terça-feira, 9 de setembro de 2014

SER PROFESSOR: UMA ESPÉCIE DE FRAUDE


Estamos a 8 de setembro e, exatamente daqui a uma semana, recomeçam as aulas. E, ao escrever assim
REGINA SARDOEIRA
DR
“recomeçam”, acentuando aquele prefixo –re, noto que não me anima qualquer entusiasmo: sinto-me absolutamente neutra. 

Não costumava ser assim. Em cada ano, após o período de férias, setembro provocava-me uma certa expectativa, um desejo secreto de começar, de experimentar estratégias, de inventar recursos, sentindo que qualquer coisa de útil e de bom iria acontecer na escola, comigo e com os alunos,

O ano letivo que terminou, em Julho de 2014, mostrou-me que não interessam as expectativas, que o melhor é fazer de conta que o tempo parou e que, quando chegar às salas de aula e olhar as turmas que me couberam na sorte, farei o que o momento me ditar. Assim mesmo.

Que ninguém pense que este meu estado de apatia e desânimo resulta de desmotivação minha, relativamente ao cerne da disciplina que leciono ou de cansaço, por não ser, exatamente, uma jovem professora. Não. As razões são outras e começam no estado degradado e miserável em que se encontra o nosso país, caminhando às cegas para nenhures, liderado por um bando de incompetentes corruptos. Reparem: «incompetentes» e «corruptos», dois adjetivos, interligados como tem que ser.

São eles que têm dilacerado a nossa autoestima de portugueses e destruído todos os recursos, capazes de nos darem o orgulho de sermos quem somos. A onda de dilapidação atingiu todos os setores e apanhou, na sua teia nefanda, o que é, definitivamente, a base de qualquer sociedade, desde que somos animais civilizados: a educação.

Precisamente, a educação, a pedagogia, o ensino, a função dos professores e da sua razão de ser, os alunos, essa equação sem resultado à vista.

Regressando aos governantes, direi que eles destroem, consciente e deliberadamente, o sistema de ensino porque sabem que, se os jovens, verdadeiramente, aprenderem na escola a disciplinar o pensamento, a perceber o mundo que os cerca e a construir as ferramentas intelectuais para serem os líderes do futuro, verão também o logro em que os enredaram e não pactuarão com ele.

E assim, tudo o que ensinamos, nós, os professores, é matéria, útil para fazer testes e exames, é matéria que se decora ou se pratica até poder ser debitada, automaticamente, e depois, quando foi atirada para as folhas das provas, é imediatamente descartada. O que fica? Quase nada.

Disse-me isto mesmo um jovem que acaba de entrar na universidade, que foi dos melhores alunos que conheci e, no entanto, admitiu, com honestidade, que nada do que aprendeu lhe revelou qualquer valor prático, à hora em que terminou o ensino secundário. E eu sei – ele ainda não! – que, na universidade, se não trabalhar por si próprio e apenas ficar à espera da explanação sapiente dos mestres e dos trabalhos que eles ordenarem, chegará ao fim do curso… isso mesmo: um analfabeto funcional.

O nosso mundo, a nossa cultura estão, neste momento, pejados desse tipo de analfabetismo que grassa em todas as áreas, Há gente que escreve livros e, contudo, não sabe escrever e nada de importante tem para dizer; há gente que faz música e canta, sem fazer ideia do que é a música e, sim, há professores que dão aulas, porque é esse o seu trabalho: mas não têm a menor noção de que tudo o que debitam na sala de aula é um amontoado de inutilidades.

Ora eu tomei consciência da fatuidade do meu mister, sei que absolutamente nada do que eu diga ou faça nas aulas faz o mínimo sentido para os alunos – a não ser que terão testes, mais tarde ou mais cedo, e serão avaliados, e que, depois, serão confrontados com um exame que terão que realizar para andarem em frente. Reparem na repetição do tempo futuro nos verbos que usei, como se o presente (quer dizer, o dia a dia, o hora a hora dos tempos letivos) não tivesse o mínimo significado.

Por essa razão, a atenção dos alunos nas aulas é praticamente nula, eles sabem que mesmo não ouvindo o professor podem estudar na véspera os assuntos que sairão no teste e debitá-los, sem problemas, num padrão pré-conhecido. Sabem também que podem, com facilidade, consultar as cábulas contemporâneas escritas nos sofisticados telemóveis (que adianta fazermos com que eles ponham um sobre a secretária, se a regra, praticamente geral, é possuírem outros e usá-los de forma tão hábil que o professor – apenas um, entre 30 alunos – dificilmente descobrirá a fraude?) e que enviar um sms para o colega do lado lhe dará a resposta das questões que ignora! Sabem uma série de estratagemas com os quais iludem o professor incauto, pronto a afirmar que este ou aquele aluno estudou e recuperou quando, na certa, aprendeu a copiar e salvou, desse modo, o ano! Que se iludem a si próprios, achando que as classificações, mais ou menos elevadas que os alunos vão obtendo, se devem à sua excelência de docentes, quando o que eles estão a fazer na sala de aula é apenas repetir um estribilho padronizado que serve ao cumprimento dos pogramas e habilita o aluno a fazer o exame estereotipado.

Provavelmente não acreditam em mim: e eu lanço-vos um repto – informem-se! Se têm filhos, passem um olhar atento sobre os programas, as matérias dadas ou a dar, os manuais, as provas; se estão na área da docência, analisem com autenticidade aquilo que lecionam…enfim, façam um estudo e concluam.

Eu, porque já fiz o meu e tirei as conclusões inerentes, começo o meu ano letivo absolutamente em ponto morto, neutra, sem qualquer expectativa positiva. Lá, bem no fundo de mim, talvez cintile uma esperança ténue de que possa vir a acontecer, ainda, uma espécie de milagre! Veremos.

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