A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro tem, ao longo dos últimos anos, desenvolvido um conjunto de investigações na área da vitivinicultura, ou não estivesse a academia sediada numa região onde esta prática é umas das principais culturas. A região do Douro é considerada única pelas suas caraterísticas climáticas e pelas castas que são utilizadas, produzindo vinhos únicos a nível mundial.
No entanto, já pensou que pode estar a beber um vinho completamente diferente da informação que vem no rótulo da garrafa? Já imaginou o Douro com um clima similar ao do Alentejo?
Na tentativa de dar resposta a estas e outras questões, a Bird Magazine foi conversar com os responsáveis de dois projetos inéditos, que já fazem sucesso além-fronteiras.
O primeiro ponto de paragem da nossa reportagem é no Departamento de Genética e Biotecnologia da UTAD.
Paula Lopes, UTAD DR |
Encontramos Paula Lopes, professora na academia há mais de 20 anos, atualmente responsável por um projeto que visa contrariar a contrafação dos vinhos no mercado internacional. Com esse objetivo surge, em 2007, uma investigação com vista ao desenvolvimento de um método de identificação de castas, recorrendo à extração de DNA do vinho de uma garrafa, no mosto, no lagar ou ainda na videira, um processo que permite detetar essas falsificações.
A investigação na certificação das castas do vinho inicia-se com o projeto – “Genómica aplicada à traceabilidade do vinho português da uva ao consumidor” – financiado com uma verba de 132 mil euros pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
Este método, já patenteado, permite confirmar se o rótulo corresponde ao que está no interior da garrafa de vinho, detetando falsificações ou fraudes.
Mas afinal, como se pode distinguir as castas das videiras, já depois da uva transformada em vinho?
Um dos passos de extracção do DNA a partir do vinho DR |
Para desenvolver o projeto foi necessário, em primeiro lugar, criar protocolos eficazes de extração de DNA a partir de amostras de mostos e vinhos: “Estes protocolos foram os primeiros a serem desenvolvidos e como visavam a extração de ácidos nucleicos, conseguiram ter acesso ao DNA cloroplastidial que é mais pequeno que o DNA genómico e logo mais fácil de extrair. No entanto, isso não implicava que não tivessem DNA genómico, poderia estar presente em menor quantidade que não lhes permitia detetá-lo”. Tal protocolo levou à atribuição de uma patente ao estudo, que poderá facilitar a venda ou a aplicação exclusiva do mesmo, pelo menos para um período de 10 anos. “Se quiserem aplicá-lo terão que, impreterivelmente, pagar royalties à UTAD, que é a detentora da patente”, explica Paula Lopes.
A entrevistada referiu ainda que este processo de identificação de castas está a despertar a atenção de empresas ligadas ao ramo: “Existe um grande interesse por parte da comunidade vitivinícola, pois esta tecnologia tem importância ao longo de toda a cadeia de produção. O interesse pode ser confirmado pelas parcerias que temos com a Sogrape e com a Real Companhia Velha”, exemplifica.
Ana Rita (esq.) e Raquel Queirós (dt.), membros da equipa de investigação DR |
Em março de 2012 os investigadores do laboratório da UTAD, inserido no Instituto de Biotecnologia e Bioengenharia, avançaram com uma segunda fase do projeto, o “Wine Biocode”, que conta com uma verba de 178 mil euros da FCT e tem como objetivo quantificar quanto de cada casta foi utilizado em determinado vinho. Em declarações à nossa reportagem, Paula Lopes salienta que os resultados desta nova investigação “são ainda promissores, pois estão a desenvolver um biossensor para permitir detetar as castas presentes de uma forma mais célere e métodos que permitam quantificar as castas presentes nos vinhos”.
Para além da divulgação a nível da comunicação social, em conferências e outros eventos, o trabalho desta equipa de investigação conta já com dois prémios: Em fevereiro de 2011, uma menção honrosa pela comunicação em painel efetuada nas III Jornadas Nacionais de Genética e Biotecnologia e, em dezembro de 2009, um incentivo para a inscrição de uma patente Internacional através da Linha de Apoio à Internacionalização de Patentes (LAIP), atribuído por decisão do Conselho Diretivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
“A nossa investigação tem trazido reconhecimento à UTAD, pois trata-se de uma área em franco desenvolvimento e com interesse para alguns grupos económicos. Esta abordagem permite o controlo do produto desde a vinha até à garrafa, o que protege os produtores e consumidores”, remata a investigadora.
Rumamos até ao segundo ponto de paragem da nossa reportagem, no Centro de Investigação e de Tecnologias Agroambientais e Biológicas, (CITAB), da UTAD.
