A Assembleia da República iniciou na passada quinta-feira, 31 de outubro, o debate na generalidade da proposta do Governo de Orçamento do Estado (OE) para 2014, numa discussão que se prolongou até sexta-feira. Depois da apreciação na proposta de lei na generalidade, segue-se um período de duas semanas para a discussão na especialidade com os ministros de cada setor.
Pensionistas e funcionários públicos são os que suportam parte significativa da austeridade já contestada pelos partidos da oposição.
Afinal, com o que podem contar os reformados e funcionários públicos em 2014?
Uma das novidades para o novo ano é a mudança da idade de acesso à reforma. Quem nasceu em 1949 e tiver 65 anos tem de ficar mais um ano no mercado de trabalho, subindo assim a idade da reforma para os 66 anos. Este é o resultado da alteração na fórmula de cálculo do fator de sustentabilidade decidida pelo Governo, com um corte implícito nas pensões pedidas em 2014 para 12%, de acordo com a nova tabela salarial da função pública.
Os cortes já
efetuados aos pensionistas
Para Miguel Moreira, aposentado há 3 anos, “o valor dos cortes ultrapassa já os 300 euros mensais”. Entre o agravamento do IRS, contribuição extraordinária de solidariedade, aumento dos descontos para a ADSE, o ex-docente de História conta com “uma quebra da pensão, em termos líquidos, de cerca de 16%”.
José Lessa 63 anos - aposentado |
José Lessa, aposentado da função pública,
reformou-se com 50 anos de idade e 35 de serviço, os limites na altura pedidos,
e sem penalizações, pois o tempo no Ultramar, onde esteve, valia a dobrar. Nos
últimos dois anos sofreu cortes sucessivos no valor da sua reforma: “comecei
por receber 1.200 euros, sendo que agora estou a receber 1.080 euros, uma
diferença de 120 euros mensais”.
Miguel Moreira 63 anos- aposentado |
Para Miguel Moreira, aposentado há 3 anos, “o valor dos cortes ultrapassa já os 300 euros mensais”. Entre o agravamento do IRS, contribuição extraordinária de solidariedade, aumento dos descontos para a ADSE, o ex-docente de História conta com “uma quebra da pensão, em termos líquidos, de cerca de 16%”.
Para além dos acertos já efetuados, o Executivo
de Passos Coelho pretende ainda eliminar uma norma que protegia as pessoas com
carreiras mais longas. “Quem aos 55 anos de idade tivesse mais de 30 anos de
serviço tinha direito a um desconto de 6% nas penalizações por cada três anos
que excedessem os 30 anos de serviço”, bonificação que cairá em 2014, segundo o
Relatório Preliminar do Orçamento de Estado (RPOE).
Estarão
os funcionários públicos preparados para as mudanças?
Serafim Files 44 anos - professor |
Serafim Files, professor, é da opinião de que “os nossos políticos mandam cá para fora umas indicações, para mais tarde poderem dizer que não é bem assim”, opinião que é confirmada por Ercília Costa, também ela professora: “primeiro a notícia bombástica, sem grandes esclarecimentos, e depois o Governo que aparece mitigando a informação, dando a ideia que não será tão mau como se disse.”
Uma das propostas para 2014 é o aumento da idade da reforma numa relação direta com o aumento da esperança média de vida dos portugueses – o chamado fator de sustentabilidade, que liga o valor das novas pensões à esperança média de vida e dá alternativa aos trabalhadores: “ou se mantêm ativos por mais tempo ou têm cortes no valor da pensão”.
Maria Anacleto 62 anos - aposentada |
Maria Anacleto, aposentada
da função pública, é contra esta proposta: “eu pedi a reforma antecipada, aos
56 anos, exatamente, por me sentir cansada”.
Serafim Files vê nessa
proposta grandes represálias, sobretudo para a classe docente, “não imaginando
um professor a dar aulas aos 66 ou 68 anos”, colocando em causa a falta de “paciência
e lucidez necessárias ao docente em sala de aula”, caso a medida avance.
