“Continuo imaginando não ser cego; continuo comprando livros; continuo enchendo minha casa de livros. Há poucos dias fui presenteado com uma edição de 1966 da Enciclopédia Brokhaus. Senti sua presença em minha casa - eu senti-a como uma espécie de felicidade. Ali estavam os vinte e tantos volumes com uma letra gótica que não posso ler, com mapas e gravuras que não posso ver. E, no entanto, o livro estava ali. Eu sentia como que uma gravitação amistosa partindo do livro. Penso que o livro é uma das possibilidades de felicidade de que dispomos, nós, os homens.”
Jorge Luis Borges
ANABELA BORGES |
Chegando as férias e o lazer, chega também mais tempo para ler.
É o que eu costumo dizer aos meus alunos. Eu digo-lhes: “leiam todos os dias um pouco; leiam antes de ir dormir; leiam sempre que possam, mas leiam sobretudo nas férias”.
Desde muito cedo, eu transmito o gosto pela leitura às minhas filhas, desde a sua estada buliçosa e inquietante no meu ventre, já que sempre tive o hábito de ler em voz alta. Hoje, elas lêem muito. A mais nova disse-me: “Mãe, quero levar mil livros para ler na praia. Eu vou ler mesmo muito, quero melhorar o meu vocabulário”. E o meu orgulho de mãe sobe, sobe até às estelas, sempre sem parar. É claro que sobressai a hipérbole da questão, mas os meus desejos aspiram a que as minhas filhas aprendam mil ou mais palavras, de entre o emaranhado de letras sem fim que se solta dos livros que hão-de ler. E depois mais mil e outras mil ainda, ou mais.
Quando elas eram pequeninas, pediam frequentemente para ir à biblioteca. E eram horas arrastadas em tardes inteiras, sem ponteiros nem relógios, palavras apenas e conhecimento.
Cada vez mais, as bibliotecas são vistas como espaços de conhecimento e não como depósitos de informação, pois não basta tê-la (a informação), é mesmo necessário aprender a transformá-la em conhecimento. Ter acesso aos serviços de uma biblioteca é um processo que se deve formalizar desde a mais tenra idade, por forma a cimentar a aprendizagem ao longo da vida.
É, por isso, importante que os utilizadores aprendam a usufruir de modo inteligente e rentável da informação disponível nas bibliotecas.
As bibliotecas, florestas de conhecimento, erguem-se como espaços sociais, locais onde convivem pessoas de diferentes graus académicos, diversas escolaridades, pertencentes a uma variada tipologia de profissionais, faixas etárias, níveis económicos e sociais. Assim, as bibliotecas são espaços privilegiados para os utilizadores tirarem o máximo partido num sentido construtivo, dando especial destaque ao desenvolvimento das literacias e à capacidade de aprendizagem ao longo da vida, como formas de adaptação às mudanças emergentes na sociedade atual.
Eu não consigo imaginar muitos espaços tão aprazíveis e enriquecedores como as bibliotecas. O Borges dizia que imaginava o paraíso como uma grande biblioteca. Eu também. Quando entro numa biblioteca, sinto as brisas e aragens dos enredos que as compõem. Parece que vêm a mim gerações de gentes que por lá passaram, juntamente com as múltiplas ficções e o conhecimento acumulado nas estantes e nos arquivos. Assim foi, por exemplo, no fim-de-semana passado quando visitei a Biblioteca Joanina, na Universidade de Coimbra.
Eu também já pus de parte os livros que quero ler na praia. É um lote grande, para juntar às mil, mais mil, mais mil palavras das minhas filhas. Levamos uma mala de livros para as férias, vidas inteiras em palavras, conhecimento em construção.
É essa fé que eu tenho: que, mesmo que seja lentamente, mesmo que seja palavra a palavra, se vá fortalecendo o conhecimento e não apenas nos limitemos a acumular informação. E talvez assim, por meio das florestas de livros, por meio de palavras, dos seus gritos e das lições de silêncio que podemos retirar delas, estejamos a assistir a uma gradual mudança de mentalidade da sociedade em geral. É preciso acreditar.
Boas férias e boas leituras!
Sem comentários:
Enviar um comentário