente, e até aos dias de hoje, que o meu pai me trata carinhosamente por Júnior.
“- Olá Júnior!”
“- Bom dia, Júnior.”
“- O que é que andas a fazer Júnior?”
Estranho é ouvi-lo dizer o meu nome, Sónia.
O nome que escolheu para mim e que utiliza de forma moderada.
Por norma, usa-o quando precisa de alguma coisa ou o assunto é sério.
Um assunto sério é, por exemplo, precisar de ajuda para configurar os canais da televisão que por vezes aparecem desconfigurados sem que ninguém saiba porquê…
“- Oh Sónia, vem cá ajudar-me com os canais da televisão!”
Quando o motivo do chamamento é grave oiço claramente o meu primeiro e segundo nome.
Paro. Tremo. Penso. Encaminho-me na sua direção. Aguardo que me diga o que pretende e só depois, de olhos muito abertos, me lembro que já sou adulta.
Momento instantâneo que passa rapidamente.
Cresci, envelheci e o tempo passou por mim mas só por fora. Por dentro, permaneço praticamente igual.
Olho para ele e volto a ter oito anos. Sou pequena, criança, volto à infância.
Entre muitas outras coisas, a ele devo a paixão por documentários sobre história, o seu tema preferido, e o meu encantador aspeto físico, herança que à nascença me deixou.
Sou muito parecida com ele.
O meu cabelo escuro, os meus olhos castanhos e a minha pele morena, a ele os devo.
O orgulho que sinto da pessoa que sou é o reflexo do que os seus olhos me devolvem.
Conseguiu alcançar um dos maiores feitos de um ser humano: dar vida a outro ser humano!
Quando vou lá a casa e ele não está, ao chegar, costuma saudar-me com um “- Estás cá hoje?”.
Ainda que eu lá tenho ido a casa ontem, anteontem e ele saiba perfeitamente que amanhã volto.
Parece sempre surpreendido.
Como se nunca estivesse à espera de me encontrar.
“- Vim lanchar.” – digo quase sempre.
“- Mas por que é que estás descalça? Olha que te constipas.” – questiona ao olhar bem para mim.
Não respondo e desato à gargalhada.
A resposta parece-me óbvia: vim lanchar descalça porque tal acontecimento torna o meu mundo praticamente perfeito!
Às vezes não vou. Não estou. Por vezes…
Alegre, ao ver-me, sorri sem cessar.
Já não moramos juntos mas estou quase sempre lá.
Em casa.
Quando me vou embora e me despeço costuma dizer-me:
“- Porta-te bem, Júnior!”
“- Eu porto-me sempre bem.” – respondo.
Olho para ele, sorrio, viro costas, abro a porta da rua e obedeço.
Dias há em que insiste em levar-me a casa porque já é de noite.
Argumento que não tenho medo da escuridão mas não me dá ouvidos.
Digo que não é necessário, mas sem sucesso.
Segura-me pelo braço e duas ruas depois despede-se com um “- Estás entregue. Até amanhã.”
Tempos houve em que em vez de me segurar pelo braço me esperava ao fundo da rua da escola para me ver sair do portão e então de mão dada levar-me para casa.
Continua a perguntar-me como correu a escola e se as aulas decorreram bem.
Às vezes parece que o tempo não passou.
Por tudo isto, para mim, o dia de hoje não é mais importante que o de ontem.
Ontem foi uma bênção, hoje um privilégio e amanhã tenho a esperança que tudo se repita.
Amanhã volto.
Voltarei sempre.
A casa.
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