CRÓNICA DE JOANA BENZINHO |
Foi em Bafatá, a cerca de duas horas de Bissau que nasceu Amílcar Cabral, fruto da “transumância” do seu pai, professor primário de origem cabo-verdiana casado com uma guineense, e que veio aqui parar depois de uma passagem pelo ensino em Cacine, Buba e Bambadinca.
Esta cidade que é também capital de região, encontra-se em avançado estado de degradação, pelo menos na baixa da cidade, parte antiga e do tempo colonial, com os edifícios abandonados, maior parte deles não passando de uma ruina a dar um pré aviso de derrocada quando menos se esperar e que não deixa de nos chocar à vista.
A cidade hoje cresceu e refez-se nas franjas da estrada que segue até Gabú, com muitos pontos de venda de tudo e mails alguma coisa a bordar um lado e outro do alcatrão. Alargou-se também para aquela que em tempos foi a pista do aeroporto da cidade, hoje cheia de casas e quintais.
Mas, apesar de tudo, vale a pena um desvio para a cidade antiga, junto do rio Geba. Ao lado do antigo porto encontramos o mercado central, uma construção de estilo neo-árabe, nesta região essencialmente habitada por mandigas e fulas, etnias muçulmanas por excelência, e que diariamente ainda acolhe vendedoras de fresco, carne e peixe, apesar de grande parte do comércio se concentrar hoje na zona alta da cidade. No largo em frente ao Mercado um busto de Amílcar Cabral assinala as suas origens e homenageia este filho da terra.
A rua que nos leva à casa de Amílcar Cabral é um amontoado de edifícios de construção colonial em avançado estado de degradação e completamente votados ao abandono. Percebe-se que ali houve vida, passaram com certeza por ali muitas histórias e muitas estórias, quando vislumbramos o que resta das placas publicitárias de lojas e armazéns ou a ruina do cinema, quem sabe à espera de uma chuva mais forte que leve ao seu desmoronamento. O pouco movimento ainda existente nesta antiga avenida comercial e centro nevrálgico da cidade de outrora deve-se à esquadra da polícia aqui a funcionar e a um ou outro habitante mais teimoso, que ousou manter-se por aqui, apesar de
A Casa onde nasceu e viveu Amílcar Cabral, é hoje um museu depois de ter sofrido obras de recuperação em 2011 com o apoio da UNESCO. Aqui encontramos alguns bens pessoais da família e uma exposição evocativa da vida do histórico fundador do PAIGC e a mais importante personalidade da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Apesar da recuperação ter sido recente a casa acusa graves problemas de deterioração, convidando a uma intervenção sem grandes delongas de forma a poder preservar-se este património histórico de importância maior para o país.
Nas artérias secundárias, mais casario em avançado estado de destruição enche-nos a vista e, mesmo em tempo seco, constitui uma verdadeira aventura percorrer aquelas estradas de carro, tal a dimensão dos buracos que as caracterizam.
Mas voltando ao porto, a paisagem é de cortar a respiração, com tanto verde a rodear a cidade e a graciosidade do rio Geba a banhar a parte baixa de Bafatá, junto a um jardim hoje ao abandono mas que outrora deve ter sido poiso de muitas das brincadeiras das crianças da cidade. Apesar da melancolia provocada por contacto visual com a degradação, esta cidade fantasma guarda com a dignidade possível os resquícios da beleza de um passado não muito distante.
A visita a Bafatá não pode terminar sem uma passagem pelo “Ponto de Encontro”, para dois dedos de conversa com a Dona Célia e o Senhor Dinis, portugueses radicados na Guiné desde a sua juventude e que hoje só a cor da pele os trai, pois numa primeira abordagem ninguém diria não serem guineenses. Uma história de verdadeiro amor entre eles e pelo ao país que os acolheu, delicia quem com eles se cruza. Seja sobre a Guiné colonial, pós colonial ou pós guerra do 8 de Junho, este casal fala-nos como poucos do que foi e no que se tornou esta cidade. Sempre com um sorriso nos lábios, uma piada fácil pronta a sair, numa cumplicidade vivida a dois como se um só ali estivesse a falar connosco. Mas ali não encontramos só verbo fácil. No Ponto de Encontro, independentemente da hora a que se chegue, há sempre uma galinha da terra para uma cafriela, uns ovos para uma omelete, uma baguete para enganar a fome de quem ali entra. Em tempos estiveram na parte antiga da cidade mas com a evolução da própria cidade, mudaram-se para a via que liga Bissau a Gabú e onde tudo se passa nos dias de hoje.
Deixando para trás Bafatá e este casal adorável com a barriga já bem aconchegada, mergulhamos num vale com uma ponte rodeada de bolanhas de um verde vivo salpicadas pelo colorido das vestes das mulheres que por ali trabalham. E com esta imagem tão africana gravada na memória, fica sem dúvida alguma a vontade de voltar a Bafatá, cidade berço do país, tão cheia de história e de memórias.
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