Oh, que saudades eu tenho do tempo claro e limpo em que o céu todo se descobre e deixa ver mais longe!
Oh, que saudades dos alvores transparentes como tules, dos pássaros em infindos desafios e dos entardeceres lentos como marés que se espraiam sem canseira de rebentar.
Oh, que saudades da claridade das serras ao longe!
Já não sinto o calor dos raios solares, límpidos e directos, a incidir-me na pele desejosa dessas dádivas celestes. Já não sinto as estações como elas se usavam transmudar, nem de que matéria se fazem, não sei da certeza dos dias sem consultar o calendário. Não sei se é Verão ou se é Primavera, porque nestas estações faz Outono todo o tempo. Só não me engana o Inverno, que, quando se instala, vem sempre para ficar. O Inverno permanece, as outras estações brincam de esconde-esconde.
O calendário diz-me que estamos entrados no Outono, mas, na verdade, já lá estávamos há muito, como num espanto que não desaparece, como num ano em que não cabe o Verão, metidos que fomos numa bolha de ar morno onde trovões, ventos e chuvas desabam tropicalmente numa acesa rebentina, tudo baço em volta, baço de um branco fosco, uma borrasca que não deixa ver além.
E o Verão, que é feito?
Oh, que saudades eu tenho!
E já estou a ficar saudosa e piegas demais, como diz no poema de Casimiro de Abreu: “Oh! que saudades que tenho / Da aurora da minha vida, / Da minha infância querida / Que os anos não trazem mais!”
Lembro-me de quando era adolescente, de passar uma boa parte das férias grandes em casa a ler, a escrever, a desenhar, ou a ver televisão (sempre fui muito do refúgio do lar, continuo a sê-lo), enquanto o resto da família e a vizinhança andava num vai-vém, num dentro e fora e em passeios e saídas, como é típico dos dias quentes. Lá fora, fazia um sol de estio, claro, límpido e quente, um sol descoberto que inundava tudo de luz e cor. Era um sol que aquecia sem queimar. Pelo menos, é assim que me lembro dele. Lembro-me que, ao fim de umas duas horas seguidas dentro de casa, como era o tempo de vestir pouca roupa, começava a ficar com frio nos pés e nas mãos. O tempo era bom, era quente, mas não queimava. Então, era só chegar-me à varanda ou ao terreiro inundados de sol e deixar-me lá estar por um tempo a beber aquele calor. Era um sol que me aquecia o corpo, entrava-me na pele, que do contraste que trazia do interior da casa, ficava ao início cheia de pequenos pontilhados, pele-de-galinha. Era um sol que me fazia cócegas no peito, inundava-me a alma de boa-disposição, iluminava-me o cérebro de ideias bonançosas.
Lembro-me de começarem as aulas e, em Outubro, um sol pálido pedia um casaquinho de malha à sombra, num arrepio de pele e os dedos dos pés arrefeciam, a querer despedir-se das sandálias de couro para darem a vez aos ténis de pano. As botas vinham mais tarde, e o Inverno que chegava não era de brincadeiras – era muito frio e rigoroso, mas cumpria as leis do calendário, ia embora quando fosse de ir. Agora, ando de botas quase o ano inteiro, e quando não calha em pleno Verão…
Aquela luz era cheia de uma claridade limpa e quente, que me deixava com uma felicidade tamanha, difícil de explicar.
Era o que me apetecia agora.
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