J. EMANUEL QUEIRÓS DR |
Vendida ao povo como uma inevitabilidade para quem 'viveu acima das suas posses' e como um tempo cheio de oportunidades, a crise, desenhada para suprir a falta de liquidez no sistema financeiro mundial, foi atempadamente montada como uma encenação ao país para esconder o salvamento de grandes interesses instalados e o colapso financeiro da banca.
Quando o tema passou a entrar no quotidiano dos portugueses vinha embrulhado no endividamento das famílias e nos seus gastos excessivos, como se as pessoas fossem perdulárias, esbanjadoras e trouxas e o Estado fosse o seu pronto-socorro. Estava criado o ardil para passarem em claro os grandes interesses privados residentes no Estado em serviços prestados, em alienações e PPP’s, e vinham longe os enormes rombos dados aos bancos pelas suas administrações tal como desencadeado no BPP, no BPN e no BES, sob o olhar atento do Banco de Portugal.
Os apertos impostos a Portugal pelos credores internacionais (FMI, BCE e EU) traziam destinatários preferenciais, como forma de endireitar as contas do Estado e dinamizar a economia: trouxeram cortes nos direitos sociais dos cidadãos e desqualificaram direitos laborais, alguns merecedores de reprovação pelo patronato; retiraram serviços fundamentais às populações carecidas e aumentaram a precariedade aos mais desfavorecidos; convenceram as pessoas de que o problema do país estava nos funcionários públicos e que estes haviam de ser pasto fácil para todos os rateios; atalharam a irreverência juvenil, a sua frustração com o país e o descontentamento social, propondo a emigração como via para a sobrevivência dos mais capazes. No entanto, mantiveram todos os privilégios do Estado aos partidos, reforçaram as mordomias aos políticos, e levantaram o biombo necessário para que os grandes interesses privados que o Estado ajudou a crescer prosseguissem na dependura do Estado e do país, sem afectação de monta.
Quando integrado na campanha eleitoral para as europeias de 2014 pela coligação Aliança Portugal (PSD-CDS), o luxemburguês Jean-Claude Juncker, entretanto já empossado presidente da Comissão Europeia, deixou escapar à comunicação social uma verdade que deveria envergonhar qualquer político europeu e suscitar a indignação pública em qualquer outro país mais atento. No entanto, convencido, certamente, da pouca inteligência ou atenção dos portugueses, aquele treinado político europeu, usando um argumento capaz de transbordar no orgulho das massas eleitorais que se deixam tanger pela inflamação de alguma nota patrioteira, foi claro ao referir que o plano de resgate aplicado pela troika a Portugal «teve como consequência duros sacrifícios pagos pela população, em geral, e pelos mais fracos». (sic)
Querendo fazer chegar ao bolo eleitoral português o reconhecimento de uma certa Europa que age sem consideração pelas pessoas mas a quem fala ao coração em momentos pré-eleitorais, Juncker implicitamente favoreceu a insurgência de um debate decisivo para a «Europa dos cidadãos» e a construção do modelo social europeu centrado na questão seguinte: além do crescimento das fortunas dos mais abastados, de que servirá ao cidadão comum uma Europa a promover o aumento do desemprego, a diminuição do poder de compra e a cavar maior fosso entre cidadãos, aplicando castigo aos ‘mais fracos’ com políticas que convocam à pobreza, à fome, à exclusão e à emigração?
Temos vindo a dar grandes exemplos colectivos de fé, à Europa e ao Mundo, sem dúvida, agora cega quanto baste, continuando a acreditar estóica e patrioticamente em quem mais nos há de enganar.
Sem comentários:
Enviar um comentário