Sabia que até 2070 a temperatura média na região do Douro subirá quase 4 graus? Quais as implicações para as produções vitivinícolas?Estudo inédito a nível mundial, foi selecionado para uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo, exatamente por investigar estas questões.Para nos falar um pouco mais sobre o projeto – “Zonagem bioclimática de alta resolução das regiões vinícolas portuguesas: presente e cenários futuros” – estivemos à conversa com Hélder Fraga, doutorando do CITAB, com um professores orientadores do projeto, João Santos e ainda Jorge Costa da Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID).
Hélder Fraga, UTAD DR |
“A eventual transformação das características dos vinhos portugueses, tal como são conhecidos, em menos de 30 anos, é apontada como uma provável consequência das alterações climáticas, caso não sejam tomadas medidas de adaptação”, adverte Hélder Fraga.
Este aumento da temperatura pode fazer com que muitas das regiões portuguesas possam ter condições para uma maturação mais rápida ou deficiente, com consequências na produção e na qualidade do vinho. “A tipicidade do próprio vinho vai ser alterada e poderão ficar mais desequilibrados, sendo um desafio para os enólogos. Aquilo que nós verificamos é que a temperatura pode atingir uma média de 3,5 graus de subida de 2041 a 2070”, indica o investigador.
Porém, João Santos refere que os resultados estão longe de ser alarmistas: “Na verdade, até mostram alguns aspetos positivos para a viticultura portuguesa, principalmente em regiões de climas mais frescos e húmidos, que poderão vir a ser beneficiadas. Outras regiões, já atualmente muito quentes e secas, como é o caso do interior alentejano e do Douro Superior, que já apresentam importantes stresses hídricos e térmicos na vinha, poderão ser prejudicadas por um clima tendencialmente mais quente e seco nas próximas décadas, como é de resto bastante compreensível”.
João Santos, UTAD DR |
Neste trabalho, os investigadores analisaram o clima em todas as regiões de Portugal Continental entre 1950 e 2000. Depois, utilizaram essas bases de dados históricos para calcular os índices bioclimáticos permitindo averiguar, por exemplo, a secura de uma região ou qual a casta que melhor se adapta ao clima de um território específico.
Pela primeira vez, a nível mundial, o CITAB analisou uma base de dados climáticos do território de apenas um quilómetro quadrado, quando normalmente a área examinada é de 25 quilómetros quadrados: “O estudo é inovador no sentido em que não existiam até agora projeções climáticas com esta resolução (1 km) e robustez (13 modelos climáticos)”, explica Hélder Fraga. Esta zonagem permite assim a obtenção de resultados mais rigorosos.
Face às medidas que serão necessárias tomar para evitar danos ao nível da produção vitivinícola, João Santos recorda que “a implementação de sistemas de rega na viticultura não é de hoje. Já existem muitas explorações agrícolas, principalmente a sul, que já fizeram este processo de adaptação. Com efeito, sem essa irrigação seria virtualmente impossível já nas condições climáticas atuais ter produtividades vitivinícolas economicamente sustentáveis”, expõe.
Estudo prevê aumento da temperatura em todo o país DR |
Quanto à questão de ter sido escolhida uma amostra tão longínqua no tempo (2041 a 2070), Hélder Fraga diz que “o período escolhido tem a ver também com a disponibilidade de dados, tendo como base o 4º relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) e os cenários socioeconómicos futuros lá desenvolvidos”.
Confrontado com a possibilidade de a região do Douro poder vir a perder alguns dos seus vinhos, João Santos esclarece que “a região do Douro apresenta elevada plasticidade na adaptação às alterações climáticas, pela diversidade de microclimas e de castas, algumas autóctones, e que se podem revelar no futuro peças fundamentais para a sobrevivência e até fortalecimento da região”.
Jorge Costa, engenheiro agrícola da ADVID, uma das associações parceiras neste projeto, destaca a importância deste estudo: “Estando a cultura da vinha muito dependente das condições climáticas verificadas ao longo dos anos, este trabalho torna-se de grande utilidade para os vitivinicultores da Região do Douro pela disponibilização de informação de previsão climática que poderá ser utilizada na gestão vitivinícola de forma a adaptar a sua atividade e intervenção às condições previstas para a localização das suas vinhas bem como para toda a região”.
Dois projetos inéditos, com notoriedade reconhecida a nível mundial, que mostram como a academia transmontana tem vindo a crescer ao nível da investigação científica, valorizando o Douro e as suas culturas, património da humanidade.
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