RAQUEL EVANGELINA |
Quem me conhece sabe que sou fã de viagens. O nosso país é bonito e culturalmente rico, já para não falar na gastronomia e na genuinidade das nossas gentes, e tem muito para oferecer a quem o quer visitar. Sempre que posso faço uma escapadela por alguns pontos mas gosto mesmo de ir para sítios em que a língua, os usos e as gentes são diferentes. Onde nada me seja familiar. Gosto de ser a estrangeira. De ver e explorar o que o mundo me tem a oferecer. Nem sempre foi assim. Já fiz parte do grupo de pessoas que achava que viajar era coisa de rico. Que ir para o estrangeiro era só mesmo para quem tinha possibilidades acima da média e definitivamente superior às minhas. Um dia, após insistentes convites para casa de conhecidos na Suíça, decidi fazer contas de quanto me ficaria ir lá. A viagem até nem ficava muito cara. Arrisquei, juntamente com um casal amigo e assim aos 23 anos andei pela primeira vez de avião. A partir daí estabeleci a meta de conhecer pelo menos uma cidade nova por ano. As companhias aéreas de baixo custo têm sido as minhas melhores amigas. A cada viagem nova que faço trago aventuras e histórias para contar sempre com um brilhozinho no olhar. O meu avô dizia que “Mais vale um bom andante que um bom estudante” e, apesar de ser completamente a favor dos estudos e da educação, concordo plenamente porque a pessoa que volta de uma viagem não é a mesma que foi. Já fiquei em hostels, casas de pessoas chegadas e não tão chegadas, estas do segundo grupo ofereceram estadia e eu só para poupar dinheiro aceitei sempre, mesmo à descarada. Também já viajei em trabalho. Para sítios que se calhar em lazer não teria ido mas assim fiquei a conhecer. E sempre que volto de uma já estou a pensar onde será a próxima. Houve lugares que me surpreenderam pela minha falta de expectativa e outros que me desiludiram um pouco. Mas nunca me arrependi de ter conhecido um lugar. Mesmo assim achava que ainda não tinha sido desafiada o suficiente. Apesar do meu ar aventureiro e de pensar muitas vezes em viajar sozinha ainda não tinha tido a coragem de sair da zona de conforto e arriscar. E quando falo em viajar sozinha não digo em ir sozinha para casa de alguém. Digo sim, ir para um sítio em que não tenha quem me conheça ou me acuda. Testar os nossos limites e a nossa capacidade de nos desenrascarmos. Finalmente dei esse passo em Janeiro. Fui até Berlim. E porquê a Alemanha? Ponto 1 – As viagens estavam baratas. E isto é sempre um fator que pesa bastante nas minhas decisões. Ponto 2 – A Alemanha é um país relativamente seguro. Se dissesse à minha mãe que ia a um sítio perigoso sozinha dava-lhe algo. Ponto 3 – Não sei falar alemão. Nem sequer percebo. O que me desafiou mais porque Inglês e Francês entendo. E apesar de na Alemanha o pessoal falar inglês não deixa de ser desafiante. E Ponto 4 – Não conhecia ninguém lá. Ou seja, se me enrascasse só tinha era que me desenrascar. Correu bem? Experimentei montes de sensações. O nervosismo antes do avião levantar voo quando me caiu a ficha que ia mesmo sozinha. O pânico quando só ouvia o nome da rua para onde me queria dirigir no comboio misturado com meia dúzia de palavrões, pelo menos a mim soava assim, em alemão. Sorte a minha ter olhos expressivos que denunciaram à senhora da frente que não estava a entender nada e que amavelmente me explicou em inglês que tinha de trocar de comboio. O impacto que foi ver os monumentos cravejados de buracos de balas devido aos acontecimentos tristes que a cidade teve durante grande parte do século XX. A sensação de insignificância ao tocar o muro e pensar em todas as marcas de História que aquelas paredes têm em si. O sufoco, que me levou os olhos a ficarem cheios de água, quando me deparei com fotos de passagens do holocausto na Topografia do Terror. E o espanto quando me cruzei com pessoas da minha terra. Lá se foi a moral que ia ser um desafio por não conhecer ninguém. Emoções à parte foi uma experiência que superou tudo o que esperava. Superei os medos, os estereótipos e os estigmas que viajar sozinhos é coisa de malucos, ainda mais uma mulher. E se eu consegui qualquer pessoa com um bocadinho de coragem o consegue também. Viajar sozinho é, realmente, para todos. Gosto de viajar acompanhada. Mas adorei fazê-lo sozinha. Vi o que quis, fui onde quis e tudo ao meu ritmo. Já me diverti imenso, juntamente com uma amiga, a sorrir a desconhecidos no metro de Londres só para perceber se a arrogância britânica era estigma ou real. Já me senti uma personagem de filme a bater com a colher no leite-creme no café da Amelie Poulain em Paris. Já me arreliei a teimar com uma amiga qual a direção do metro em Bruxelas era a correta. Já para não falar da vergonha na cara quando caí em Barcelona. Mas nada, nada, me paga a sensação que tive quando ao sair de uma cafetaria em Berlim desatou a nevar e pensei: “És mesmo maluca. Sozinha a estas horas num nevão na Alemanha.” Nesse momento chorei um pouco. Não de tristeza ou medo. Mas de emoção por a vida ser generosa e me dar as oportunidades e a coragem de conhecer mais e mais. De vivenciar coisas tão simples e cheias de significado como uma simples neve. Grata até pela visão poética que tive ao ver os flocos a derreter num dos meus fios de cabelo.
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