Ercília Costa 53 anos - professora |
Ercília Costa admite que “para além
do decréscimo da qualidade dos serviços prestados, como na classe docente”, o
fator de sustentabilidade levanta ainda outro problema: “aumentar a idade da
reforma significa que os trabalhadores vão estar mais anos no ativo, o que adia
a possibilidade dos jovens acederem a esses postos de trabalho, gerando mais
desemprego”.
Igualdade
ou privilégio?
Segundo o RPOE para
2014, “os trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos, juízes e diplomatas
jubilados não sofrerão cortes nas pensões de velhice e invalidez, ficando ainda
de fora da contribuição extraordinária de solidariedade”.
Miguel Moreira é da
opinião de que “o Governo deveria acabar com essa classe de elites, que têm
pensões e subvenções elevadíssimas por uma dúzia de anos de trabalho, para as
quais não fizeram os devidos descontos, e continuam com elas à custa dos
contribuintes”.
Para Ercília Costa “deveriam ser
esses altos funcionários a não concordarem com os regimes de exceção, como
reação a este ataque aos mais necessitados, aos que auferem baixas reformas”,
exemplifica.
Abel Coelho, reformado
da função pública, vê nessas regalias “um outro desequilíbrio patente na sociedade
portuguesa, tal como o diferencial entre o subsídio de desemprego e o ordenado
mínimo que é pequeno, tornando-se desincentivador na procura de emprego”.
O
funcionário público da contemporaneidade
O Orçamento de Estado
para 2014 refere ainda que “os reformados que trabalhem para organismos
públicos deixam de poder escolher entre receber o salário ou a pensão,
consoante o mais favorável, sendo obrigados a ficar com o salário”.
A função pública
reivindica todos os cortes previstos em cima da mesa, “não admitindo continuar
a ser o `bode expiratório`”, tal como refere Serafim Files.
Abel Coelho recorda a
infância, “onde o funcionário público era o tipo zeloso, protetor e protegido
do regime”, algo que tem vindo a mudar ao longo dos últimos tempos, a crer pelo
número de greves agendadas
pelos sindicatos da Função Pública.
Anabela Borges 43 anos - professora |
Anabela Borges, professora no
ensino público, refere que “se tivesse um outro trabalho à sua espera, com um salário
equivalente ao que recebe atualmente e que não lhe implicasse grandes despesas
de deslocação, deixaria de ser funcionária pública, amanhã mesmo”, o que vem atestar
a debilidade do sistema público, tão pretendido em outros tempos.
Função
Pública em clima de incertezas
A descrença na
sustentabilidade do fundo de pensões da Caixa Geral de Aposentação e da
Segurança Social leva a que muitos portugueses comecem a investir em soluções
de poupança em regime privado, em bancos ou seguradoras, por exemplo.
Serafim Files afirma
conhecer alguns desses produtos e, caso lhe dessem oportunidade de escolha
entre descontar para a Caixa Geral de Aposentações ou amealhar pessoalmente o
valor do desconto, o professor do Ensino Especial ficava-se pela segunda opção:
“cada vez mais acredito que estamos condenados a daqui a uns anos não ter dinheiro
para pagar reformas a ninguém”.
Anabela Borges é da
mesma opinião: “neste clima de incertezas, não há garantias de que o dinheiro
que desconto mensalmente me seja atribuído futuramente, para que eu tenha uma
reforma digna”, remata.
António José Seguro, secretário-geral do PS, é da opinião que “ninguém acredita queeste orçamento vai tirar o país da crise”, o que conduz a sociedade portuguesa a um clima de instabilidade social, comprovado pelos entrevistados. Aumento da idade da reforma, aumento dos cortes nas pensões e nos salários dos funcionários públicos, são fatores que contribuem, ainda mais, para um clima de incerteza por parte dos cidadãos portugueses.
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