ELISABETE SALRETA |
Tenho uma vizinha muito barulhenta.
Logo de manhazinha, pouco depois do nascer do sol, já ela deu a volta à casa. Pelos barulhos que oiço no andar de baixo, já desarredou todos móveis, sacudio todos os tapetes, que devem estar agora no sítio correcto, e já fez uma esfrega de cima a baixo. Imagino a geraldina que acontece todos os dias naquela casa.
O pior é que não deixa ninguém dormir. Depois do meio da manhã, nada se escuta naquela casa até à chegada da D. Lurdes. Provavelmente a vizinha barulhenta, também sai para trabalhar.
Lá está ela novamente. Desta vez na casa de banho. Aquela banheira deve estar bem suja pois só se escutam barulhos de esfrega e escovas a cair. Será que ainda tem tinta?
Depois corre da ponta da casa à outra ponta. Deve ser a vassoura, pois escuta-se o raspar no chão. São móveis a arrastar? Pum! Foi uma caixa que caiu. Hoje é dia de rebuliço, está visto.
Encontrei a D. Lurdes na escada e perguntei pela vizinha que com ela morava, pois apesar de tanto a ouvir, nunca a tinha visto. A D. Lurdes ficou muito admirada pois disse morar sozinha.
Insisti. Teria de haver mais alguém lá em casa. Falei das correrias, da vassoura a raspar no chão, do arrastar dos móveis, logo pela manhã.
E que ficasse bem claro que o pior de tudo, era a esfrega que a banheira levava todos os dias. Sem querer ferir suscetibilidades, escondi o olhar e perguntei à vizinha se estaria assim tão suja todos os dias?
D. Lurdes pensou durante um pouco e gargalhou a bom gargalhar. A sra. Quase que caía, enrolada de tanto rir. E eu a olha para ela.
Convidou-me para ir a sua casa conhecer a vizinha barulhenta de quem eu tanto falava.
Entrei a medo, não fosse a senhora ser violenta e mandar-me com uma caçarola a cima. D. Lurdes, ainda a rir-se, levou-me até à sala e apresentou-me a fazedora de tantos ruídos que não me deixavam dormir a manhã. Ali, no sofá, bem refastelada a dormir o sono dos justos, estava uma gata preta e branca. Era um animal enorme, possante. Compreendi os barulhos que ouvia. As correrias pela casa, o raspar com as unhas no chão que me pareciam ser uma vassoura, ou ruídos que nada mais eram que ela a brincar, o arrastar dos móveis que seria quando ela esbarrava em alguma mesa ou cadeira. Tudo ficou claro naquele momento. Olhei para aquele animal a dormir tão pacificamente e perguntei-me como seria possível. Timidamente perguntei pela banheira. Fui ver. Estava imaculada. Dentro dela estavam os brinquedos que a Mimi para lá levava. Os seus pinotes e cabriolas, provocavam todo aquele barulho. Sozinha, após a saída da sua tutora para o trabalho, a casa era só sua. Tinha de se exercitar para que à noite fosse um doce de gata bem-comportada. Até cair no sono, exausta.
No outro dia de manhã, quando a azafama começou, gritei – Mimi, está quieta! – parou por um momento e recomeçou a sua jornada.
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